Circula no governo e entre parlamentares favoráveis ao PLP 18/2022, que reduz a cobrança de ICMS sobre combustíveis e energia, documento mostrando que as possíveis perdas de arrecadação dos estados com essa alteração não devem mudar a posição de caixa desses entes. A leitura é que, a seguir no ritmo de crescimento dos primeiros quatro meses do ano, o caixa dos estados subiria R$ 116 bilhões em 2022, enquanto as perdas com a decisão de tratar combustíveis e energia como bens essenciais seriam de R$ 73 bilhões em 12 meses.
Esse é um dos argumentos ouvidos nas discussões entre governo e Congresso para contrapor a ideia de que a União deveria compensar as perdas de receita dos estados com a proposta, que agora está sendo examinada pelos senadores. No texto aprovado pela Câmara, os deputados colocaram uma regra de compensação que é vista pelos estados como inútil, por ser aplicável somente no caso de a queda total do ICMS ser superior a 5%. Por isso, os governadores querem colocar um gatilho com base apenas na queda da arrecadação com os produtos que serão desonerados com o PLP, o que de fato implicaria em gastos para o governo federal.
Além dessa questão do caixa, o outro argumento levantado nesse documento é o próprio comportamento da arrecadação dos entes. Só nos 4 primeiros meses de 2022, conforme dados do Confaz, a arrecadação de ICMS cresceu 12,2% frente ao mesmo período do ano anterior, enquanto a receita sobre combustíveis e lubrificantes cresceu 36,5%. Ao extrapolar esse cenário para todo o ano, o ganho de arrecadação total para 2022 seria da ordem de R$ 80 bilhões.
Os dados dão força para o governo e o Congresso nessa queda de braço com os estados. Embora os governadores sempre exagerem no drama, há de fato que se ter alguma cautela. A história recente do Brasil mostra que posições fiscais melhores dos governos regionais podem em pouco tempo serem revertidas. Extrapolar ritmo de crescimento das receitas nos últimos meses para todo o ano – e para os períodos seguintes – é apostar demais que o cenário de preços de commodities, por exemplo, seguirá sendo de alta, mesmo com o aperto monetário sendo intensificado nas economias centrais.
Além disso, o que se espera é que a inflação, que tem ajudado todas as esferas de governo a arrecadar mais, comece a arrefecer a partir de agora. Ou seja, a arrecadação pode perder fôlego.
É razoável se discutir que os estados, em sua posição também fortalecida por transferências da União, deem uma contribuição maior para tentar conter a escalada de preços dos combustíveis e da energia. Por outro lado, desonerar é algo que precisa ser olhado não só pelo zelo com as contas públicas, mas também pela lição dada em março, quando o governo federal zerou o PIS/Cofins sobre o diesel e na prática rasgou uma montanha de dinheiro (cerca de R$ 20 bilhões estimados em 12 meses), sem que um centavo fosse reduzido nas bombas.
O núcleo político do governo e da cúpula do Congresso, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão desesperados com os dados de pesquisas eleitorais mais recentes e estão perdendo o freio para lidar responsavelmente com o problema. Ideias escandalosamente ruins, como os projetos sustando a correção da energia em alguns estados pela Aneel (quebra de contrato explícita) e a forma como o PLP 18 foi aprovado na Câmara evidenciam isso. Nesse último, ficou claro que não houve uma costura política que equilibrasse as necessidades de curto prazo do país e a prudência com o equilíbrio fiscal e capacidade de prestação de serviços de médio e longo prazo dos entes federativos. Foi puro atropelo.
Por que não, por exemplo, fazer uma transição, com uma queda gradual nas alíquotas desses bens até que em dois anos (2024) se chegue no nível de essencialidade que já havia sido determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para energia e telecomunicações? Enquanto isso, os estados poderiam agilizar e confirmar o recuo que vem sendo sinalizado nos últimos dias e trabalhar, pelo menos até o fim deste ano, com a regra de transição da LC 192, reduzindo efetivamente o ICMS em R$ 0,30 sobre o diesel.
Além da questão do ICMS, que de fato tem grande peso nos preços finais, governo e Congresso discutem outras medidas para os combustíveis. No relato de uma fonte graduada, os debates giram em círculos e são da mesma natureza que já ocorriam em março. A questão central, porém, é como escapar da restrição fiscal imposta principalmente pelo teto de gastos.
A turma do centrão pode até espernear contra o ministro Paulo Guedes, mas a realidade é que essa regra está na Constituição e a função de zelar por ela é do Ministério da Economia. Além disso, o país tem lei eleitoral, que pode ser aplicada inclusive para a Petrobras, entre outras, como a Lei das Estatais e a Lei das SA, para conter os ímpetos contra a empresa.
Além do mais, independentemente de leis e normas, a restrição fiscal é dada pela percepção dos agentes sobre a sustentabilidade das decisões ao longo do tempo. Dessa forma, não basta equacionar por meio de PECs, mudanças de leis e/ou do estatuto da empresa os problemas legais que dificultam a adoção das medidas. É preciso que elas sejam vistas como razoáveis e críveis por quem empresta ao país. Caso contrário, a punição dos mercados tornará qualquer iniciativa inócua.
Como já dissemos em outras ocasiões aqui neste espaço, é totalmente razoável, e de fato necessário, que sejam tomadas medidas para mitigar a escalada inflacionária, especialmente dos combustíveis. Isso está ocorrendo em muitos lugares no mundo.
Pensar em subsídios, como o próprio presidente do BC (que, aliás, precisa ser mais cobrado por deixar a inflação escapar tanto) admitiu nesta quarta-feira (1º), pode fazer sentido como alternativa. Mas o tamanho e a maneira como serão feitas importam muito.
A classe política precisa entender que agir apenas pensando na eleição de outubro tem grandes chances de dar errado e se tornar mais um tiro pela culatra. Isso ficou bem demonstrado com a PEC dos Precatórios – vale lembrar que Ciro Nogueira e companhia diziam que era essa PEC que salvaria o governo do naufrágio e, no final das contas, ela até deu mais dinheiro aos políticos, mas custou muito caro ao país em termos de alta nas taxas de juros e do dólar.
As decisões que certamente virão a ser tomadas necessitam ser bem-feitas e eficazes, para que “o meu, o seu, o nosso” dinheiro não sirva somente para deputados, senadores e demais políticos jogarem para a plateia tentando amealhar votos.