O primeiro acordo de não persecução cível celebrado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP), representando o Estado de São Paulo, foi homologado perante a 9ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo em junho do corrente ano.
Por meio do ajuste, encerrou-se o mérito de ação de improbidade administrativa[2] proposta contra ex-servidora pública estadual acusada de enriquecimento ilícito no exercício de suas funções.
O acordo permitiu a solução consensual da demanda, de forma célere e segura, com a confissão, pela acusada, da prática dos atos ilícitos e a aplicação de sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Os termos do ajuste observaram o regramento previsto na Resolução PGE nº 20/2020, que disciplina, entre outros assuntos, a celebração de acordo de não persecução cível na atuação judicial da Instituição.
Para conferir segurança jurídica à medida e assegurar adequada responsabilização, a Procuradoria Geral do Estado elaborou instrumento formal de acordo, com detalhamento das partes, objeto e obrigações, submetendo-o ao juízo.
Entre as obrigações assumidas pela acusada, livremente consentidas, estipulou-se o reconhecimento da prática de ato de improbidade, com subsunção a tipos específicos da Lei nº 8.429/92, a sujeição à pena de perda da função pública, o pagamento de multa civil no valor equivalente a uma vez o montante do enriquecimento ilícito e a reparação do prejuízo causado ao patrimônio público.
A servidora já havia sido demitida em procedimento administrativo disciplinar, tendo a previsão da perda da função pública desempenhado a importante finalidade de inviabilizar reversão da demissão, por impugnação administrativa ou judicial. A acusada assumiu, de forma expressa, o compromisso de não propor ação anulatória em face da decisão administrativa que a expurgou dos quadros da Administração Pública.
Com relação às obrigações pecuniárias, estabeleceu-se que todos os valores fossem vertidos ao Estado de São Paulo, enquanto pessoa jurídica lesada pelo ilícito, como determina o microssistema da tutela da probidade, notadamente nos arts. 5º e 18, da Lei nº 8.429/92, e reiterado em dispositivo da Resolução PGE citada[3] e da Resolução nº 1.193/2020-CPJ, que regulamenta a matéria no âmbito do Ministério Público paulista[4].
O pagamento da quantia devida ao Estado foi objeto de composição em relação ao prazo, com parcelamento, cabendo à acusada demonstrar em juízo os comprovantes mensais de recolhimento.
No tocante ao regime de cumprimento do ajuste, o instrumento destacou a sua natureza de título executivo judicial, uma vez homologado em juízo, conforme dispõe o art. 515, incisos II e III, do Código de Processo Civil, o que facilita a execução das obrigações firmadas em caso de descumprimento.
O termo fixa, também, a aplicação de sanção de multa sobre o débito, igualmente destinada ao Estado de São Paulo, caso descumpridas as condições avençadas, bem como a possibilidade de protesto do título executivo e inscrição no CADIN – Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais, na hipótese de atrasos no pagamento de parcelas pela acusada.
O ente público resguardou a possibilidade de, havendo descumprimento do ajuste por parte da pactuante, promover a execução do título formado relativamente aos valores devidos, sem prejuízo da retomada da pretensão de imposição das demais sanções previstas na Lei nº 8.429/92 e o agravamento da multa civil ajustada.
Por outro lado, após cumprimento integral do ajuste, a Procuradoria Geral do Estado se comprometeu a não ajuizar ação de improbidade em face da pactuante para buscar a aplicação de outras penas previstas na Lei em razão dos mesmos fatos.
Como se verifica das principais obrigações delineadas acima, foram observadas as cautelas necessárias para tutela adequada do interesse público, alcançando-se ajuste que ampara o erário e evita longa discussão em juízo sobre configuração e responsabilidade pelos ilícitos e, ao mesmo tempo, converge à consensualidade e ao interesse do particular infrator, tendo em vista a terminação do litígio com o ajuste de penas.
Do total de penalidades previstas para a prática de ato de improbidade que importa enriquecimento ilícito (tipo mais gravoso indicado no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92[5]), passíveis de serem impostas à acusada pelo Judiciário em gradação máxima, ajustou-se a aplicação de perda da função pública e multa civil equivalente a uma vez o valor indevidamente enriquecido (cominação que poderia chegar a três vezes do valor), não se aplicando suspensão de direitos políticos e proibição de contratação e recebimento de incentivos fiscais e creditícios.
Permitiu-se, ainda, que o montante a título de multa civil, acrescido do próprio enriquecimento ilícito, fosse objeto de pagamento parcelado, em razão de incapacidade econômica da infratora.
A homologação do acordo pelo Judiciário paulista reforça a higidez dos critérios adotados pela Instituição, sendo ponto de partida relevante para a promoção deste instrumento pelo ente público lesado.
A solução consensual de conflitos desta natureza, agora sedimentada pelas alterações promovidas na Lei nº 8.429/92 pela edição do “Pacote Anticrime”, é ferramenta útil aos colegitimados na tutela da probidade administrativa e se apresenta como alternativa à judicialização do sancionamento ou à continuidade da sua persecução em juízo.
Por meio de acordo, é possível encerrar a atividade punitiva, solucionando-se de forma rápida o conflito, com diminuição da litigiosidade, direcionamento profícuo de recursos públicos e incremento na reversão de valores desviados do Poder Público. Mesmo em fase avançada do processo judicial, a solução consensual pode se revelar útil a ambas as partes, com terminação do litígio de forma segura e adequada em termos de sancionamento do infrator e eventual reparação.
A previsão legal do acordo de não persecução cível, todavia, não exclui a tradicional atuação processual e contenciosa do ente público lesado, em busca da responsabilização dos infratores em juízo, seja porque pode não haver interesse mútuo em solução negocial ou aderência das partes às obrigações pretendidas, seja porque o ajuste pode não se revelar pertinente para adequada tutela da probidade, em face de nuances do caso concreto.
A escolha por um ou outro caminho (consensual ou contencioso) exige, sempre, o exame apurado, caso a caso, a respeito da eficácia de cada modelo na consecução do interesse público, em vista dos distintos efeitos que podem proporcionar.
[2] Processo nº 1064677-33.2018.8.26.0053, em trâmite perante a 9ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de São Paulo.
[3] Art. 11. Os valores decorrentes da reparação do dano, perdimento de bens e da multa civil serão revertidos à pessoa jurídica estadual afetada.
[4] Art. 6º – Os valores decorrentes da reparação do dano patrimonial efetivo, perdimento de bens e da multa civil serão revertidos à pessoa jurídica interessada.
[5] Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;