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Liderança em tempos de crise

O papel de um líder é determinado pelos seus valores pessoais

Presidente Jair Bolsonaro. Foto: Isac Nóbrega/PR

Essa é a maior crise de nossa história e ao terminar – sim, ela vai terminar – o mundo será outro, a vida será outra. Esse é o entendimento de gente distinta como a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, o escritor israelense Yuval Harari e o sociólogo italiano Domenico de Masi, para citar apenas três. O presidente Bolsonaro não pensa como eles.

Acredito que uma das tantas mudanças que o pós-crise nos reserva é o aumento da consciência social a respeito das lideranças públicas. Penso que aqueles que liderarem o enfrentamento a esta pandemia de maneira positiva, correndo os riscos de impopularidade em nome da preservação de vidas, terão uma avaliação melhor do que os que negaram a sua importância e a sua dimensão.

Toda a grande crise tem líderes vencedores, que escreverão a história, e outros que serão exemplos negativos para a posteridade.

O que se espera de um líder, em um momento de crise? O que é mesmo um líder?

De um modo geral, líderes são pessoas capazes de orientar e influenciar outras pessoas ou grupos, que as reconhecem como tal. Eu prefiro qualificar um pouco mais. Uso um conceito que apreendi no mundo dos negócios, mas que acredito possa ser universalizado. Líder é quem conduz o seu grupo ao resultado esperado, fazendo as coisas do modo certo, sem truques e nem atalhos.

Essa definição foi forjada a partir dos estudos de Jim Collins, professor e pesquisador da Universidade de Stanford. Um dos temas que ele mais valoriza é o papel do líder nas organizações. Para isso, Collins criou categorias de liderança a partir de habilidades como capacidade individual, talento para montar equipe, expertise em administração e aptidão para conduzir seus liderados aos resultados esperados. Ele identificou, por fim, uma qualidade extra que faria esse líder alcançar um nível máximo de excelência. O líder nível mais elevado, segundo Jim Collins, possui todas essas capacidades, e, além disso, tem humildade.

Nesse momento difícil, a nação precisa de um líder que a ajude a caminhar com gravidade, mas sem pânico.

As crises são momentos quando se perde a estabilidade, o chão sai de baixo de nossos pés e as referências se esfumam. Crises não podem ser previstas e todo o preparo diz respeito a como agir em um desses momentos, que sucedem para todos, em todas as partes do mundo e em todos os tempos.

Exatamente nas crises os líderes são mais necessários. É o momento que eles aparecem e crescem para organizar, acalmar, estimular, combater o pânico, elevar a atenção, cada coisa na sua hora.

Em momentos de crise, os líderes surgem de maneira clara, transparente. Sem discussão. Todo acessório fica inútil e o essencial salta aos olhos.

O que se espera de um líder nessa hora?

Primeiro que reconheça a dimensão do problema e com equilíbrio e realismo diga para todos o que está ocorrendo e o que prevê que possa acontecer. Que seja um interlocutor sereno, mas frequente.

Espera-se que ele organize sua equipe e prepare os planos para minimizar perdas humanas, acolher os mais desfavorecidos e encontrar mecanismos econômicos para ajudar a manter a capacidade produtiva do País.

Para fazer isso, é necessário criar empatia com toda a sociedade, ouvir e seguir rigorosamente as orientações dos técnicos, nacionais e internacionais, acalmar os ânimos, focar nas questões importantes, estimular a solidariedade entre as pessoas, reconstruir a credibilidade do setor público, fortalecer os profissionais e cientistas – em especial os do setor de saúde e da economia – dar crédito aos meios de comunicação para que a população seja bem informada.

Acredito que o foco de um líder, nessas condições, deveria ser o de construir parcerias e alianças com adversários políticos, com outros poderes e com todos os países com quem temos e não temos história de colaboração. É hora de aumentar as possibilidades de ter acesso a recursos e informações para ajudar a Nação.

De outro lado, espera-se que o líder seja firme e rigoroso contra os que criam notícias falsas e erradas, contra os que desrespeitam as decisões das autoridades públicas e contra os que se aproveitam da situação de vulnerabilidade das pessoas. Enfim, que crie uma atmosfera de gravidade equilibrada.

O líder tem também uma outra responsabilidade, a de olhar além da conjuntura e ver o que nos espera quando tudo isso passar. Que ativos serão necessários e importantes? Que alianças serão estratégicas? Isso deve estar na sua pauta, nas suas preocupações, todos os dias.

Temos vistos líderes atuarem dessa maneira, nessa crise e muitos deles em países menores e com menos recursos que o Brasil.

Por uma circunstância familiar me encontro em Bogotá, na Colômbia, onde o presidente Iván Duque e a prefeita Claudia López comportam-se como líderes de alto nível. Não são do mesmo grupo político. O presidente Duque é um liberal de direita enquanto a prefeita Claudia é uma socialdemocrata, vinda do movimento ambientalista. Ambos são jovens e estudaram em boas universidades. Os dois tem experiência internacional, junto a organismos multilaterais.

Todos os dias os vemos nos meios de comunicação, orientando e impondo limites. Não transformam divergências em disputas políticas, se somam. Deixam claro as discordâncias, mas buscam coordenação. Também estimularam que as pessoas – em quarentena obrigatória na capital – fossem as janelas e sacadas para se manifestar, aplaudindo os profissionais de saúde que lutam pela vida de todos.

Foi com eles que ouvi uma frase de grande humildade. Não seremos nós a dar a boa notícia de um remédio que cure ou de uma vacina ao Covid-19, serão os cientistas, os médicos, os profissionais da área de saúde.

O que acontece com o Brasil, onde não temos um líder nacional e o ocupante do Palácio do Planalto diminui a cada minuto a nossos olhos? Por quê será que o presidente não se coloca como um líder para enfrentar a pandemia do Corona vírus, cujo número de infectados e mortos começa a crescer?

O conceituado professor Paul Ingram, da Universidade Columbia talvez tenha uma pista. Ele estuda liderança e em 2017 publicou um artigo (em coautoria) mostrando que o papel de um líder é determinado pelos seus valores pessoais.

Provavelmente são os valores do senhor Jair Bolsonaro que o fazem agir assim. Somente podemos acreditar que sua falta de empatia com todos que não sejam seus seguidores mais próximos, possa explicar sua negação do problema e da real dimensão da crise. Somente caraterísticas muito próprias de seus valores possam explicar sua acusação de “histeria” e “neurose” para os que estão buscando encontrar caminhos para enfrentar a pandemia. Somente seus valores ou a falta deles possa justificar suas inúmeras desautorizações ao Ministro da Saúde, o Deputado Luiz Henrique Mandetta, esse com atuação de líder.

Enquanto escrevo esse artigo ouço o presidente Duque na TV: “O momento não é de polarização, aqui não há espaço para protagonismos e disputas menores. O momento é de esforço, o momento de trabalharmos juntos com toda a sociedade. O momento é de atender os mais vulneráveis, apoiar os nossos profissionais de saúde e salvar vidas”. Ao seu lado, a prefeita Cláudia concordava.

Tenho a impressão que os líderes que terão o reconhecimento global nos pós crise serão dirigentes que agem como Macron, Merkel, Iván Duque e Claudia López. Algo me diz que o populismo mostrou seus limites.

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