O Brasil acompanhou emocionado o modo como Roberto Jefferson recebeu a Polícia Federal em sua casa em Levy Gasparian (RJ) no último domingo, 23 de outubro. As emoções foram diversas, oscilando entre sentimento de injustiça e revolta.
Natureza da prisão preventiva de 23 de outubro de 2022
Muito se disse que a prisão decorria de Jefferson ter xingado a ministra Cármen Lúcia e, assim, seria um abuso judicial vitimando sua liberdade de expressão. Primeiro, aos fatos: ele havia sido preso preventivamente em 13 de agosto de 2021, no âmbito das investigações de milícias digitais, mediante representação da Polícia Federal. Foi, posteriormente, denunciado pela Procuradoria-Geral da República que, todavia, não foi favorável à representação pela prisão.
Em janeiro de 2022, o STF concedeu prisão domiciliar a Jefferson, mediante algumas condições, entre elas não usar redes sociais e não receber visitas. Diante da notícia de que as restrições não haviam sido cumpridas e, pior, as redes usadas para ofender a ministra, Moraes reverteu a domiciliar em preventiva, conforme expressa previsão do art. 312, § 1o, do Código de Processo Penal. Não foi, portanto, preso por xingar ninguém, mas por descumprir as cautelares impostas.
Natureza da prisão preventiva de 13 de agosto de 2021
Há quem insista, porém, que a primeira prisão foi abusiva, diante da ilegitimidade desses inquéritos sui generis no STF e por se tratar de direito de expressão do ex-parlamentar. O tema é velho e já foi muito discutido. Vou me centrar, então, em admitir, argumentativamente, a hipótese de a primeira ter sido efetivamente abusiva. A recepção de Jefferson à PF torna essa discussão totalmente irrelevante.
A recepção da Polícia Federal por Roberto Jefferson
Jefferson recebe a Polícia Federal a tiros de fuzil e empregando granadas.
Essa circunstância joga por terra qualquer discussão anterior sobre sua prisão preventiva, já que a Polícia Federal não só poderia ter reagido em legítima defesa, como poderia e deveria tê-lo prendido em flagrante delito.
Disparar tiros de fuzil e arremessar granadas contra policiais federais, ainda que sem a superveniência, afortunadamente, de resultado lesivo grave concreto, ou bem é tentativa de homicídio qualificado, ou bem de lesão corporal gravíssima qualificada, ambas crimes hediondos (art. 121, § 1o, VII, ou, 129, § 2o, combinados, com o art. 14, todos do CP, e com o art. 1o, I, e Io-A, respectivamente, da Lei dos Crimes Hediondos).
Além disso, granadas são artefatos bélicos, havendo quem a considere arma de uso restrito, e outros, de uso proibido, o que não altera o tratamento típico à luz do art. 16 do Estatuto do Desarmamento. Há, ainda, a notícia de que Jefferson possuía muitas outras armas de fogo e munições, excedendo a permissão conferida pelo Exército, já que deferida para Brasília, sem nunca ter havido autorização para o transporte para outra localidade. Para piorar, por responder a ação penal, teria tido o porte suspenso.
A incrível soma de delitos graves, repita-se, era motivo mais do que suficiente para uma prisão em flagrante.
Poderia Jefferson ter resistido à prisão injusta?
Ignoremos, por amor à argumentação, todo o tópico da recepção à Polícia Federal, e retomemos a premissa daqueles que acreditam que ele poderia, sim, ter resistido, já que a prisão seria ilegal.
Tentando conferir alguma credibilidade a tal ordem de indagação, então é preciso enfrentar a seguinte questão: quem define se a prisão é justa ou não? Claramente a Constituição Federal conferiu esse poder – ainda que haja muitos erros – ao Judiciário, ao mesmo tempo que previu diversas garantias penais e processuais penais, sendo a mais relevante aqui o habeas corpus, sem formalidades, requisitos ou custas, que pode ser escrito em papel de pão, pelo próprio preso.
Admitir que Jefferson teria o poder de decidir sobre a justiça da decisão impõe que o defensor dessa ideia confira esse poder a outras pessoas. Ou seria apenas dele?
O comerciante de drogas, periférico e excluído, também sente que sua prisão é injusta. Aliás, arriscaria dizer que todos os réus não confessos e quase todos os confessos também entendem injusta se não a prisão, a sua extensão ou severidade.
Mas não é preciso ir tão longe. Proponho dois testes de integridade à tese do direito de resistir a balas e granadas.
Há lei proibindo reintegração de posse durante a pandemia. Caso houvesse ordem de reintegração, e sendo evidente a ilegalidade diante de lei expressa, seria aceitável que os oficiais de justiça e policiais fossem recebidos a tiros de fuzil e granadas?
Ou, uma variação: aceitariam que Lula, no sindicato dos metalúrgicos do ABC, diante o que ele, naquele momento, considerava uma ordem de prisão ilegal, posteriormente assim decidida pelo mesmo STF que mandou prender Jefferson, poderia ter recebido as autoridades à bala?
Exceto que se responda positivamente às três perguntas, então não se está a defender o direito de resistir a uma prisão ilegal, mas apenas o direito de um certo indivíduo, ou seus iguais ideológicos, a resistirem violentamente. Impossível, portanto, de se sustentar juridicamente. E quem respondeu positivamente às três, tem de se perguntar se a objeção, então, não é ao próprio Estado de Direito e considerar a vida alhures. O Afeganistão seria, tristemente, uma opção adequada.