
Nesta quarta-feira (8/2), o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá finalizar um importante tema tributário: os limites da coisa julgada. A discussão consta nos REs 949297 e 955227, e em que pese o resultado do mérito já estar dado, com perspectiva desfavorável às empresas, contribuintes ainda se movimentam para tentar garantir a modulação dos efeitos da decisão da corte.
A preocupação é com os valores que deverão ser desembolsados por empresas que não recolheram a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) nos últimos anos, com base em decisões transitadas em julgado. A não modulação poderia levar companhias a pagarem, com juros e multa, o tributo não recolhido desde 2007.
Além disso, entidades apontam que a decisão do STF impactará em outras discussões tributárias que passaram no Supremo. Exemplo seria a incidência de Cofins por sociedades prestadoras de serviços, como advogados, médicos e arquitetos. Neste caso houve a declaração de constitucionalidade da cobrança pelo STF em 2008, porém muitos profissionais possuem decisões transitadas em julgado e não recolhem a contribuição com base nos títulos.
O que está em discussão
Por meio dos REs os ministros discutem se entendimentos do STF têm o poder de quebrar os efeitos de decisões transitadas em julgado. Há, porém, maioria formada em desfavor dos contribuintes, e todos os nove ministros que votaram até agora entenderam que, mesmo que possuam decisões judiciais contra as quais não cabe mais recursos, as empresas devem voltar a recolher tributos após um posicionamento do Supremo considerando a cobrança constitucional.
O caso concreto versa sobre a CSLL, considerada constitucional pelo STF em 2007. Antes disso, porém, alguns contribuintes conseguiram decisões transitadas em julgado que os livravam de pagar o tributo.
No STF a divergência gira em torno da modulação dos efeitos da decisão. Relator de um dos casos, o ministro Edson Fachin defendeu que o posicionamento da corte deve valer a partir da publicação da ata de julgamento dos REs, o que impediria a cobrança retroativa de valores não recolhidos aos cofres públicos.
Fachin, que relata o 949297, foi seguido até agora por dois ministros: Luiz Fux e Nunes Marques. Outros seis magistrados – Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e André Mendonça – entenderam que não deveria haver modulação, o que permitiria a cobrança retroativa desde 2007, quando o STF declarou a CSLL constitucional.
Relator do RE 955227, Barroso afirmou durante o julgamento que no caso da CSLL não vê espaço para a modulação. “Desde 2007, decisão plenária do Supremo em controle por ação direta, já não havia a mais mínima dúvida de qual era a posição do Supremo sobre a exigibilidade daquele tributo”, afirmou durante a leitura de seu voto.
Para o magistrado, uma eventual modulação geraria uma distorção do ponto de vista concorrencial, já que beneficiaria empresas que, mesmo sabendo a posição do STF, optaram por não recolher a contribuição.
Fontes consultadas pelo JOTA acreditam que dificilmente haverá mudança de votos. Há, porém, espaço para a discussão sobre necessidade de cumprimento da noventena e da anualidade em situações semelhantes às debatidas pelo Supremo.
Barroso foi o primeiro a propor a observância aos princípios. “Quando se muda a jurisprudência em relação a um tributo que antes não era cobrado, e por mudança jurisprudencial passa a ser cobrado, esse tipo de decisão equivale à criação de um tributo”, afirmou durante julgamento no dia 2 de fevereiro.
Até agora se posicionaram de forma semelhante a Barroso – sem modulação e com noventena e anualidade – os ministros Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Moraes, Toffoli e Mendonça consideraram que, por não haver um tributo novo, não é necessário observar a noventena e a anualidade.
Movimentação dos contribuintes
Apesar de faltarem apenas dois votos nos REs – dos ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski –, contribuintes ainda têm a esperança de sensibilizar os ministros sobre a importância da modulação das decisões desfavoráveis. Além de despachos com magistrados, entidades representativas de setores apresentaram memoriais nos últimos dias alertando para o impacto do posicionamento primeiramente encabeçado por Barroso.
Advogado da Brasken, que é parte em um dos REs, Eduardo Pugliesi lembra que em 2011, sob o rito dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou posicionamento contrário ao que está sendo delineado no STF.
O precedente foi firmado no REsp 1118893, por meio do qual foi firmada a tese que “não é possível a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade”.
Para Pugliesi, por mais que os contribuintes conhecessem desde 2007 a posição do STF pela constitucionalidade da CSLL, a posição pela quebra da coisa julgada não era conhecida.
Caso não haja modulação no Supremo, o fisco poderá cobrar a CSLL pelos últimos cinco anos. Caso a empresa tenha sido autuada, porém, o contribuinte pode ter que recolher períodos maiores, sendo o limite o período entre 2007 e 2023.
Nesta terça-feira (7/2), um grupo de entidades representantes da advocacia encaminhou um ofício ao Supremo defendendo a modulação a partir do trânsito em julgado dos REs por meio dos quais o STF discute a tese da coisa julgada. “Pela perspectiva do ‘homem médio’, não se mostra razoável exigir que os detentores de decisões judiciais transitadas em julgado tivessem passado a recolher os tributos declarados indevidos, em razão da superveniência de decisões do STF, especialmente, em processos (ainda que julgados em sede de repercussão geral) dos quais não faziam parte, na ausência de lei ou de decisão judicial específica que assim dispusesse”, afirmaram as entidades no documento.
Para o advogado Gustavo Brigagão, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de. Advogados (Cesa), que assina o ofício, a ausência de modulação geraria insegurança jurídica. “Como essa decisão do STF, que só está sendo tomada agora, poderia ter efeitos retroativos e alcançar fatos anteriores a ela?”, questiona.
No documento, as organizações elencam um tema que pode ser afetado pela decisão do STF: o recolhimento de Cofins pelas sociedades prestadoras de serviços. A discussão gira em torno de uma isenção prevista na LC 70/1991, posteriormente revogada pela Lei 9.430/1996.
Por conta da revogação de um instituto constante em lei complementar por uma lei ordinária, contribuintes foram à Justiça, conseguindo decisões considerando a revogação inconstitucional. Em 2018, porém, o Supremo se posicionou pela regularidade da revogação, fixando a tese de que “é legítima a revogação da isenção estabelecida no art. 6º, II, da Lei Complementar 70/1991 pelo art. 56 da Lei 9.430/1996, dado que a LC 70/1991 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída”.
Segundo Brigagão, não há um levantamento de quantas sociedades voltarão a pagar a Cofins. Seguindo o mesmo padrão que está sendo traçado no STF, porém, companhias poderiam ser cobradas a recolher a contribuição desde 2018.