O caso do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. (Ceitec) simboliza a multiplicidade de aspectos que podem estar envolvidos no controle externo de desestatizações. Dentre as estatais menos conhecidas, o Ceitec foi criada em 2008 para exercer papel estratégico na indústria de semicondutores, microeletrônica e áreas correlatas. O atual governo, contudo, adotou um conjunto de medidas que denotaram sua discordância com os rumos dessa política industrial e sua opção por uma mudança de rota.
Ainda em 2019, o Ceitec foi qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), sendo incluído no Programa Nacional de Desestatização no ano subsequente. Por meio do Decreto 10.578, o governo federal determinou sua dissolução societária. Com isso, foram iniciados os trâmites para a desestatização, incluindo o processo administrativo junto ao Tribunal de Contas da União (TC 020.973/2020-9). Desde então, o tema já passou por quatro apreciações em plenário (Acórdãos 2061/2021-P, 2792/2021-P, 734/2022-P e 2327/2022-P), mantendo-se suspenso, até aqui, o seguimento do processo de liquidação.
Duas questões centrais vêm ocupando o Tribunal de Contas da União (TCU). A primeira se refere à fundamentação do interesse público para a liquidação da estatal. A segunda se refere ao equacionamento da propriedade do terreno ocupado pela companhia.
Quanto ao primeiro tópico, há a sensível questão dos limites do controle. Não cumpre ao tribunal definir se, do ponto de vista da política pública, a decisão de desestatizar é correta ou equivocada. Antes, cabe-lhe aferir a existência de decisão administrativa devidamente motivada e fundamentada. Aqui, foi marcada a oposição entre duas visões em plenário. O ministro relator, Walton Alencar, considerava suficientes as justificativas do Ministério da Economia, mas prevaleceu a divergência do ministro Vital do Rêgo – em dois julgamentos distintos – determinando maiores esclarecimentos, ao enfatizar a “posição estratégica [do Ceitec] na produção nacional de semicondutores”, bem como seu “capital intelectual constituído” (Acórdão 2061/2021-P).
Quanto ao segundo tópico, houve aparente consenso na Corte. Mesmo após as diligências iniciais, manteve-se alto grau de incerteza quanto ao terreno e propriedades da empresa. Por isso, o Acórdão 2327/2022-P (19/10/2022) converteu o julgamento em diligência, mantendo suspenso o processo de desestatização. Seria a permanência de dúvidas prova de baixa maturidade da modelagem do negócio público?
O papel do TCU, no caso, não parece se confundir com atrasos decorrentes de mera burocratização do processo decisório. Extrai-se dos acórdãos mencionados alguma opacidade no processo decisório governamental que impulsionou a tentativa de privatização desses ativos públicos. Tais indefinições continuarão sendo debatidas pelo Tribunal, impactando a liquidação da companhia.
Tomando o controle prévio em desestatizações como um dado da realidade, consideramos que, sem que se substitua o gestor pelo controlador, o mais virtuoso dos controles visa ao robustecimento do ônus argumentativo da Administração, reforçando seu dever de motivação. Deve-se evitar a todo custo uma transferência ao TCU do espaço de tomada de decisão das escolhas de política pública que são de responsabilidade governamental; ao controle cabe fiscalizar a legalidade e garantir a transparência.