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Tributação das entidades sem fins lucrativos em tempos de pandemia

Análise de decisão da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF)

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Sede do Carf / Crédito: JOTA Imagens

A pandemia demonstrou que a atuação estatal é essencial e indispensável. E, com isso, a pandemia também demonstrou e continua a demonstrar, que são necessários recursos públicos. O tema das receitas estatais, do aumento da carga tributária e da necessidade de uma reforma do sistema fiscal brasileiro permanecem como um dos debates mais necessários do país.

No entanto, a pandemia e suas consequências também mostraram a força da filantropia, a importância das doações e o peso da sociedade civil na atenuação da crise social, sanitária e econômica que o país enfrenta. Bilhões de reais foram doados para finalidades diversas, todas com o mesmo objetivo: reduzir o impacto da pandemia na vida dos mais necessitados.

É de todos conhecido o caso de doações bilionárias de instituições financeiras para hospitais e outras instituições que lutavam em meio ao drama sanitário imposto pelo elevado número de internações hospitalares. Da mesma forma, é de todos conhecido o caso das doações in natura de máscaras, álcool em gel, equipamentos de proteção individual e tantos outros instrumentos indispensáveis no combate ao coronavírus. Por fim, também ficou estampado na capa dos maiores jornais e telejornais a atuação essencial de entidades beneficentes e sem fins lucrativos, de caráter religioso ou não, em especial no atendimento à população mais carente e necessitada.

Em virtude disso, far-se-á uma breve análise de decisão do Carf que envolve a tributação de entidades sem fins lucrativos, em especial, de receitas que são oriundas da venda de patrocínio ou espaço publicitário, mas integralmente investidas na atividade própria da entidade beneficente.

A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) analisou o caso de uma entidade beneficente que obteve receita por meio da “prestação de serviços de veiculação de patrocínios e anúncios em canal de televisão e/ou revista pertencentes à entidade”. Com esse entendimento, a CSRF não reconheceu a isenção de Cofins para a entidade beneficente prevista no artigo 14 da Medida Provisória 2.158-35/01.

Para fins de clareza, vejam-se os dispositivos legais que regulam a questão. A referida MP estabeleceu uma alíquota de 1% para algumas entidades, nos seguintes termos:

Art. 13.  A contribuição para o PIS/PASEP será determinada com base na folha de salários, à alíquota de um por cento, pelas seguintes entidades:

 I – templos de qualquer culto;
II – partidos políticos;
III – instituições de educação e de assistência social a que se refere o art. 12 da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997;
IV – instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e as associações, a que se refere o art. 15 da Lei no 9.532, de 1997;
V – sindicatos, federações e confederações;
VI – serviços sociais autônomos, criados ou autorizados por lei;
VII – conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas;
VIII – fundações de direito privado e fundações públicas instituídas ou mantidas pelo Poder Público;
IX – condomínios de proprietários de imóveis residenciais ou comerciais; e
X – a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB e as Organizações Estaduais de Cooperativas previstas no art. 105 e seu § 1o da Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1971.

Em seu artigo 14, no entanto, a Medida Provisória estabeleceu a isenção da contribuição para determinadas espécies de receitas e para algumas classes de contribuintes, entre estes as entidades previstas no artigo 13.

Veja-se:

Art. 14.  Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de  de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:

(…)

X – relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o art. 13.

Pois bem. Como bem notou a relatora, conselheira Tatiana Migiyama, a entidade reinvestia a integralidade de suas receitas, incluídas as oriundas de publicidade e patrocínio, na prestação dos serviços previstos em suas finalidades estatutárias. A conselheira assim consignou em seu voto:

Constata-se que tais entidades não podem desviar suas rendas para distribuir aos seus associados e ser um participante do mercado – com o intuito de concorrer com outras sociedades, pois não interfere na concorrência do mercado ao prestar serviços e aplicar as rendas dessa contraprestação em sua atividade própria.

Para a entidade, deve-se lhe impor o dever de aplicar os rendimentos na manutenção dos seus objetivos institucionais.

(…)

Frise-se que a realização de atividade remunerada voltada para a manutenção das finalidades estatutárias da entidade beneficente de assistência social não se confunde com a hipótese de incidência definida para o fato imponível da Cofins.

Ainda, em seu profundo voto, a conselheira chama a atenção para a necessidade de interpretação teleológica da referida isenção, com vistas à concretização dos objetivos que ensejaram a edição da Medida Provisória, nos seguintes termos:

Reflete-se a interpretação teleológica das normas, de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade, como garantia ou estimulo à concretização dos valores sociais que inspiram limitações ao poder de tributar.

O que me resta entender que o termo “relativas” do enunciado em questão atém-se à destinação das rendas da entidade, e não à natureza destas – independentemente da natureza da renda, sendo esta destinada ao atendimento da finalidade essencial da entidade.

(…)

Assim, desinteressa discutir a denominação ou a classificação contábil das receitas, mas sim considerar que todos os recursos recebidos propiciariam ao custeio das suas atividades essenciais.

A decisão, portanto, tomo como elemento central de análise a efetiva realização das finalidades estatutárias da entidade e relativiza a natureza da receita. Com efeito, o fundamento é bastante sólido: se a entidade reinveste toda a sua receita em sua atividade própria, pouco importa a maneira pela qual a receita foi obtida.

Nada obstante os argumentos, a conselheira relatora restou vencida no julgamento, tendo prevalecido o entendimento de que as receitas advindas da veiculação de publicidade não podem ser consideradas como decorrentes da atividade própria da entidade.

Chama-se a atenção desta decisão por uma razão tão atual quanto singela: o Brasil passa por uma crise sem precedentes, com um futuro incerto e chances de agravamento dos problemas econômicos e sociais no país. Os cidadãos, em especial as classes mais carentes, precisarão tanto da atuação dos entes estatais – federal, estadual e municipal – quanto das instituições sem fins lucrativos que atuam na mitigação dos efeitos da crise.

A sociedade civil organizada, em especial, as referidas entidades terão papel absolutamente indispensável na luta contra as muitas crises que a pandemia causou e ainda causará. Restringir a atuação de entidades sem fins lucrativos e de benemerentes por meio de uma interpretação restritiva do conceito de “atividades próprias” tende a causar danos justamente aos mais necessitados, que são, por razões óbvias, o público que tais entidades mais auxiliam.


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