Tributário

O papel dos facilitadores de pagamento na economia digital

O que acontece após digitar o número do cartão de crédito para efetuar uma compra na internet?

multihoming
Crédito: Pixabay

Quem já parou para pensar no que acontece após digitar o número do cartão de crédito para efetuar uma compra na internet? Como o valor pago chega até o destinatário? E, ainda, onde fica esse destinatário? Será que quem recebe o pagamento é a mesma pessoa jurídica da qual pensamos que a compra foi efetuada?

É inegável que a digitalização das mais variadas transações vem trazendo novos players ao mercado.

Um deles é o facilitador de pagamento. Essas empresas “invisíveis” ao consumidor têm como principal função levar o valor pago pelos consumidores aos efetivos fornecedores e atuam nos mais diversos mercados, seja do pagamento de uma corrida de taxi, compra de um jogo online ou pagamento de empréstimo. A segurança e “know-how” oferecidos por tais empresas faz a terceirização do serviço de pagamento extremamente interessante aos fornecedores de bens ou serviços.

O objetivo desse breve artigo não é apresentar questões regulatórias do Banco Central ou expor as consequências de relações consumeristas para tais empresas, mas sim apresentar algumas questões que surgem no âmbito tributário.

Normalmente, em uma operação de importação de bens ou serviços, o contribuinte brasileiro está sujeito ao pagamento de diversos tributos, tais como IRRF, CIDE, PIS/COFINS, ICMS, ISS, IOF, etc. Como resultado, a importação muitas vezes não é a alternativa preferida dos brasileiros, por conta da alta carga fiscal.

Ocorre que o modelo das empresas de tecnologia muitas vezes envolve a prestação de serviços ou venda de mercadorias do exterior para o Brasil e, com o objetivo de manter esse modelo no Brasil também, tais empresas acabam recorrendo aos facilitadores de pagamento para intermediar o pagamento entre os consumidores brasileiros e os fornecedores no exterior. Em geral, a remuneração desses facilitadores se dá através da retenção de um certo valor que não será transmitido ao fornecedor dos serviços.

O papel dos facilitadores não é o de economizar os tributos na importação, mas, como o próprio nome diz, facilitar a relação e o pagamento entre as partes contratantes.

Com isso, o consumidor brasileiro, seja pessoa física ou jurídica, continua sendo o contribuinte dos eventuais tributos incidentes na importação, com exceção do IOF câmbio que fica a cargo do facilitador de pagamento, uma vez que ele é o responsável por efetuar o pagamento.

Todavia, existe uma discussão e insegurança nessas transações com relação a responsabilidade tributária dos facilitadores de pagamento, principalmente com relação ao IRRF. Como mencionado acima, o contribuinte dos impostos é o consumidor final. Porém, para efetuar a remessa do pagamento ao exterior, os bancos responsáveis pela operação de câmbio podem questionar os referidos facilitadores pela comprovação do pagamento de IRRF, nos casos de importação de serviços, por exemplo.

Importante esclarecer que a necessidade de comprovação estaria fundamentada no artigo 774, parágrafo único, do Regulamento do Imposto de Renda, o qual condiciona a realização da remessa à comprovação do pagamento do referido imposto, se for o caso.

Ocorre que, de acordo com o artigo 121 do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo da obrigação principal é: (i) o contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador e (ii) responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

No caso do item (i) acima, não há o que se falar em relação direta e pessoal com o fato gerador. Note que a relação contratual é entre o consumidor brasileiro e o fornecedor estrangeiro que presta serviços ou exporta os bens. Ou seja, as partes da transação comercial se resumem ao fornecedor estrangeiro e consumidor brasileiro. O facilitador de pagamento tem o papel de intermediar o pagamento, não tem relação direta ou pessoal com o fato gerador.

Também não há que se falar em responsabilização pelo pagamento do IRRF por parte dos facilitadores de pagamento. Como disposto no item (ii) acima, a responsabilidade decorre de disposição expressa de lei e, até o momento, não há tal disposição para os casos de facilitadores/intermediadores de pagamento.

De qualquer modo, apesar de não nos parecer que o facilitador possa ser responsabilizado por tal retenção, essa é uma questão prática que pode ser enfrentada no momento das remessas.

No que se refere à troca de informações, questão cada vez mais central às discussões no âmbito fiscal, países como os EUA expressamente determinam que o facilitador de pagamentos informe ao fisco as transações realizadas por terceiros.[1] No Brasil, caso haja determinação do fisco em fiscalizações e/ou autorização de quebra de sigilo, os facilitadores de pagamento também deverão colaborar informando as transações realizadas.

Isso causa, também, uma grande necessidade de compliance e organização por parte de tais facilitadores, eis que milhares de transações são realizadas por dia (é só pensar na quantidade de corridas de taxi, download de jogos, etc.).

Desta forma percebe-se que, no âmbito tributário ainda existem vários desafios e dúvidas a serem sanadas quanto a figura dos facilitadores de pagamento.

 

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[1] Who is responsible for reporting third party network transactions? The third party settlement organization or its electronic payment facilitator is responsible for reporting the gross reportable transaction amounts paid to participating payees in their network. https://www.irs.gov/payments/third-party-network-transactions-faqs

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