
Não há nenhuma dúvida de que o lobby é percebido no Brasil como uma atividade nociva à democracia, em geral associado à corrupção. Esse fato não é uma particularidade brasileira: em Bruxelas, Londres e Washington, por exemplo, o lobby também é percebido desse modo. Essa percepção está presente em todas as grandes democracias.
Contudo, há pelo menos duas razões pelas quais o lobby é o contrário do que a maioria pensa, isto é, ele faz bem à democracia. A primeira é uma razão de ordem filosófica, que tem a ver com a ideia que se faz da natureza humana. A segunda é uma razão de ordem prática, que tem a ver com o dia a dia do processo democrático.
No Ocidente, a filosofia moderna se dividiu em duas escolas. A primeira escola, liberal, sobretudo inglesa e americana, parte da ideia de que a natureza humana é o que é, ou seja, os homens são seres movidos por desejos e paixões, portanto, por interesses egoístas e particulares. Diante desse fato, ela propõe que qualquer forma de governo precisa dar liberdade a esses interesses particulares, porém, canalizá-los por meio de incentivos para alcançar o bem comum. Nesse modelo, o governo reflete e executa a síntese do embate entre os vários interesses presentes na sociedade; ele é um experimento, por meio do qual esses interesses se manifestam e convergem.
A segunda escola, romântica, sobretudo francesa e alemã, parte da ideia de que a natureza humana é altruísta, porém corrompível – e que, assim como pode ser corrompida, também pode ser reformada. Diante desse fato, ela propõe que qualquer forma de governo precisa suprimir os interesses particulares em nome do bem comum, reformando a natureza humana sempre que necessário. Nesse modelo, o governo é quem decide o que é melhor para a sociedade; ele é o intérprete do bem comum.
Não é necessário ir muito longe para saber como esse filme termina. A escola liberal deu em experimentos como as democracias britânica e americana, ao passo que a escola romântica deu nas piores tragédias ditatoriais modernas, incluindo o Terror jacobino com sua “República da Virtude”, o nazismo com o seu “Líder” e o stalinismo com seu “novo homem soviético”.
Durante a Revolução Americana, essas duas escolas estiveram em debate – e venceu a liberal. O argumento, feito por James Madison, é claro: os interesses particulares podem, sim, ameaçar a democracia, mas sufocá-los é acabar com a própria democracia. Nesse caso, é melhor protegê-los e, por meio de uma engenharia institucional inteligente, baseada em incentivos, canalizá-los para o bem comum. Trocando em miúdos: tentar matar o lobby é matar a própria democracia.
Ora, mas a democracia em 1776 é muito diferente da democracia em 2022. Em 250 anos, a ciência avançou, a economia se modernizou e a sociedade se tornou mais plural. O reflexo disso é um processo de gestão da democracia muito mais complexo.
No Brasil, há anos em que são apresentados no Congresso Nacional mais de 5.500 novos projetos de lei. Nos Estados Unidos, já houve ano em que o Congresso teve de lidar com mais de 8.000 novos projetos.
Em paralelo, o Poder Executivo dos dois países lida com milhares de novas regulações por ano, oriundas tanto das novas leis aprovadas pelos respectivos Legislativos, quanto de leis já existentes.
Não é razoável pensar que um legislador ou um funcionário de governo seja capaz de compreender todos os desdobramentos possíveis das decisões que tomar, seja na legislação, seja na regulação. A melhor forma de acelerar o processo e ter uma visão do conjunto é deixar o lobby acontecer.
Ao receber os lobistas, com seus interesses divergentes e, por vezes, em conflito, o legislador e o funcionário de governo conseguem traçar cenários e identificar quem ganha e quem perde em cada um deles – o famoso “trade off”. A partir daí, acontece o processo de síntese, no qual busca-se um ponto de equilíbrio entre esses interesses.
Assim, além da razão filosófica, há uma razão prática pela qual o lobby faz bem à democracia. Sem ele, o processo democrático transforma-se em uma grande máquina emperrada, com baixa eficiência e eficácia ainda pior.
Quando deparar-se de novo com a expressão “lobby”, lembre-se que ela não é sinônimo de corrupção ou ilegalidade, mas de solidez democrática.
Se o lobby acabar, comece a ficar preocupado!