Pandemia

Domenico de Masi: ‘vocês, brasileiros, podem ser um modelo para o mundo’

Sociólogo italiano concede entrevista exclusiva ao JOTA

Domenico de Masi durante entrevista concedida ao JOTA / Crédito: Reprodução

“Não voltaremos a normalidade, porque a normalidade era o problema”

(pichação sobre um muro em Madri)

No sábado dia 2 de maio, o sociólogo Domenico de Masi conversou com o JOTA sobre a conjuntura da pandemia, a organização social, a globalização, a democracia, a cultura, a velhice, as lições trazidas pelo vírus e sobre o mundo do trabalho, sua área de pesquisa há muitos anos.

Domenico é um napolitano espirituoso de 82 anos, que vive e em Roma. Mimmo, como é chamado, é apaixonado pela cidade e confessa, com uma envergonhada alegria, que uma das possibilidades trazida pelo vírus foi permitir a ele passear absolutamente sozinho por uma Roma vazia. Nunca antes e acredita ele nunca mais alguém poderá disfrutar das belezas da cidade museu em total solidão.

Ele se confessa um homem otimista, pois ao contrário da guerra que mata pessoas e destrói tudo, o vírus provocou uma tragédia humana, com um número enorme de mortos, mas preservou as coisas e trouxe lições que podem transformar o mundo para melhor. Para fazer um mundo melhor basta ter vontade.

Ele entende que esse período que estamos vivendo, de distanciamento social, pode ser comparado a uma grande conferência planetária, regida por um catedrático muito severo – o vírus, ou o morcego que o hospedava – que pode punir quem o desobedece com a morte. Todos em casa, refletindo sobre a vida que temos levado e as perspectivas que ela nos propõe.

A primeira reflexão é sobre o modelo de desenvolvimento humano, estabelecido a partir da escolha do liberalismo, renovado é verdade, como pensamento hegemônico, quase único, frente a uma visão socialista que não se renovou. Essa forma de ver o mundo assumiu que não há limites para o desenvolvimento e que os recursos são infinitos. O paradoxo entre um mundo com limites e um pensamento que afirma que o desenvolvimento é infinito provoca contradições enormes, vitimando as parcelas mais vulneráveis da sociedade.

Domenico explora outra contradição, que acaba tendo relação com a primeira. O populismo, que é outro modo de falar das soberanias nacionalistas, insiste que há uma crise na globalização e defende muros físicos e virtuais contra os que colocam em risco os limites nacionais. Acontece que não contaram para o vírus. A realidade é que a pandemia provou que já estamos globalizados e isso é definitivo. O planeta é um único espaço povoado onde se vai de uma parte a outra em horas. Juntamente com os seres humanos, as suas ameaças e também as oportunidades estão globalizadas. O capital e os vírus não respeitam fronteiras e nem barreiras. Ocorre que quando os vilarejos começaram a se conectar, criando identidades nacionais, ocorreu as pessoas criarem formas de governança dessas sociedades. O mesmo se deu quando os países vizinhos criaram sistemas de governança continental, para evitar guerras e estimular a solidariedade. Falta agora, segundo Domenico de Masi, uma cabine de comando global para tratar dos temas que não respeitam fronteiras, como a saúde, a economia, a solidariedade e as formas democrática de conquistar o bem-estar social.

Para que haja espaço para uma governança global é preciso compreender e respeitar diferenças culturais que podem explicar, mesmo dentro de um mesmo país – e Domenico mostra o que ocorre na Itália – que uma região tenha respeito pelos mais velhos, enquanto outra, no caso o norte, tenha devoção ao trabalho. Esse ardor ao trabalho pode explicar por que muito mais gente – e dentre eles idosos – morreram pelo Covid-19 no norte italiano e muito poucos no sul da península.

Mimmo elabora sobre as tendências que devem prevalecer após o fim da pandemia e comemora a vitória do tele trabalho. Em 1993 Domenico de Mais escreveu um livro, não traduzido ao português, sobre seus dez anos de pesquisas sociológicas sobre o trabalho à distância como resposta ao deslocamento dos trabalhadores entre suas residências e suas oficinas de trabalho. Segundo ele, uma briga de 40 anos conseguiu no máximo levar algumas centenas de milhares de pessoas a adotar a proposta. Em 4 semanas o vírus colocou 300 milhões de pessoas em tele trabalho, desde suas casas.

O trabalho à distância poderia afetar muito a chamada “revolução prateada”, ou seja, a contratação de pessoas mais velhas para exercer funções específicas no mercado de trabalho? Mimmo não vê esse risco e debate o conceito de velhice, criticando as formas lineares de tratar o assunto. Acredita que as pessoas somente são semelhantes no nascimento, mas logo depois a identidade de cada uma e o ambiente onde vive explicam diferenças que precisam ser consideradas e irão determinar as características da velhice.

Domenico é um amante do Brasil e, no recente livro “O Futuro Chegou”, defende que a cultura brasileira é a melhor para o desenvolvimento da humanidade, dentre tantas outras que ele apresenta e compara. Para os brasileiros – cuja decisão de escolher Bolsonaro como presidente ele se espanta e não consegue explicar – ele tem uma recomendação:

“… a melhor coisa que um brasileiro pode fazer é ser totalmente brasileiro. Ser totalmente brasileiro significa ser solidário, ser alegre, ser sensual, em resumo, ser otimista em relação à existência. Apreciar e valorizar, acima de tudo, a diversidade de raças, diversidade cultural, diversidade de gêneros, que são as suas grandezas. Esses são os aspectos que eu mais aprecio, acima de tudo, e pelos quais digo que vocês podem ser um modelo para o mundo. Se um brasileiro continuar brasileiro, até o vírus irá embora”.

Foi uma conversa interessantíssima: