COLUNA CARF

Crédito de PIS/COFINS sobre as taxas das administradoras de cartões de crédito

Existe possibilidade de revisão?

Carf julga armazenagem de produtos acabados
Foto: André Corrêa/Agência Senado

Dentro da sistemática do PIS e da COFINS não-cumulativos, um dos temas que mais atormentam os contribuintes, principalmente os varejistas, é o tratamento das taxas retidas pelas administradoras de cartões de crédito. Enquanto alguns contribuintes seguiram acabaram optando pela exclusão desta de suas bases de cálculo, outros optaram pelo creditamento como um serviço necessário para a consecução de suas receitas. O assunto povoa alguns casos julgados pela terceira seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e pela Câmara Superior, recebendo também influências externas de julgamentos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), que podem impactar seus desfechos. Vejamos.

No último mês de setembro, por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que “é constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e débito”. Isso significa dizer que compõem o valor da venda, ainda que retidos pelas administradoras quando da conclusão da transação, deveriam compor a receita bruta para determinação das bases de cálculo. A decisão foi proferida no Recurso Extraordinário RE n. 1.049.811 e a maioria de votos foi formada a partir da divergência aberta pelo Ministro Alexandre de Moraes.
Vencida a questão da constitucionalidade, ainda resta a análise da legalidade do creditamento das taxas pagas às administradoras no Poder Judiciário. O assunto será enfrentado pelo STJ no Recurso Especial REsp n. 1.642.014, de relatoria do Ministro Og. Fernandes, onde determinado contribuinte do setor de varejo tenta comprovar a vinculação com o conceito de insumo, já decidido pelo Tribunal Superior, das taxas pagas às administradoras de cartões de crédito.

No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o tema é bastante polêmico e traz contornos interessantes. Em nossa pesquisa, entre março de 2017 e março de 2021, identificamos 06 acórdãos que enfrentaram o tema e permitem uma análise do posicionamento atual do órgão julgador administrativo:

Acórdão 3301-002.978 – 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária (Sessão de 19 de maio de 2016)

Aqui, o contribuinte era uma rede de supermercados e que buscava uma série de creditamentos de gastos que, em seu entender, poderiam ser considerados insumos. O relatório da decisão recorrida explica que foram glosadas diversas despesas que resultaram em “apuração de crédito sem amparo legal, considerada a atividade de comércio no varejo e, secundariamente, no atacado.” Mais adiante, o relatório afirma que a razão da glosa fundamentada em ausência de legislação que autorizasse o crédito, pela interpretação restritiva da legislação de regência – ainda o bem ou serviço que fosse “consumido” na produção de bens ou na prestação de serviços.

O voto vencido, proferido pela Conselheira Maria Eduarda Alencar Câmara Simões, observou que a jurisprudência do CARF até àquele momento pressupunha o critério da essencialidade na chamada “teoria intermediária”, segundo a qual, dentro de uma relação entre o insumo e o bem ou serviço produzido, se afastado tal gasto a produção deste bem ou serviço teria sido possível. No que compete a taxa paga à administradora de cartões de crédito, dentro da atividade de comércio, defendeu que o conceito precisa ser expandido e não restrito à atividade industrial, ficando esta, em teoria, privilegiada, e diante disso afastada a sua glosa.

O voto vencedor, redigido pelo Conselheiro Marcelo Costa Marques d´Oliveira, também entendeu pela glosa das taxas de administração de cartões de crédito pela absoluta ausência de previsão legal.

O resultado do julgamento, especificamente quanto a este crédito, foi de 5×3.

Acórdão 3301-005.689 – 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária

O contribuinte irresignado com a autuação, neste caso, foi uma grande rede varejista do ramo de informática e eletrodomésticos. A ementa do acórdão destacou que “a utilização de cartões de crédito e débito não se constitui insumo essencial para a atividade da empresa” e que “a sua ausência não paralisaria ou tornaria inviável” a sua atividade econômica, também dentro do critério da essencialidade.

