Coronavírus

Tributação do agronegócio como incentivo ao investimento estrangeiro no pós-pandemia

Cenário é de forte expectativa de que o Brasil aumente mais seu protagonismo na produção de alimentos para o mundo

STF derruba trechos do regulamento do ICMS no Pará
Crédito: Antonio Costa/Fotos Públicas

Em razão das particularidades do agronegócio, há atualmente no Brasil legislação tributária específica que busca implementar regras mais adequadas à realidade dos que atuam nessa área.

Aliada à eventual modernização das restrições para arrendamento de propriedades rurais por empresas brasileiras controladas por estrangeiros, é um bom instrumento para garantir incentivo ao setor e, consequentemente, buscar o crescimento da economia como um todo (diante da alta representatividade do agronegócio no país), o que será prioridade para superar a crise agravada pela Covid-19.

Conforme definido pela Constituição Federal, o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira é limitado por lei. A legislação [1] traz essa regulamentação e, atualmente, prevalece o entendimento de que as limitações legais se aplicam também a empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a estrangeiros.

As limitações decorrem da necessidade de se proteger a segurança nacional e envolvem, principalmente, restrições a depender do tamanho da área rural e a necessidade de obtenção de autorizações específicas.

Muito se discute sobre a necessidade de maior flexibilização das regras para aquisição ou arrendamento de propriedades rurais por estrangeiros, para adequá-las ao contexto atual, já que a principal lei aplicável é da década de 70.

O tema voltou a ter destaque em razão do recente Projeto de Lei nº 1179/2020 do Senado Federal. Nele são propostas medidas que buscam preservar relações jurídicas de direito privado e proteger os vulneráveis, como, por exemplo, a suspensão ou prorrogação de prazos de vencimento de contratos, transitoriamente, tendo em vista a pandemia causada pela Covid-19.

Dentre as medidas propostas, estava a suspensão, até 30 de outubro de 2020, da proibição de celebração de contratos de arrendamento com empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a estrangeiros.

Esta regra acabou sendo excluída do texto substitutivo aprovado pelo Senado e que seguiu para análise da Câmara dos Deputados. Prevaleceu o entendimento de que se trata de assunto complexo que já é objeto de outro Projeto de Lei, o de nº 2.963/2019.

Por sua vez, este último Projeto também tramita no Senado (está atualmente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ) e, dentre outras medidas, reduz as restrições à aquisição, posse e arrendamento de imóvel rural por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras e, especialmente, por pessoas jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por estrangeiros.

O objetivo, segundo a exposição de motivos, é adequar a legislação brasileira aos desafios do modelo econômico atual, o que inclui a possibilidade de grupos internacionais atuarem no país, para auxiliar no desenvolvimento da cadeia produtiva e na geração de empregos.

Recentemente, o Ministro de Estado da Economia apresentou o Ofício SEI nº 84/2020/ME ao Senado para solicitar celeridade na análise de diversos Projetos de Lei considerados importantes para o desenvolvimento do país em geral, inclusive para auxiliar na reversão da crise internacional gerada em função da disseminação de Covid-19, ainda que a médio ou longo prazo. Dentre esses projetos está o de nº 2.963/2019 mencionado acima.

De forma geral, o incentivo ao investimento no agronegócio já vem sendo implementado. Cite-se a Lei nº 13.986/2020 (conversão da “MP do Agro”), recentemente aprovada, que trouxe importantes medidas de aprimoramento do crédito no agronegócio.

Esse movimento está em linha com a expectativa de crescimento do setor reconhecida no relatório “Perspectivas Agrícolas 2019‑2028” [2] elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Segundo esse estudo, há previsão de que a demanda mundial por produtos agropecuários aumente em 15% na próxima década, enquanto os países da América Latina e Caribe serão responsáveis por mais de 25% das exportações globais de produtos agrícolas.

Dentre esses países, o Brasil é, de longe, o maior exportador de produtos agrícolas, sendo inclusive o terceiro maior exportador mundial (US$ 79,3 bilhões em 2017) e um dos líderes em desenvolvimento agrícola, com crescimento anual da produtividade total de 3%, superado apenas pelo Nordeste da Ásia (3,4%). O relatório aponta ainda que houve relevantes iniciativas de pesquisa e desenvolvimento que contribuíram para esse crescimento, o que é uma ótima notícia.

O cenário, portanto, é de forte expectativa de que o Brasil aumente ainda mais seu protagonismo mundial na produção de alimentos para o mundo, e por isso o país tem forte potencial para atrair novos investimentos.

Um fator essencial para a atração de novos investimentos é a manutenção de legislação adequada ao que se pretende. Na área tributária, apesar de estarmos longes de um modelo ideal, da alta carga tributária e da elevada complexidade dos tributos, o que leva à necessidade urgente de reforma que ao menos simplifique o sistema (as empresas levam 2.600 horas por ano para calcular tributos, em comparação com a média de 184 horas dos países da OCDE [3]), a tributação diferenciada do agronegócio já é um atrativo em comparação com outros segmentos econômicos.

Antes de se detalhar esse ponto, é importante ressaltar que a tributação diferenciada não corresponde a mero “privilégio fiscal” do agronegócio, mas sim, reitere-se, à aplicação de legislação específica que busca se adequar às peculiaridades do setor [4], o que está em linha com o disposto na Constituição Federal [5].

