Pandemia

Atuação em relações governamentais em tempos de crise

O que pode ser feito atualmente em que o timing é rápido e as janelas de oportunidade são pequenas

Crédito: Pixabay

Atuo em relgov desde 2001, quando fui estagiária em um escritório de advocacia que acompanhava vários assuntos em Brasília, no judiciário, no executivo e no legislativo.

Sempre gostei daquela dinâmica de observação dos julgadores (mapeamento dos stakeholders), de ser chamada para comentar como tal diretor, conselheiro, parlamentar ou magistrado se portava, de participar das estratégias do caso.

Até 2016 achava que era uma advogada generalista, quando descobri o que era efetivamente a área de relações governamentais e que a atividade por mim desempenhada há mais de 10 anos era exatamente aquela. Desde então busquei aprofundamento na área. Me associei ao IRelGov e outras entidades, me aproximei de profissionais do ramo, observei com maior atenção como se portavam e o que faziam, fiz cursos de extensão, li, estudei. Me encontrei e me realizei pessoalmente nestes últimos 3 anos.

Fui descobrindo o quanto é rica a área e como é importante ter qualificações relacionadas ao direito, processo legislativo e civil, gestão, comunicação, além de soft skills ligadas a relacionamento, psicologia e estratégia.

Descobri também o quanto é importante a atuação dos profissionais de relações governamentais e como agrega valor ao desenvolvimento do país. Estou falando de busca de oportunidades que estão presentes e a sociedade civil não tem conhecimento, de não aceitar uma possível perda e ser possível mitigar efeitos negativos, de como o relacionamento com os três poderes é importantíssimo, de quanto mais a sociedade se aproxima dos poderes, mais justa e equânime a sociedade se torna.

Nesta quarentena, tem sido um desafio conciliar os papéis de mãe de 4 filhos  pequenos (com idades entre 2 e 11 anos), esposa, coordenadora dos assuntos domésticos e advogada profissional de relgov. Meus filhos participaram de 80% das conferências e me tiraram o foco muitas vezes, mas também houve a criação de empatia e rapport com os stakeholders envolvidos, certa de que muitos estavam na mesma situação, e foi possível manter o bom nível do trabalho.

Também expliquei para os menores a importância do trabalho, de como era importante também servir à sociedade e como a atividade da mãe é semelhante à de uma super heroína que ajuda as pessoas a resolver desafios e situações e o Brasil a se desenvolver.

Os desafios da crise atual e do pós-crise são, definitivamente, a incerteza sobre quanto tempo vai durar e sobre como ficarão as relações pós pandemia. Uma digitalização forçada e uma desnecessidade de presença física já se tornaram atuais.

A pessoalidade, tão importante nas relações governamentais, com certeza continuará existindo, mas não no mesmo nível. Tudo tende a se resolver de forma mais transparente, eficaz e rápida.

O e-mail tem sido uma forma muito eficiente de contato no executivo e no judiciário. No legislativo, o aplicativo de mensagens tem sido muito eficaz, hoje com maior uso institucional. As reuniões via aplicativos por vídeo conferência também se mostraram produtivas e mais objetivas. As demandas não deixaram de ser endereçadas.

Nos últimos anos, o que mais me chamou atenção é como a área ainda é desconhecida, em relação ao que efetivamente se faz. Apesar de toda onda de profissionalização dos últimos anos, muito relacionado à operação lava jato, implantação de programas de compliance e punição efetiva de crimes de colarinho branco, além de um aumento não só da fiscalização governamental, como da própria auto regulação entre o profissionais da área – que condenam práticas ilícitas – algumas entidades privadas ainda buscam neles alguém que resolva as situações ou problemas através de relações escusas e de práticas ilícitas. Ou seja, há ainda um longo caminho de comunicação, educação e reputação a ser percorrido.

O trabalho de relações governamentais envolve a série de fatores já comentada, e é muito sério, exigindo muita experiencia, competência, hard e soft skills. Os bons resultados são alcançados com planejamento estratégico e revisão constante de ações que envolvam todos os entes que possam ser atingidos.

E como isso pode ser feito em tempos atuais? Vamos pegar um caso concreto: Uma Medida Provisória pode sair literalmente da noite para o dia, sem que os setores envolvidos e atingidos tenham tido conhecimento, se envolvido ou sido ouvidos.

Há uma necessidade de ação imediata que envolve: a identificação dos responsáveis por aquela proposição e os reais motivos que levaram àquela decisão, a identificação dos parlamentares afetos ao tema ou que possam se envolver, a identificação de demais entes da sociedade civil, associações, fóruns e etc e entidades públicas e privadas que podem ter ganhos ou perdas com aquela situação e que possam se tornar aliados ou inimigos do que se busca.

A primeira atitude a se adotar é a procura de informação dos perfis de todos os envolvidos. Depois dessa identificação, discute-se a estratégia de atuação e aproximação com os stakeholders, elaboração de position papers e orientações para a afetiva atuação/advocacy.

Aí vem a ativação das redes para obtenção de contatos efetivos com cada um desses decisores, via e-mail, telefone, aplicativos de mensagens, realização de eventos, audiência públicas, webinars, lives, indicação de nomes técnicos para participação na formulação e análise daquela política pública, formação e convencimento de parlamentares para composição de comissão que tratará do assunto, geração de informação técnica e apropriada a cada um dos stakeholders, dentro da linguagem e melhor comunicação.

Monitoramento de todos os passos da proposta enviada e maneira como os parlamentares estão se comportando (realizado através de monitoramento de mídia, redes sociais, contato direto e rede de relacionamento, tudo dentro do perfil que já foi analisado). Na medida que esse comportamento é analisado e são definidas as lideranças daquele projeto, a estratégia vai sendo redefinida, de forma bastante dinâmica. E quando a MP for pautada em plenário e as discussões passarem a ocorrer lá, o trabalho de monitoramento e de informações continua sendo feito de forma virtual.

Esse exemplo mostra, de maneira resumida, o que pode ser feito pelos profissionais de relações governamentais, com uma proposição legislativa em tempos de crise e em que o timing é rápido e as janelas de oportunidade são pequenas.

Atualmente não é possível acompanhar os assuntos de forma presencial, como se fazia há dois meses – o que se torna um grande desafio. Não poder observar a movimentação in loco faz com que nos reinventemos e sejamos inovadores, entregando excelente trabalho, pois sabemos lidar com essa realidade.

A pandemia trouxe maior transparência, evolução digital e eficiência em muitos setores e isso é um ganho também no campo da ética e da profissionalização do lobby.

 

***As opiniões e posicionamentos relatados nesta coluna são de responsabilidade de seus autores e não correspondem, necessariamente, ao posicionamento do IRELGOV.

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