Ao se discutir uma possível regulamentação do lobby no Brasil, a experiência dos países que já regulamentaram a atividade se torna fonte de inspiração do que pode ser avaliado para aplicar ao nosso caso, adaptado e alinhado à cultura nacional.
Uma das mais tradicionais dessas experiências é a norte-americana, que há décadas possui regras estabelecidas que devem ser seguidas pelos profissionais de relações institucionais e governamentais, os lobistas. Estes podem vir de qualquer parte interessada em contribuir com o debate, defender seus interesses e influenciar tomadas de decisões de entidades públicas. Empresas, associações, sindicatos, organizações não governamentais e o próprio governo — seja entre Poderes, entes federativos ou entre nações. Com conotação menos pejorativa que no Brasil, o lobby é visto como um processo natural em sistemas democráticos e plurais, um meio para que a sociedade civil possa participar do Estado e levar suas necessidades ao poder público.
Tanto a Lei de Transparência do Lobby (Lobbying Disclosure Act – LDA) quanto a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros (Foreign Agents Registration Act – FARA) exigem que o profissional registre as atividades desempenhadas, gerando arquivos públicos, disponíveis à consulta de qualquer cidadão. Enquanto a primeira é destinada à defesa de interesses domésticos, a segunda se aplica à defesa de interesses estrangeiros, ainda que exercido por nacionais do país.
Um lobista estadunidense com um cliente estrangeiro, por exemplo, deve seguir os requisitos da FARA em suas atividades. Aos interesses estrangeiros, algumas regras adicionais se aplicam, pois é considerada proteção do ambiente doméstico e questão de segurança nacional. Mesmo um simples aviso de pauta à imprensa ou campanhas na mídia precisam ser reportados pelo representante da parte internacional (da nacional não precisa) por serem considerados instrumentos de influência.
À primeira vista, parece uma realidade apartada das relações governamentais, mas para os americanos não o é. O que se costuma chamar public affairs nos Estados Unidos é a prática de relações públicas que tangencia as atividades de relações institucionais e governamentais. Profissionais dessa área se dedicam ao engajamento de stakeholders (ou partes interessadas) e às comunicações que permitam aos defensores de interesse estimularem debates, atingirem convergência de posicionamentos e influenciar a formulação de políticas públicas. Segundo a regulamentação, lobistas que defendem interesses internacionais (regulamentados pelo FARA, portanto) precisam registrar comunicações enviadas à imprensa e em nome de qual interessado foi enviada. A regulamentação entende que pautar a opinião pública para influenciar tomada de decisão governamental é um instrumento de lobby.
Tais registros são públicos e podem ser acessados online ou por petição. Por meio deles, jornalistas e organizações de fiscalização investigam a conduta do jogo de interesses antes restrito às partes presentes em audiências e reuniões. Para além da transparência, há quem alegue que a publicidade destes dados torna o debate mais justo, uma vez que é permitido aos defensores de interesse ter acesso à conduta das outras partes interessadas, onde e com quem estiveram, o que apresentaram aos legisladores e até mesmo quanto investem ao lutar por seu lado. A noção de equilíbrio entre as partes se perde a partir da avaliação de quem investe mais? Talvez. O que se nota no ranking de principais investidores em relações governamentais é a relação proporcional entre investimento e complexidade regulatória do setor. Indústrias de alta tecnologia e farmacêuticas — cujos investimentos chegam a dezenas de milhões de dólares anuais[1] — são altamente reguladas e com nível de tecnicidade elevado, o que pode ser de difícil compreensão para o legislador. Maiores investidores são mais visados e há toda uma gama de fiscalizadores dedicados a monitorá-los: imprensa, organizações não governamentais, concorrentes e agentes públicos.
A exposição pode ser um mecanismo válido de contenção para incentivar a integridade das tratativas. Para além do olhar alheio atento, há estruturas no Congresso vinculadas às secretarias-gerais do Senado e da Câmara dos Deputados, fiscalizando e aplicando penalidades e multas a infratores da regulamentação. Cabe a cada empresa educar seus funcionários, com treinamentos periódicos nas boas práticas de ética e conduta. Basta um de seus colaboradores ser registrado pelo LDA ou FARA para que toda a empresa esteja submetida aos mecanismos estipulados pelos atos, em especial a prestação de contas. Retomando a ideia de mecanismos sutis de contenção, o peso coletivo do registro pode incentivar um autocontrole exercido entre pares de uma mesma estrutura.
Em um país com a complexidade do Brasil, certamente o padrão é não ter a compreensão detalhada do todo. O lobby tem um papel educador fundamental para o legislador, seja no conhecimento técnico especializado, seja no conhecimento da realidade de quem está na ponta. É por meio da contribuição dos atores da sociedade civil que os tomadores de decisão da esfera pública conseguem ter ciência dos anseios da sociedade para além de sua experiência pessoal. Quanto mais informação e lados circularem nas discussões, mais aplicáveis à realidade e necessidades dos diretamente interessados serão as normas. Definir regras de acesso é um passo importante para que haja compreensão dos caminhos possíveis e mais interessados possam exercer seu direito de petição, além de ser um incentivo à profissionalização cada vez maior da atividade, melhorando a qualidade desse sistema.
Um valioso aprendizado ao olhar para os países onde a atividade já foi regulamentada é que se trata de um instrumento vivo, em constante evolução. Assim como o setor se adapta com o tempo ao que dele será exigido, como burocracias, as normas se adaptam às condutas da sociedade e necessidades novas surgem de tempos em tempos. As regras são então revistas, e falhas corrigidas. O caso americano se transformou ao longo do tempo e à LDA e à FARA se relacionam atualmente outras normas — como a de falso testemunho (False Statements Accountability Act) e diversas proibições de uso de recursos públicos para a prática do lobby — em um arcabouço que se ampliará sempre que o contexto precisar.
Portanto, não devemos esperar que nossa primeira tentativa de regulamentação seja perfeita, ainda que com exaustivos debates em torno da matéria. Modelos menos complexos do que o americano, como o chileno, podem inspirar um ponto de partida rumo a essa cultura de integridade que se espera nas relações público-privadas. Resta fazer dela uma “lei que pega”, o que é sempre um desafio no Brasil, para ir além de uma regulamentação para atender ao requisito de adesão à OCDE e efetivamente contribuir para um ambiente de segurança jurídica e estabilidade que promova o desenvolvimento e a melhoria da sociedade.
[1] Fonte: Opensecrets.org