Dentre as regras, podemos citar inicialmente que, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, as empresas que desenvolvem atividade rural podem computar, como custo de depreciação, o valor correspondente a bens do ativo não circulante adquiridos, de forma integral e no próprio ano de aquisição [6].

A partir do ano seguinte ao de aquisição, a parcela anual correspondente à taxa de depreciação deverá ser adicionada ao lucro líquido para apuração do imposto. Além disso, as empresas que exploram atividade rural podem computar prejuízos fiscais de anos anteriores sem a limitação de 30% prevista para as demais atividades [7], para fins de apuração do IRPJ e CSLL.

Quanto ao PIS/Cofins, a legislação em geral permite a apuração de forma não-cumulativa. Ou seja, para se calcular a base de cálculo das contribuições, podem ser aproveitados créditos decorrentes de insumos adquiridos na atividade produtiva.

Recentemente, o STJ definiu, em caso representativo de controvérsia [8] (cujo entendimento se aplica aos demais pendentes de julgamento), que os insumos aptos a gerar direito a crédito são aqueles considerados essenciais ou relevantes para o processo produtivo, o que representou ampliação do entendimento restritivo sobre a matéria antes adotado pelas autoridades fiscais.

Ainda em relação a essas contribuições, diversos produtos relacionados ao agronegócio estão sujeitos à alíquota zero (para reduzir a carga tributária dos produtos-base da atividade rural ou de alimentos essenciais à população [9]) ou à suspensão do pagamento de PIS/Cofins [10].

Nessas hipóteses, a legislação permite a manutenção dos créditos de PIS/Cofins apurados em decorrência da aquisição de insumos em etapas anteriores, o qual pode ser objeto de pedido de ressarcimento e compensação com outros débitos federais [11]. Disposição semelhante existe em relação aos produtos exportados [12]. Há ainda a possibilidade de computar crédito presumido das contribuições em decorrência da aquisição de determinados produtos, como insumos para a fabricação de alimentos.

A legislação prevê benefícios semelhantes para o IPI. Como exemplo, o saldo credor de IPI acumulado e decorrente da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, pode ser utilizado para fins de ressarcimento e compensação com outros tributos federais [13].

Há ainda possibilidade de empresas produtoras e exportadoras de produtos nacionais apurarem crédito presumido do IPI como ressarcimento de PIS/Cofins, incidentes sobre aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo[14].

Na esfera estadual, a legislação do ICMS também assegura incentivos como diferimentos, isenções e créditos presumidos, além de imunidade em exportações. Há, portanto, uma série de regras fiscais diferenciadas que podem ser adotadas pelas empresas do setor de agronegócio.

Em conclusão, passamos por um momento de forte demanda por iniciativas para superação da crise extremamente agravada pela Covid-19. Como o agronegócio tem participação muito relevante em nossa economia, seu desenvolvimento está diretamente relacionado com a retomada do crescimento do Brasil como um todo.

Uma das medidas de estímulo pode ser o incentivo ao investimento estrangeiro no setor, por meio da flexibilização das restrições à aquisição e arrendamento de terras por empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a estrangeiros, e que voltou a ter destaque em razão do Projeto de Lei nº 1179/2020 e do pedido do Ministro de Estado da Economia de que esse tema (dentre outros) seja apreciado com celeridade.

Eventual modernização legislativa nesse sentido tem boas chances de efetivamente atrair o investimento adicional buscado, inclusive porque já estão em vigor no Brasil regras tributárias que, apesar de estarem longe do ideal e da necessidade de reforma ao menos para sua simplificação, traduzem-se em benefícios fiscais importantes voltados às particularidades do agronegócio brasileiro.

 


[1] Especialmente as Leis nºs 5.709/71 e 8.629/91, o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) aprovado pelo Presidente da República em 2010 e a Instrução Normativa INCRA nº 88/2017.

[2] OECD/FAO (2019), OCDE-FAO Perspectivas Agrícolas 2019-2028, OECD Publishing, Paris/FAO, Rome, https://doi.org/10.1787/7b2e8ba3-es.

[3] OECD (2018), Relatórios Econômicos OCDE: Brasil 2018, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264290716-pt.

[4] CALCINI, Fábio Pallaretti. Tributação diferenciada no agronegócio não é privilégio. Consultor Jurídico, disponível em https://www.conjur.com.br/2017-out-20/direito-agronegocio-tributacao-diferenciada-agronegocio-nao-privilegio

[5] Dentre outros, vide art. 187: “A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

I – os instrumentos creditícios e fiscais;”

[6] Artigo 325 do RIR/18.

[7] Artigos 580 e 583 do RIR/18.

[8] REsp 1.221.170.

[9] HARET, Florence. Tributação no Agronegócio. IDEA: 2016, p. 85.

[10] Por exemplo, com base na Lei nº 10.925/04.

[11] Artigos 17 da Lei nº 11.033/2004 e 16 da Lei nº 11.116/2005.

[12] Artigos 5º, inciso I, e § 1º, inciso II, da Lei nº 10.637/02 e 6º, inciso I, e § 1º, inciso II, da Lei nº 10.833/03.

[13] Artigo 11 da Lei nº 9.779/99.

[14]   Artigo 1º da Lei nº 9.363/96.