O ministro indicado da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu apresentar uma nova estimativa de receitas em janeiro, que deve mostrar um cenário de déficit primário menos dramático do que os R$ 231,5 bilhões estimados no relatório final do projeto de lei orçamentária, que já incorpora os efeitos principais da PEC da Transição. Mas avaliações preliminares feitas no âmbito da transição de governo apontam que a subestimação apontada por Haddad seria de pelo menos 1% do PIB, algo em torno de R$ 100 bilhões.
Se esse valor for correto, representa mais da metade dos R$ 168 bilhões de despesas extras que a PEC aprovada no Senado e em exame na Câmara traz sem fontes claras de financiamento. E, a ser verdadeiro esse cenário, o déficit primário para 2023 estaria mais próximo de 1% do PIB do que dos 2,2% apontados pelo senador Marcelo Castro na PLOA.
É razoável a possibilidade de que a arrecadação de fato esteja subestimada. Assim como a proposta enviada em agosto apontava um cenário irrealista de queda da despesa de 18,9% para 17,6% do PIB, também não soa muito crível um prognóstico de queda de receita de quase 2 pontos porcentuais do PIB – de 22,9% para 21,2% do PIB.
Apesar disso, Haddad, ao destacar a subestimativa de receitas e não indicar quando pretende voltar a ter saldos positivos nas contas públicas, perdeu uma oportunidade de sinalizar melhor como pretende produzir um cenário fiscal mais robusto para o país. Pode até ser compreensível uma maior cautela, dado que ainda não tem nem seu time completo – por exemplo, o secretário do Tesouro ainda não foi indicado – e ainda está tomando pé da situação, mas o futuro ministro acabou deixando muito aberta a situação.
Dessa forma, os mercados todos seguem pressionados, especialmente o de juros, com o qual ele terá que lidar diretamente a partir de 1 de janeiro. Desde que Lula ganhou a eleição e que Haddad foi se consolidando como o nome para comandar a economia, a curva de juros já subiu mais de 1 ponto porcentual.
Esse movimento reflete investidores de um lado querendo se desfazer de títulos públicos e, de outro, a falta de interessados, especialmente naqueles que atuam no longo prazo, em comprar papéis do governo. Nesse contexto, o Tesouro Nacional tirou o pé das emissões de títulos. A sorte é que esse fim de ano o volume de vencimentos é baixo, o que deve evitar estragos grandes no caixa. O movimento do mercado piorou com as notícias sobre mudanças nas leis das estatais.
Haddad provavelmente não é o bicho de sete cabeças enxergado pelo mercado. Há grandes chances de surpreender mais para o lado conservador, especialmente se o Congresso completar o serviço de entregar a PEC da transição nos termos do Senado ou algo similar, o que evitaria necessidade de novas medidas mais fortes para aumento de gastos.
O “mais tucano dos petistas” já tem falado frases que buscam ser mais amigáveis ao mercado e levanta temas importantes, como a revisão de gastos. O problema é que ele parece ter pouca pressa em dar um horizonte mais concreto para os agentes econômicos sobre seus rumos e para onde enxerga estarem indo as variáveis fiscais.
Não se trata de ceder às pressões do mercado – que em grande parte parece ter apostado indevidamente em estelionato eleitoral. Mas, sim, de apontar mais claramente um norte para além da mera reestimativa de receitas e de uma promessa de um arcabouço fiscal antes do prazo previsto na PEC (agosto).
A demora para fazer isso pode jogar contra ele e o país, dado que juros mais altos e queda nos demais ativos financeiros, especialmente na taxa de câmbio, pressionam para baixo o nível de atividade, o emprego e ainda causam risco de piora na inflação. Por enquanto, resta aguardar os próximos movimentos do novo ministro.