O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, interrompeu as férias para participar da reunião extraordinária pública da Diretoria Colegiada que trataria da liberação do uso emergencial da vacina Coronavac para crianças entre 3 e 5 anos.
Numa rápida fala ao abrir a reunião, nesta quarta-feira (13), Barra Torres deixou ali seu recado: a importância da independência e da disponibilidade de recursos para enfrentar a pandemia.
A mensagem ganha outro peso quando se analisa o histórico e sobretudo a pressão que a agência sofreu no momento da análise da liberação da vacina para o público infantil. Em dezembro, diretores autorizaram o uso do imunizante da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos.
Pouco depois, o presidente Jair Bolsonaro questionou em uma entrevista o interesse da Anvisa sobre a liberação. As declarações levaram Barra Torres a publicar uma carta pedindo a retratação do mandatário.
Depois do episódio, ainda no mês de janeiro, a Anvisa aprovou o uso da Coronavac para crianças entre 6 e 17 anos. Naquela ocasião, diretores avaliaram não haver dados suficientes para liberar o uso para crianças menores que essa faixa etária e solicitaram informações complementares. Pouco depois, o Instituto Butantan fez novo pedido, acrescentou as informações, especialistas foram ouvidos e o resultado foi dado nesta quarta, com a liberação do uso emergencial também para a faixa de 3 a 5 anos.
Ao longo dos últimos meses, a Anvisa sofreu pressão de grupos de pais, que pediam pressa na liberação do imunizante para a faixa etária mais nova. Com relaxamento de medidas de proteção, o número de casos de Covid-19 entre crianças aumentou e também de casos graves. Por esse público ser o único não vacinado, as preocupações aumentaram.
Durante a reunião que durou mais de 4h30, foram ouvidos pesquisadores e técnicos da agência. Em todas as falas ressaltou-se o quanto a vacina é segura, reduz mortes, evita casos graves e internações.
A diretora Meiruze Freitas, relatora do processo, além de reunir dados de estudos para justificar a decisão e destacar a relevância da imunização, observou o quanto era preciso manter testagem e medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras.
Um discurso que se destaca pela lucidez e pela coerência com dados científicos, sobretudo num momento em que impera o perigoso e incorreto discurso de que pandemia é coisa do passado.
O protagonismo da Anvisa no período mais crítico da pandemia rendeu, além de críticas e elogios, um estudo.
Uma pesquisa conduzida pela FGV do Rio mostra que a agência foi o órgão regulador com normas mais citadas pelos demais órgãos da administração pública federal.
“Imaginava que haveria muitas publicações nesse período. Mas o fato de, além das publicações, haver um número importante de citações indica a relevância do trabalho”, afirma o pesquisador do projeto Regulação em Números da Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV, Lucas Thevenard. “A agência tornou-se a principal referência técnica.”
Para fazer o trabalho, foram analisadas publicações de julho de 2019 a agosto de 2021. Ainda de acordo com o pesquisador, antes da pandemia, o principal órgão regulador era a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em entrevista ao JOTA, Meiruze Freitas atribui o resultado da pesquisa a uma associação de fatores. Entre eles, corpo técnico bem capacitado e atualizado, troca de informações com autoridades reguladoras internacionais e com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Presidente do Sindusfarma, Nelson Mussolini avalia que a atuação da Anvisa durante a pandemia foi muito importante. “A principal lição que fica é que é possível inovar algumas regras para trazer agilidade, sem que haja prejuízo para a segurança”, disse. Para ele, é essencial que a medida seja mantida.
Ao mesmo tempo, o volume de trabalho durante o período mais crítico da pandemia fez com que algumas outras áreas da agência tivessem o ritmo de trabalho prejudicado. “As filas aumentaram. Todos sabem que isso é reflexo da emergência sanitária, mas providências precisam ser adotadas.”
Entre as medidas estudadas está a mudança na lógica das filas e a possibilidade de se aproveitar, por exemplo, estudos já feitos em outros países por outras autoridades sanitárias. A discussão está em curso, afirma Mussolini. O setor, de acordo com ele, vai propor ajustes na proposta. “Mudanças que facilitem o processo são sempre bem-vindas. Quanto mais ágil for o processo, sem desprezar a segurança, maiores as condições de acesso para a população.”