Código Civil

Um novo livro para uma nova sociedade

Atualização do Código Civil anda de mãos dadas com o espírito do seu tempo

Código Civil
Estátua da Justiça, em frente ao STF. Crédito: Luiz Silveira/Agência CNJ

Em agosto de 2023, foi instaurada pelo Senado Federal a Comissão de Juristas responsável pela reforma do Código Civil, ante a necessidade de atualização do atual marco normativo já em vigor há 20 anos com debate legislativo iniciado na década de 1970. De forma geral, a proposta da comissão visa, além de consolidar a evolução da construção jurisprudencial desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) das últimas décadas, adequar o principal regramento para vida civil da população aos novos avanços das tecnologias e as novas formas de proteção de direitos nesse ambiente.

Diante da importância e centralidade do mundo digital tanto na economia quanto na vida cotidiana da população, a comissão de juristas decidiu por criar um novo livro dedicado inteiramente às particularidades da proteção de direitos no mundo digital. O novo e autônomo livro dedicado ao direito digital é uma inovação brasileira dentro da tradição civilista demonstrando o pioneirismo, sensibilidade e maturidade do debate sobre o regramento do espaço digital no Brasil. Pelo avanço da digitalização na sociedade, a transversalidade do tema do direito digital que marcou as primeiras décadas da internet e seu direito, dá cada vez mais lugar a um altíssimo grau de especialização jurídica de temas digitais que não mais são simples acessórios em outros tradicionais livros do código civil.

O novo e inovador livro, após diversas reuniões e consultas, teve publicado seu relatório final, com contribuições variadas que foram aprovadas, no último dia 1º de abril, por aclamação pela comissão de juristas. O consenso em torno do livro, que acompanhou todo o processo, reflete a urgência do devido tratamento da matéria de uma forma central como em um livro autônomo dentro do código civil, garantindo maior proteção a direitos e segurança jurídica e irradiando seus pilares paras as legislações especiais que surgiram sobre as temáticas nos próximos anos.

Ao longo do processo de construção do novo livro, a subcomissão responsável propôs dez capítulos, que englobam: a proteção dos neurodireitos, o direito à desindexação; a regulação do patrimônio digital, que inclui senhas, criptomoedas, tokens e conteúdos digitais; a proteção de crianças e adolescentes, com o estabelecimento de deveres específicos aos provedores de serviços digitais; o uso de sistemas de inteligência artificial, incluindo regras para a criação de imagens de pessoas vivas e falecidas; os contratos digitais e os princípios a eles aplicáveis; as provas digitais; e a definição de normas gerais para a prática de atos notariais eletrônicos.

Destaque especial deve ser dado ao quarto capítulo, que traz obrigações às plataformas digitais para garantir um ambiente transparente e seguro, sugerindo alterações no paradigma de responsabilização. De acordo com o livro aprovado pela Comissão de Juristas, sob o novo modelo, tais empresas poderão ser responsabilizadas administrativa e civilmente tanto pela reparação de danos causados por conteúdos de terceiros distribuídos por meio de publicidade, quanto nos casos em que houver descumprimento sistemático das diversas obrigações colocadas pela lei. Trata-se de importante dispositivo que, caso aprovado, deverá revogar o atual art. 19 do Marco Civil da Internet, considerado ultrapassado diante do atual cenário de desenvolvimento da internet, conforme demonstram recentes discussões realizadas dentro e fora do Brasil.

Um novo livro para uma nova sociedade, sociedade na qual a digitalização dita não somente hábitos cotidianos da população, mas cria, estrutura e molda os horizontes das novas gerações, da própria economia e setores produtivos. Desta forma, o novo livro anda de mãos dadas com o espírito do seu tempo, no qual a proteção de diversos tipos de diretos no meio digital merecem um tratamento adequado dentro do principal estatuto legal do regramento da vida privada da população: o Código Civil.