Relações governamentais

Lobby pró-virus

Empresários experientes se deixaram levar e fizeram coro à controversa e anticientífica postura do presidente

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Reunião entre o presidente da República Jair Bolsonaro, ministros, empresários e o presidente do STF, Dias Toffoli / Crédito: Marcos Corrêa/PR

Mais uma vez a natureza e as práticas de lobby de parte do empresariado brasileiro são reveladas. Desta vez, no interior da tragédia social que é a Covid-19. O filme expressa uma velha e desgastada reprise. A cena mais marcante foi a marcha de 15 empresários com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes atravessando a Praça dos Três Poderes em direção ao STF. Sem propostas elaboradas de políticas públicas capazes de fazer frente à pandemia, o grupo se queixou dos naturais problemas pelos quais a indústria inevitavelmente passaria, numa situação como a presente. Sim, ela está na UTI. Mas, sua salvação não depende da flexibilização das medidas de distanciamento social. Inadvertidamente ou não, empresários experientes se deixaram levar e fizeram coro à controversa e anticientífica postura do presidente da República.

Infelizmente, foi mais uma expressão do lobby como a busca de um ganha-ganha disfuncional e pernicioso: o empresariado busca os políticos para defender seus interesses e os políticos se valem do empresariado para apoiar suas plataformas e objetivos. Ao largo de tudo isso, o interesse da sociedade.

Há anos, defendemos a necessidade de modernização das práticas de  lobby no Brasil.

Ao nosso ver, é necessário enfatizar propostas que gerem uma relação ganha-ganha-ganha – ganha a empresa e ganha o Estado porque também a sociedade foi favorecida. O que faltou na marcha dos empresários foi incluir ganhos sociais na sua equação.

Desprezando a ciência e as evidências mundiais há ampla polêmica sobre a necessidade e a duração das medidas de isolamento. Sobram discussões infindáveis que tentam ponderar as perdas de atividade econômica geradas com o fechamento de atividades não-essenciais. Porém, com ou sem isolamento, é certo que o Brasil continuará sem oferta adequada de produtos e serviços essenciais, uma vez que a escassez será tanto maior quanto mais flexibilização ocorrer no isolamento, dado o salto esperado no número de contágios e casos graves concentrados em um curto espaço de tempo. A experiência de vários países europeus demonstra isso.

Não precisaria ser assim. Nesse campo, há vastas oportunidades de lobby ganha-ganha-ganha que poderiam ser aproveitadas. Ainda que existam inciativas privadas para produção de itens como respiradores e equipamentos diversos, o país não se desvencilha de irritantes entraves regulatórios para obter as devidas aprovações de forma mais célere.

Vários setores das indústrias representadas na marcha ao STF produzem ou podem produzir itens essenciais e com isso poderiam solicitar medidas de desregulamentação e apoio para remodelagem e adaptação de suas fábricas – além de incentivos e recursos para pesquisa e desenvolvimento de soluções locais. No mais, quando surgirem vacinas e tratamentos, será necessária a produção em larga escala e de forma acelerada e, com isso, a integração de suas indústrias a cadeias globais de produção desses itens críticos.

Do outro lado do balcão, há também ampla descoordenação em nível federal: locais com sobra de infraestrutura hospitalar e outros com flagrante déficit; alguns estados com dificuldades para importar produtos e equipamentos, enquanto outros com parque produtivo com espaço para expansão. É clara a falta de uma estratégia nacional de parcerias público-privadas com hospitais e clínicas, permitindo acomodar doentes de regiões distintas. O lobby ganha-ganha-ganha poderia clamar por um plano nacional de produção e alocação de recursos, com base em dados e sugestões dos setores de indústria e serviços. Enfim, fazer aquilo que a inteligência e o senso de responsabilidade – pública e privada – exigem de governos e empresas modernas.

Inúmeras oportunidades de apoio a atividades produtivas e de grande impacto positivo para lidar com a pandemia eram solenemente perdidas enquanto aquele grupo marchava em direção ao STF, fazendo – consciente ou inconscientemente – um lobby capaz de favorecer apenas o vírus.

Seguir com o tradicional lobby ganha-ganha faz o empresariado carregar em suas costas não somente o ônus de um acelerado gasto público, mas também um desastre de reputação e uma perda humanitária de consequências imponderáveis. É possível fazer mais e melhor. Basta pensar diferente e colocar os interesses da sociedade na equação.

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