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Direito Tributário

Streaming, publicidade digital e ISS

Há de se instaurar debate amplo na sociedade sobre a tributação da economia digital

Eurico Marcos Diniz de Santi, João Alho Neto
22/01/2018|17:59
Atualizado em 22/01/2018 às 16:59
Crédito: Pixabay

A ordem hierárquica do direito e que deve ser obedecida pela administração fiscal dos municípios na cobrança do ISS (imposto sobre serviços) é a seguinte: Constituição Federal, Lei Complementar, Lei Municipal, Parecer Normativo e Solução de Consulta. Assim, a tributação de streaming e de inserção publicitária pressupõe, primeiro, compatibilidade com a Constituição (artigo 156, III), isto é, que as atividades sejam conceitualmente caracterizadas como serviço; segundo, requer previsão expressa na lista anexa da Lei Complementar 116 de 2003; terceiro, demanda instituição via lei ordinária municipal; e quarto, pode exigir a edição de pareceres normativos e soluções de consulta para efeito de aplicação e interpretação da legislação. 

Desrespeitando esta ordem lógica, o fisco paulistano – antes da edição da Lei Complementar 157, de dezembro de 2016, e da Lei Municipal 16.757, de novembro de 2017 – se valia de reinterpretração do item 1.05 da lista anexa do ISS, que trata das atividades de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, para cobrar ISS das operações de disponibilização de conteúdo audiovisual pela internet sem cessão definitiva – streaming (Solução de Consulta 65, de dezembro de 2012). De igual modo, se utilizava de interpretação extensiva do item 17.06, que trata dos serviços de agência de publicidade, para tributar as atividades de inserção publicitária em meio digital (Parecer Normativo 01, de março de 2016). Esses negócios, no entanto, só foram incluídos na lista anexa do ISS por meio da Lei Complementar 157: itens 1.09 e 17.25, respectivamente.

Ocorre que, com a edição da Lei Municipal 16.757, que introduziu essas materialidades no ISS de São Paulo, houve completo silêncio a respeito da necessidade de observância da anterioridade nonagesimal, prevista na Constituição (artigo 150, III, "c"), em relação aos novos itens de streaming e inserção publicitária; sendo que em outras situações, como nos itens que sofreram alteração de alíquota, a lei foi expressa em dizer que a eficácia dos dispositivos se daria apenas contados 90 dias da sua publicação.

Não pode o Município alegar que os novos itens da Lei Complementar 157 vieram apenas corroborar materialidades tributárias sobre streaming e inserção de publicidade que já poderiam ser deduzidas de outros itens menos específicos presentes na lista anexa do ISS, para efeito de contornar o exame da anterioridade na cobrança. A omissão em dispor expressamente sobre a aplicação do princípio da anterioridade para estes novos fatos geradores presentes, agora, em lei, não permite o raciocínio a contrario que autorizaria o fisco a lavrar autos de infração para períodos anteriores à Lei Municipal.

O precário argumento da existência de pareceres normativos e soluções de consulta da administração tributária prévios à Lei também não dispensa a necessidade de Lei Complementar, de Lei Municipal e de aplicação dos princípios da anterioridade e da irretroatividade previstos na Constituição. Além de que, o simples silêncio da Lei paulistana não afasta a aplicação desses dispositivos que expressam direitos e garantias fundamentais do contribuinte (art. 150, I), e, portanto, estão protegidos como cláusulas pétreas no texto constitucional pelo art. 60, parágrafo 4º. 

A insegurança jurídica no âmbito tributário produz ambiente adverso ao desenvolvimento regular da economia, pois impossibilita que indivíduos e empresas possam calcular minimamente as repercussões de suas decisões. Retira-se do contribuinte a oportunidade de traçar seu futuro com base em planejamento juridicamente informado, o que, inevitavelmente, leva a contencioso tributário dispendioso para os cofres estatais. 

Preocupante pensar que São Paulo não oferecerá prazo algum às empresas que atualmente operam nos ramos cobertos pelas novas incidências para poderem se preparar para o recolhimento do tributo e, ainda, obrigando-as ao pagamento retroativo dos últimos cinco anos. Até então, essas empresas acreditavam que não eram contribuintes do ISS, justamente por confiarem na legalidade e não possuírem suas atividades expressamente incluídas na lista anexa nem da Lei Complementar nem da Lei Municipal. 

Ademais, o setor abrangido pela tributação do streaming e da publicidade digital é composto por empresas que operam em plataformas eletrônicas, instrumentalizando o uso de novas tecnologias em funções que ainda não estão bem definidas juridicamente. Ainda não é certo se o que será tributado de fato pode ser caracterizado na forma de serviço – pelo menos dentro do conceito previsto na Constituição e entendido pelos tribunais, como obrigação de fazer. Soma-se a isto, o fato de que a corrida pela tributação dessas novas atividades, levada a cabo pelos três níveis estatais, pode acarretar no emperramento da evolução tecnológica do País.

Há de se instaurar debate amplo na sociedade sobre a tributação da economia digital, de modo a estimular a edição de atos normativos consonantes com a ordem lógica do sistema, em nome da segurança jurídica e da boa relação fisco-contribuinte. O Projeto “Nossa Reforma Tributária: desafios da era digital” do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP tem o intuito de promover estudos, debates e soluções para este incerto mundo novo. logo-jota