É interessante observar, neste caso, que o voto condutor do acórdão não apenas trilhou a linha da conexão com a venda, mas também se valeu da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, notadamente do TRF da 1ª e da 4ª Região (TRF4, AC 500794592.2015.4.04.7205 e TRF 1, AC 006116497.2011.4.01.3400/DF), que entendiam pela ausência de condição ou pressuposto para o creditamento das taxas pagas às administradoras de cartão de crédito.

Acórdão 3302-008.120 – 3ª. Câmara / 2ª, Turma Ordinária

Este acórdão teve bastante relevância, porém por outro motivo – a permissão para desconto de créditos com gastos com publicidade, porém vinculados às empresas varejistas que auferem receitas de publicidade e a possuem em seu objeto social (a chamada “Verba de Propaganda Cooperada” – VPC).

Entretanto, o ponto objeto de análise – as taxas pagas às administradoras de cartão de crédito, também foi desconsiderado pela alegação de ausência de previsão legal. Aqui, a fiscalização efetuou a glosa diretamente por desconsiderá-la como insumo e, em seguida, pela ausência de previsão legal.

O voto condutor do acórdão valeu-se da mesma fundamentação da decisão recorrida e, citando o Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 36/2011, afasta a possibilidade de creditamento pela ausência de previsão legal. Além disso, também citou o REsp 1.395.442, publicado em 13/03/2015, anterior ao REsp 1.221.170 (Caso “Anhambi Alimentos” e que firmou o posicionamento quanto ao conceito de insumos) que especificamente afastou a possibilidade de crédito com as taxas pagas às administradoras de cartão de crédito pelo fato que “constituem despesa operacional decorrente de benesse disponibilizada para facilitar a atividade de empresas com o seu público alvo” e que a ideia de insumos “ainda que na sua acepção mais ampla, está relacionada com os elementos essenciais à realização da atividade fim da empresa”. Por tal razão, foi afastada a possibilidade de crédito.

Acórdão 3301-007.009 – 3ª. Câmara / 1ª. Turma Ordinária

Este caso refere-se ao mesmo contribuinte indicado no Acórdão “i”, acima, onde também ficou decidido que as taxas de administração não dão direto a crédito. Além disso, ficou consignado no acórdão que “para atividades comerciais não há insumos, não sendo possível apuração de créditos sobre despesas a partir de critérios de essencialidade ou relevância para a atividade econômica” e que tais dispêndios não são utilizados na prestação de serviço ou na produção ou fabricação de bens destinados à venda. A decisão foi por unanimidade de votos, tendo sido proferida em sessão no dia 23 de outubro de 2019.

Acórdão 3402-006.726 – 4ª. Câmara / 2ª. Turma Ordinária

O contribuinte envolvido neste caso também atua no setor comercial. O acórdão, valendo-se do precedente no já citado REsp 1.221.170, trouxe a tese de que “empresas dedicadas à atividade comercial não podem tomar créditos do regime não cumulativo sobre gastos com (…) iv) taxas pagas às administradoras de cartão de crédito”.

Vale mencionar que o voto vencido, redigido pelo conselheiro Pedro Sousa Bispo, afirma que a questão do conceito de insumo, da maneira em que resolvida pelo STJ no Acórdão supramencionado, amoldou-se ao conceito que já vinha sendo empregado “pelas turmas do CARF”. Esta afirmação deve ser observada com cautela pois, em nossa opinião, o conceito adotado pelo CARF, até aquele momento, era mais rígido. Também mencionou a Nota SEI n. 63/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF que, ao dispensar a apresentação de recursos e contestação sobre o tema e vinculando a Receita Federal, reforçaria a interpretação adotada.

Ilustramos com a transcrição do seguinte trecho, bastante representativo: “Percebe-se que a Recorrente requer que o conceito de insumo seja aplicado também ao seu ramo de atividade (comércio varejista)” e “na comercialização de mercadorias que não foram produzidas ou fabricadas pelo contribuinte, somente há o direito ao creditamento sobre os bens adquiridos para revenda”.

