competindo pela infraestrutura

O impacto das decisões judiciais ou arbitrais no enforcement de Cade e ANTT

Arbitragem é uma realidade presente na agência e bem vista pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica

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Crédito: Unsplash

Sobre o tema, Guilherme Sampaio, atual diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), afirma que do ponto de vista da atuação do Judiciário, a agência reguladora, por sua experiência, tem visto com bons olhos, sobretudo a atuação dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça).

Cita-se como exemplo a Recomendação CNJ nº 129, de 15 de junho de 2022, que faz referência ao que a própria ANTT tem adotado quando surgem ações que visam a interromper processos de concessão. Nesse sentido, recomenda aos tribunais “a adoção de cautelas visando a evitar o abuso do direito de demandar que possa comprometer os projetos de Infraestrutura qualificados pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), previsto na Lei nº 13.334/2016″.

Outrossim, a Portaria CNJ nº 142, de 29 de abril de 2022, que cria o Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (CRD-Infra), busca dar um tratamento adequado de conflitos judiciais a projetos qualificados no PPI. O Comitê já está em atuação, e há um caso específico de concessão de rodovia federal em condução, no qual todos os atores envolvidos, seja o poder concedente, seja o regulador, seja o Ministério Público, dentre outros, sentam-se à mesa e buscam conferir um tratamento adequado de um processo judicial para que se possa ter o mínimo de segurança jurídica. Por esta razão, tem-se que louvar as iniciativas feitas pelo Poder Judiciário.

Partindo-se para os mecanismos ou soluções alternativas de controvérsias, e até mesmo na visão de justiça, a arbitragem é mais uma realidade presente na agência, tendo em vista que há alguns processos em curso, principalmente de concessão de rodovias da terceira etapa.

Na época de surgimento da arbitragem, tinha-se uma expectativa de que seriam procedimentos mais céleres do que de fato têm sido (alguns processos iniciados há cinco anos estão chegando em seu tempo final apenas agora). Contudo, há convicção de que é um processo muito positivo, pois ao final profere-se uma decisão terminativa, que se pode ser questionada em seu aspecto formal, mas não de conteúdo (material), sendo uma decisão de caráter completamente técnico.

Nesse sentido, esclarece que o projeto de estruturação de uma concessão leva cerca de dois anos a dois anos e meio, de modo que quando surge uma discussão, um problema acerca desse projeto, o que mais se espera é que haja uma decisão eminentemente técnica. Entretanto, no âmbito do Poder Judiciário, o volume de processos por ele conduzidos não permite que se tenha essa tecnicidade.

Para Gustavo Augusto Freitas de Lima, conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Judiciário tem sido muito respeitoso com as decisões de defesa da concorrência. Em recentíssima reunião ocorrida em 9 de setembro de 2022, o CNJ aprovou a Recomendação CNJ nº 135, de 12 de setembro de 2022, recomendando aos magistrados que, sempre que possível, realizem a oitiva do órgão de defesa da concorrência antes de concederem tutelas de urgência relacionadas a processos administrativos em trâmite perante o Cade.

Ademais, o STF tem precedentes muito fortes indicando que a autoridade do Cade tem que ser respeitada. Ressalta que a agência detém uma característica muito peculiar e interessante nas soluções de caso pela consensualidade, uma vez que são as próprias empresas que buscam firmar compromissos, seja pela cessação de conduta, seja por acordo de leniência, seja por acordo em ato de concentração, que resolvem a lide e não vai para o Judiciário.

Então, na visão macro, trata-se de uma experiência de sucesso. No entanto, aduz que o que acabam se destacando são os exemplos ruins, que são poucos, mas levam o setor concorrencial para o lado contrário. Quando o judiciário acaba avançando sobre o tema, gera consequências drásticas perceptíveis a longo prazo.

Um exemplo disso, muito recente, é o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN Cimentos) – Ato de Concentração nº 08700.006299/2021-63 –, em que foi imposta uma multa de cerca de R$ 22 milhões e que foi posteriormente judicializada. Foi o primeiro caso de cartel julgado pelo Cade, e que transitou em julgado depois de 22 anos.

É uma consequência terrível não só para a autoridade concorrencial, mas também para os concorrentes. Se se trata de um caso em que houve uma conduta abusiva praticada por um agente, e há a necessidade de aguardar um trânsito em julgado para que se possa tirá-la do mercado para cessar as condutas apenas 22 anos depois, muito provavelmente esse agente já logrou se tornar um monopólio e eliminar a concorrência.

Um outro exemplo paradigmático é o caso Nestlé e Garoto, que, apesar de ainda não resolvido, é emblemático de como a atuação judicial pode prejudicar a solução de uma lide. Do ponto de vista concorrencial, é um caso que hoje em dia parece não fazer mais sentido, pois o atual marketshare das empresas não representa os problemas concorrenciais do início da discussão, que, inclusive, está longe de obter uma solução na esfera judicial. Felizmente, contudo, essa não é a realidade do Cade, podendo-se dizer que 99% dos casos contam com atuação positiva do Judiciário.

No caso da arbitragem, assevera que ainda que seja uma novidade, o Cade a tem visto com bons olhos. No caso da venda da Refinaria Isaac Sabbá (REMAN) de Manaus/AM, parece ter resolvido muitos problemas, especialmente na discussão sobre o uso de serviços portuários e o quanto seria cobrado. Inclusive, todas as empresas acharam favorável, tanto as que eram a favor da operação, quanto as que eram contra.

A arbitragem é uma experiência nova no Brasil, de modo que ainda remanescem dúvidas do quanto ela conseguirá se manter acima das decisões judiciais. Não adianta obter uma solução arbitral que depois seja judicializada por uma das partes, e haja a necessidade de esperar que se passem 20 (vinte) anos discutindo.

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