Análise

Como será o controle público no pós-pandemia?

Se nada mudar, as renegociações dos contratos de infraestrutura serão definidas pelo TCU, e não pelos reguladores

Crédito: Pixabay

Há hoje certo consenso em torno da ideia de que nada será como antes após a pandemia. Relações humanas, trabalho e governos mudarão profundamente. Proliferam artigos, entrevistas e webinars sobre como será esse novo mundo. A bola da vez é a de cristal. Também vou me arriscar na futurologia. Ao passo que me questiono se realmente o mundo sairá tão transformado assim – ainda mais para melhor, como muitos têm dito – o que me pergunto é: e o controle da Administração Pública? Será que vai mudar?

Um dos impactos mais imediatos da pandemia tem recaído sobre concessões e parcerias de infraestrutura, seja porque o distanciamento social afetou a demanda por vários serviços, notadamente os de transportes, seja porque a renda e a capacidade de os usuários arcarem com as tarifas foram abaladas. Consequência: contratos de longo prazo serão renegociados. Mas como será a renegociação? Quem definirá bases e parâmetros dos reequilíbrios? Reguladores ou controladores?

Os setores serão impactados de maneiras diferentes e, dentro de cada setor, há contratos distintos, em fases e firmados sob modelagens também distintas. Uns bem modernos, com matrizes de risco sofisticadas, outros nem tanto. As renegociações exigirão flexibilidade e criatividade, mas também capacidade de observar as peculiaridades e possibilidades de cada contrato e de cada setor. Para isso, reguladores precisam de “espaços seguros de decisão”[1], o que significa que suas escolhas não sejam bloqueadas nem punidas por mera discordância do órgão de controle.

O TCU criou o programa “Coopera”, no qual já foram instaurados 28 processos de monitoramento para acompanhar as ações governamentais durante a pandemia. Parece continuar apostando no controle prévio e concomitante, como se isso fosse necessariamente positivo. Integrantes do órgão têm falado em “construir soluções, em vez de criticá-las”[2].

A questão prática é: o Tribunal vai se abster de criticar soluções que não coincidam com suas preferências?

A partir de um estudo de casos multisetorial, já procurei demonstrar que o TCU, ao controlar atos das agências reguladoras, não se limita a fazer o chamado controle de segunda ordem, e faz verdadeira revisão do conteúdo da regulação, analisando previamente editais e contratos de concessão – e seus aditivos – e suspendendo ou determinando a alteração de normas regulatórias[3].

Além disso, sanciona agentes públicos mesmo sem constatar lesão ao erário ou ilegalidade. Alegando risco de que os reguladores sejam capturados, o TCU tem tomado para si, sem base legal, o poder de dar a última palavra sobre a regulação de infraestrutura.

Mantido esse padrão, as soluções para os contratos não serão negociadas e customizadas por cada regulador setorial, mas decididas pelo TCU, de maneira centralizada e sob a ótica do controle de contas. Ao gestor restará esperar e acatar as soluções ditadas pelo controlador.

Seria um grande avanço para o ambiente institucional brasileiro se o “novo normal” do controle público fosse pautado por diálogo, cooperação, mais confiança e autocontenção.

 

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[1] A expressão é de relatório de pesquisa produzido pela LSE sobre a regulação de infraestrutura no Brasil, no qual foi diagnosticada uma exagerada redução do espaço de discricionariedade do regulador por ação do TCU. Disponível em: http://www.lse.ac.uk/accounting/CARR/pdf/Impact/Brazil-infrastructure-logistics–translated-FINAL.pdf

[2] Ver webinar promovido pelo Jota com o presidente e os secretários-gerais do TCU. Disponível em: https://www.jota.info/casa-jota/webinar-presidente-tcu-26052020

[3] https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/27366