Coronavírus

As sessões do CARF e o momento de crise no combate à Covid-19

O modelo de sessões virtuais do CARF também deve ser pensado para suas turmas ordinárias

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Sede do Carf / Crédito: JOTA Imagens

Dando continuidade à abordagem sobre os impactos da crise decorrente do combate à COVID-19 e seus reflexos para o processo administrativo, trazemos hoje para reflexão a questão dos julgamentos virtuais realizados pelas turmas extraordinárias do CARF. Julgamentos virtuais esses mantidos – mesmo nesse complexo período de nossa existência e necessidade de adaptação os desafios diários daquilo denominado “novo normal” -, conforme Portaria CARF n. 7.519/2020, sendo que o “procedimento para solicitação de sustentação oral continua sendo por meio de formulário próprio disponível na Carta de Serviços do sítio do CARF na internet.”.

Mas, para os casos que houver o aludido pedido para sustentação oral, esses “terão o julgamento postergado até a retomada das sessões presenciais, quando serão oportunamente agendados.”.

Aliás, pegando esse fio da meada e, sim, quando formalizados pedidos de sustentação oral para as turmas extraordinárias do Tribunal Administrativo, as sessões são convertidas em presenciais, conforme já consignado na jurisprudência do CARF sob o fundamento de que  o “pleito  seja  realizado  dentro  de  um  prazo  regulamentar  e mediante apresentação de requerimento próprio, cuja aceitação “implica a retirada do processo para inclusão em pauta de sessão não virtual“” (acórdão n. 3001­000.475)

E trazemos esse tema para análise, pois matérias foram publicadas sobre a possibilidade de as turmas ordinárias do Tribunal Administrativo também realizarem sessões virtuais de julgamento.

Cremos que a ideia é interessante e permitirá ao CARF manter o atendimento de sua finalidade, que é a entrega e realização de justiça fiscal.

Mas, para tanto, o órgão judicante administrativo terá de sofrer modificações de ordem tecnológica, inclusive para aquilo quanto diz respeito ao acolhimento de pedidos de sustentação orais que, entendemos, deverão também ocorrer no modelo à distância (virtual); como, aliás, o Poder Judiciário passou a adotar, o Supremo com ineditismo em sua história e a partir desta semana.

Por óbvio há resistências ao modelo atual de sessão virtual realizada pelo Supremo Tribunal Federal, a uma porque tão somente as partes dispositivas das decisões são lançadas pelos Ministros, relator e votantes, bem como porque, até tempo recente, as sustentações orais não se realizavam na modalidade virtual, o que irá acontecer para as sessões plenárias. O modelo de sessões virtuais de turmas da Corte segue, diga-se de passagem, a metodologia regimental também adotada pelo CARF.

A propósito das disposições regimentais do Tribunal Administrativo para os julgamentos de suas turmas extraordinárias, e possível adaptação desse modo operacional de realização de sessões também para suas turmas ordinárias, com a devida licença, iremos nos valer neste espaço de anotações feitas por Pedro Júlio Sales D’Araújo [1], que gentilmente nos cedeu seus primeiros rascunhos sobre o debate, vazados, em parte, nos seguintes termos:

Tal sistemática, portanto, hoje é restrita pelo regimento às Turmas Extraordinárias, visto que, o art. 53, excetuando a hipótese do 61-A, afirma que as sessões serão públicas, podendo ser realizadas de forma presencial ou não presencial. Quanto à esta, o mesmo artigo dispõe que “A sessão de julgamento não presencial, realizada por vídeo conferência ou tecnologia similar, deverá seguir o mesmo rito e asseguradas as mesmas garantias das sessões presenciais, com disponibilização de salas de recepção e transmissão para atuação das partes e gravação da sessão de julgamento” (§ 1º). O art. 53, § 2º, dispõe ainda que a competência para julgamento de processos em sessões não presenciais é restrita a processos cujo valor não seja superior a R$ 1.000.000,00 ou cujo tema já conte com decisão definitiva segundo a sistemática repetitiva do STJ e STF, ou mesmo conte com súmula ou resolução do próprio CARF.

É importante, portanto, fazermos uma distinção inicial quanto ambas as modalidades, pois, enquanto as Turmas Extraordinárias se valem de um sistema inteiramente virtual, inclusive com previsão de retirada incondicionada no caso de sustentação oral, a previsão regimental para as sessões remotas contida no art. 53 se dará por meio do uso de um instrumento de videoconferência, bem aos moldes do que temos utilizado em nossas comunicações em tempos de isolamento.

Qualquer modelo pensado para as Turmas ordinárias, portanto, deve ser feita com essa distinção em mente, garantindo o amplo acesso dos contribuintes, bem como as competências regimentais, por valor e tema.

E destacamos, ao menos no papel, o sistema é bom. Garante aos advogados a possibilidade de expor suas razões, seja solicitando a sustentação oral e retirando o feito da pauta virtual nos casos das Turmas Extraordinárias, seja garantindo que essa sustentação seja transmitida em sessão remota para as Turmas Ordinárias.

(…)

Ainda assim, o alerta é válido e se faz necessário, para que, na busca por uma solução à paralisia dos julgamentos, não criemos sistemáticas que bloqueiem o jurisdicionado de ter acesso à jurisidição.

Concluindo, temos que os desafios e necessidade de aperfeiçoamento são enormes, mas, acreditamos que o CARF tem condições de formular as políticas públicas corretas, transparentes, acessíveis, eficientes e eficazes para fazer valer seu papel institucional perante a sociedade, e, mais importante, manter-se em pleno funcionamento, mesmo diante e durante esse período de crise global.

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Referência

[1] ex-assessor de ministro do STF, advogado em Brasília, mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília, doutorando em Direito Tributário pela USP