análise econômica do direito

Proteção eficiente (do consumidor) nos tempos do corona

É importante ter critérios objetivos de AED para discussão de acordos

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Crédito: Pixabay

Imaginemos uma conduta abominável contra o consumidor fragilizado pela pandemia do Corona virus. Mas houve uma atuação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e isso gerou uma multa milionária aplicada pela, mas que demore anos sendo discutida judicialmente, com benefício para população somente em um longínquo futuro. Será que não seria melhor antecipar o cumprimento da decisão com menos custos? Agora o Ministério da Justiça tem ferramentas para isso!

As relações de consumo estão em constante dificuldade, principalmente em um momento de crise com variação extrema de produção (oferta) e consumo de certos bens. Nesse cenário, é muito frequente vermos pessoas se queixando de aumentos arbitrários de preços e abusos de poder de mercado. Para nos dar um fio de esperança, o Ministério da Justiça instituiu o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), como instrumento para a Senacon, com peculiaridades modernas que podem pautar uma nova administração pública.

A ferramenta criada pela Portaria 71/2020 do Ministério da Justiça tem uma grande inovação com relação aos TAC tradicionais (firmados com base na lei de ação civil pública). A novidade reside na lógica econômica existente no artigo 9o. A lógica do artigo é bem simples e se ampara na análise microeconômica de maximizar o resultado desejado, criando um importante parâmetro para a Secretaria Nacional do Consumidor poder agilizar sua atuação de forma objetiva e eficiente. Vejamos o texto legal:

Art. 9o A análise de oportunidade e conveniência da celebração de termo de ajustamento de conduta pela Secretaria Nacional do Consumidor envolverá a avaliação do valor da pena pecuniária esperada e a probabilidade de efetivo recolhimento do montante ao erário.

§ 1o Considera-se valor da pena pecuniária esperada o valor da sanção a ser hipote􏴸camente imputada no processo administra􏴸vo, com base na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 e no Decreto no 2.181, de 20 de março de 1997.

§ 2o Eventual percentual de desconto a ser concedido no termo de ajustamento de conduta em relação à pena pecuniária deverá considerar:

I – a probabilidade de recolhimento imediato da sanção ao erário; e

II – o custo de oportunidade pela não conclusão célere do processo administrativo.  

Esse tipo de raciocínio é adotado no mundo inteiro através de modelos de regulação usando análise custo-benefício, como os EUA através da Ordem Executiva n. 13.563 (do antigo governo de Obama). Essa forma de diagnóstico se lastreia em alguns fundamentos básicos da microeconomia e tem como suposição apenas que as pessoas agem, em média, com um comportamento racional e que o objetivo do ente público é objetivamente identificável (função a ser maximizada).

No caso específico, qual o problema de maximização do Secretário Nacional do Consumidor? Ele vai considerar os seguintes pontos: 1) adequação do fornecedor; 2) expectativa do valor da multa; 3) custos de fazer valer a medida e cobrança da multa. O que poderia ser sintetizado em:

Onde a idéia é maximizar o benefício do Termos de Ajustamento de Conduta.

O significado de E(VM) é o a expectativa do valor da multa[1]. Em termos matemáticos, o valor esperado E(x) é a soma dos valores multiplicados pela probabilidade de sua ocorrência E(x) = p1.X1 + p2.X2 +… + pn.Xn, sendo a soma de todas as probabilidades igual a 1. Esse termo leva em consideração a incerteza que paira sobre as decisões administrativas, pois em sua maioria elas são judicializadas, além da própria oscilação gerada pelo tempo. Por isso deve-se aplicar uma taxa de desconto relativo à incerteza (probabilidade de o fornecedor vencer uma ação anulatória). Só pra facilitar a aplicação, a norma somente falou sobre a insegurança e por isso o valor da multa deve ser apenas multiplicado pela probabilidade de êxito judicial (calculado seguindo os padrões internacionais de auditoria e avaliação de crédito). Para facilitar, lançaremos mão de um exemplo. Uma multa que pode ser de R$ 1.000.000,00, mas que o fornecedor ter 30% (0.3) de chance de anular integralmente, essa exação vale 0 x 0.3 + 1.000.000 x 0.7 = 700.000,00. Ou seja, o Secretário Nacional do Consumidor deve considerar apenas o valor de R$ 700.000,00 para fins de análise de TAC.

Por sua vez, Co é o custo de oportunidade que é todo de escolher outro caminho. No caso, é o custo de decidir por não firmar o TAC. Só a título de exemplo, caro leitor, o seu custo de oportunidade em ler esse texto é o tempo que poderia estar sendo alocado em outro afazer. Vale lembrar que a adequação que é principal objetivo da Senacon é a implementação imediata da medida, sua demora é um custo de oportunidade para a sociedade.  Nessa categoria deve também entrar todo o custo da defesa judicial da medida, fazer valer a alteração, os juros que o valor pago antecipadamente gerariam, etc. Para deixar ainda mais claro, é esse tipo de raciocínio que pauta a Procuradoria da Fazenda Nacional a ter valor mínimo para inscrever em dívida ativa e ajuizar execução fiscal.

Em um caso hipotético de abuso contra os consumidores que pudesse gerar uma multa de R$ 5 Milhões de Reais, com probabilidade de 50% de redução da multa para R$ 2000 Milhões e probabilidade de 25% de anulação total. Com custo de oportunidade monetizável de R$ 500 mil (fora a parte intangível do cumprimento da decisão), temos:

Isso significa que o Senacon poderia firmar um TAC com valor próximo a R$ 1,75 milhão, ainda podendo ser menor devido ao benefício intangível (mas que faz parte do custo de oportunidade) de antecipar os efeitos da medida.

Vale ressaltar que em tempos de emergência, como a vivida pelo coronavírus, quanto mais rápida forem todas as medidas, maior a satisfação para a sociedade. Seja pela brevidade da adequação da conduta, seja pelo alto custo de oportunidade.

Assim, a inovação deste tipo de negócio jurídico, com limites objetivos, garante maior segurança jurídica (pois reduz a incerteza temporal e judicial) e pauta uma administração pública focada em maior eficiência e qualidade.

Um pouco de certezas diante de tanta incerteza. Enfim, motivo para comemorar!


[1] Como estamos trabalhando com valores monetários e não com função utilidade, usamos a esperança matemática ao invés do equivalente certeza (certainty equivalent).