O voto-vencedor, de autoria da Conselheira Maysa de Sá Pittondo Deligne, divergiu com relação a outro item da glosa de créditos e não adentrou a questão das taxas pagas às administradoras de cartões de crédito.

Acórdão 9303-004.608 – 3ª. Turma (26 de janeiro de 2017)

A decisão da Câmara Superior, proferida em 26 de janeiro de 2017, também considerou as taxas pagas às administradoras de cartões de crédito como excluídas do conceito de insumo para atividades comerciais.

Acórdão 9303-006.689 – 3ª. Turma (12 de abril de 2018)

O acórdão da Câmara Superior acabou sendo conhecido por conta da antiga interpretação adotada pelo CARF de maneira “ampliada”, que enxergava o conceito de insumo de maneira similar ao conceito de despesa necessária para fins de dedutibilidade do IRPJ e da CSLL. Porém, o voto condutor do acórdão acabou seguindo a linha da restrição do conceito de insumos para a atividade comercial.

Pela leitura das decisões acima mencionadas, observa-se que a Terceira Seção do Carf vem aplicando, de maneira bastante restritiva, o conceito de insumos nas atividades meramente comerciais.

Existem decisões anteriores e posteriores ao acórdão paradigma para a determinação do conceito de insumos, o REsp 1.221.170/PR (Caso Anhambi Alimentos), demonstrando que a leitura de tal jurisprudência pelos julgadores não trouxe um ar fresco ao entendimento da atividade.

Isso decorre do fato de que o conceito de insumo adotados pelo CARF parte do pressuposto que tão somente as atividades de produção ou fabricação de bens ou de serviços destinados a venda permitiriam a utilização de insumos para geração do ativo final entregue ou fornecido. Entretanto, sempre desconsiderou-se uma série de aspectos únicos da atividade comercial, dentre os quais podemos destacar a necessidade de fornecer facilidades ao adquirente das mercadorias no varejo, a opção de pagamento parcelamento, majoritariamente utilizada no Brasil, a utilização de cartões de crédito nas grandes cidades brasileiras que, acometidas pela violência, funcionam como proteção contra a perda dos recursos por furto ou roubo.

Este tópico ganha mais especial relevância durante a pandemia que acomete o país, tendo em vista que, no comércio eletrônico, não se pode entregar dinheiro aos varejistas. As compras através de cartões de débito ou crédito tornaram-se o padrão e a vedação ao crédito representará literalmente uma diminuição das já prejudicadas margens de lucro.

Além disso, em nossa opinião, o conceito de insumo trazido pelo REsp 1.221.170/PR não foi adequadamente representado na jurisprudência do CARF. Como colocado no voto da Ministra Regina Helena Costa na ocasião, a essencialidade e a relevância são os critérios fundamentais para a delimitação do conceito de insumo. Em nossa opinião, sob tais aspectos, é essencial o pagamento através de cartões no comércio varejista, seja ele físico ou eletrônico, bem como a sua relevância, ainda que em sua exposição não tenham sido enfrentados os aspectos específicos da atividade comercial.

No entanto, em nossa humilde opinião, é defeso afirmar que a definição sobre o assunto restará ao STJ, no já citado REsp n. 1.642.014-RS, que hoje está concluso ao Ministro Og. Fernandes, onde o contribuinte do setor de varejo tenta comprovar a vinculação com o conceito de insumo das taxas pagas às administradoras de cartões de crédito. Na sessão de 08/05/2018, a segunda turma do STJ, por unanimidade, decidiu pela devolução dos autos ao relator, em razão do julgamento do REsp 1.221.170/PR.

Logo, espera-se que, caso a eventual releitura do conceito de insumos para as atividades comerciais, com a consideração das taxas pagas às administradoras de cartão de créditos dentro do rol de créditos permitidos para utilização na sistemática não-cumulativa, o CARF possa rever a sua jurisprudência dominante sobre o tema.


O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:


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