Pandemia

Uma oportunidade que não pode ser perdida

No cenário atual, vida e a dignidade das pessoas deve ser principal foco de atenção dos órgãos e instituições

Crédito: Bruno Cecim/Agência Pará

A sociedade vinha se acostumando com o discurso da necessidade da redução do tamanho do Estado brasileiro. Imposição de limite constitucional para as despesas públicas, extinção do Ministério do Trabalho, reforma da previdência social, revisão de benefícios de natureza assistencial, redução da rede de proteção social dos mais vulneráveis e discussão acerca da extinção da Justiça do Trabalho são alguns dos exemplos mais notáveis dessa sanha reformista.

A pandemia da Covid-19, no entanto, parece abrir uma janela de oportunidade para uma nova perspectiva da realidade, na qual a sensibilidade com a inclusão de todas as pessoas seja a marca de nossa sociedade.

Em um país tão profundamente marcado pelas desigualdades sociais e econômicas quanto o Brasil, em que, segundo o IBGE, mais de 38 milhões de pessoas não possuem qualquer garantia de emprego e renda durante o cumprimento das medidas de isolamento decorrente da pandemia, o que corresponde a mais de 40% da força de trabalho ocupada do país.

Somados aos milhões de trabalhadores formais que serão afetados direta ou indiretamente por força das ditas medidas, as estruturas de proteção social precisam ser recompostas para que possam dar vazão às demandas das populações mais carentes, assegurando-lhes direitos existenciais mínimos, como alimentação, educação, saúde e trabalho.

A Justiça do Trabalho, por exemplo, recentemente tão atacada pelos defensores do minimalismo estatal, hoje é responsável por garantir a proteção da saúde de milhares de pessoas que não podem deixar de trabalhar.

Já são quase 2.000 ações judiciais relacionadas ao enfrentamento da Covid-19, das quais mais de 300 são demandas coletivas, que objetivam proteger uma coletividade de trabalhadores, as quais envolvem a garantia da adoção de medidas coletivas e individuais de proteção do trabalhador e o respeito a diversos direitos trabalhistas desrespeitados durante a crise.

Essas demandas envolvem, dentre outros, o labor de gestantes e lactantes em ambientes insalubres, a ocorrência de despedidas em massa arbitrárias e o trabalho de profissionais de saúde sem a necessária proteção, irregularidades que, sem os mecanismos de tutela e controle deste ramo da justiça, não seriam adequadamente corrigidas.

O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, vem desempenhando um papel de destaque no combate ao novo coronavírus. As mais de 11.000 denúncias relacionadas à situação de emergência nacional, que geraram a abertura de 2.200 inquéritos civis para verificar as medidas de contenção da pandemia no ambiente laboral, somam-se aos mais de 700 procedimentos abertos para acompanhamento das ações municipais, estaduais e federais da política pública de enfrentamento da Covid-19.

Como resultado de recente articulação da Instituição, por exemplo, o Governo do Estado de Pernambuco publicou decreto determinando, de forma inédita, que as empresas de entrega de mercadorias por aplicativos providenciassem o fornecimento de equipamento de proteção individual para seus entregadores.

Igualmente digno de destaque é a destinação, com autorização da Justiça do Trabalho, de mais de R$ 213 milhões em todo o país para o desenvolvimento de ações de enfrentamento da pandemia, como compra de insumos para hospitais e laboratórios públicos, aquisição de equipamentos de proteção para profissionais da saúde e de alimentos para pessoas em extrema vulnerabilidade socioeconômica.

Apenas dois exemplos do que pode ser feito como resultado da articulação entre órgãos e instituições que têm a vida e a dignidade das pessoas como principal foco de sua atenção.

Diante disso, é absolutamente inconveniente e inoportuno trazer ao debate público a discussão sobre a redução das estruturas estatais de proteção dos direitos sociais, verdadeiras garantias institucionais previstas na Constituição Federal.

A centralidade da dignidade da pessoa humana, que permeia todo o nosso ordenamento jurídico, precisa ser concretizada, especialmente em um momento tão delicado. O “outro” precisa começar a importar.

A consideração mútua de todos os integrantes da comunidade necessita ser a nossa marca. Esta janela de oportunidade para o Brasil deve ser aproveitada, de maneira a que o bem-estar de toda sua população seja minimamente garantido, sob pena de termos de reconhecer o total fracasso da nossa proposta de sociedade.

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