Dúvida trabalhista? Pergunte ao professor

STF e a terceirização trabalhista: está liberada a ‘pejotização’?

Enfoque não deve se ater apenas à discussão de terceirização lícita ou ilícita

pejotização
Crédito: Unsplash

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 84 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► STF e a Terceirização Trabalhista: está liberada a pejotição?

Resposta ► Com a palavra, o professor Thiego Leite Cruz[1].

A indagação denota aprioristicamente estabelecer um salvo conduto para uma “pejotização” indiscriminada, notadamente se levado em conta o mais recente julgamento pela Excelsa Corte acerca da matéria, por meio do Agravo Regimental na Reclamação nº 47.843, cujo acórdão foi publicado no último dia 7 de abril.

Como já era de senso comum na comunidade jurídica, a questão invocaria automaticamente ofensa ao quantum decidido pelo próprio Supremo Tribunal Federal em precedente de observância obrigatória, quando da análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e do Recurso Extraordinário nº 958252 (leading case), com repercussão geral reconhecida (Tema 725), que fixou tese no seguinte sentido: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. (grifos nossos)

Em apertada síntese, o que o setor produtivo/industrial questionava, vulgarmente, em sede da ADPF nº 324, era a total insegurança jurídica que pairava quanto às decisões da Justiça do Trabalho, com especial destaque à Súmula 331 do TST, que fixava limites à terceirização, em detrimento da atividade econômica – da liberdade dos agentes econômicos de contratarem e de estabelecerem estratégias racionais de produção. Tal cenário, em síntese, violava os princípios da legalidade, da livre concorrência e livre iniciativa, previstos na Constituição Federal – art. 1º, inciso IV; caput do art. 170 e seu inciso IV.

Isso porque havia a necessidade premente de adequação às transformações do mercado de trabalho e da sociedade, proporcionando aos agentes maior liberdade para formular e adotar meios de produção, como também proporcionar maior eficiência e competitividade econômica. Bem por isso, espera-se o fomento de novos modelos de negócios, principalmente com a chegada da economia de dados, das novas tecnologias trazidas pela Indústria 4.0, num mercado internacional cada vez mais competitivo, em que as denominadas “big techs”, tais como Apple, Google, Amazon, entre outras, estão entre as maiores empresas e marcas mais valiosas do mundo[1].

Isto para dizer que, nem toda (nova) relação de trabalho, precisa ser, necessariamente, subordinada. E, por conta disso, a contratação de pessoas jurídicas (PJs), após a dita reforma trabalhista (2017), se intensificou no mercado de trabalho, principalmente se levando em conta os precedentes exarados pelo Supremo Tribunal Federal, outrora mencionados.

Nesse cenário, muitas startups passaram a se socorrer da contratação de PJs, em busca de simplificação – com diminuição da burocracia, redução de custos (encargos sociais etc.), oferta de melhores benefícios remuneratórios (a exemplo da utilização de “stock options” para incentivar melhor produção e performance), além de proporcionar maior liberdade e flexibilidade nas cargas horárias de trabalho –, tudo isso sendo utilizado como estratégia na retenção de talentos no mercado, sobretudo na área de tecnologia da informação.

Evidente que se faz mister analisar as atividades, as funções, as reais necessidades a serem desempenhadas pelos colaboradores da empresa de acordo com a demanda de um determinado departamento ou da empresa como um todo, partindo-se do seu modelo de negócio, para que se possa escolher o modelo de contratação que melhor se adeque a cada realidade: seja um contrato celetista, subordinado, com vínculo empregatício, anotação em carteira de trabalho e recolhimento de todos os respectivos encargos; ou, em sentido oposto, um contrato empresarial (entre empresas/pessoas jurídicas), de prestação de serviços, exercido de forma autônoma, de natureza civil/comercial.

E nada obstante os fundamentos acima expostos, imperioso destacar que o E. STF não recomendou, muito menos liberou indistintamente a “pejotização”, como modelo padrão de contratação. Ao revés, apenas conferiu validade à terceirização de serviços, seja ela da atividade meio ou fim da empresa, sem que haja, em tese, a presunção de fraude ao contrato de trabalho que, para seu enquadramento em específico, deve obrigatoriamente conter os requisitos previstos no artigo 3º da CLT.

Afinal, nenhuma das decisões ou precedentes emanados pelo Supremo Tribunal Federal revogou ou invalidou a eficácia e aplicação do art. 9º da CLT, que continua a dispor que: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” (grifos nossos)

Para tanto, na própria decisão de relatoria do Ministro Roberto Barroso, já na ADPF 324, restou consignado, imprescindivelmente, a ressalva de que:

  1. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações. 4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993). (grifos nossos)

Como não poderia ser diferente, tais ressalvas são fulcrais para uma completa e escorreita interpretação, tanto para o entendimento quanto às distinções das formas de contratação, quanto para a compreensão da extensão do julgamento proferido pela nossa Suprema Corte em relação ao permissivo da terceirização de serviços para a consecução de atividade-fim da empresa (Tema 725). Todavia, essas valiosas observações que excepcionam a matéria em cotejo vem sendo alijadas das discussões jurídicas, de modo que alguns julgados dos nossos Tribunais Superiores nem sequer enfrentarem pontos nevrálgicos para o deslinde de tais questões, somente aferíveis in concreto, caso a caso.

Destarte, o enfoque não deve se ater, apenas e tão somente, à discussão de terceirização lícita ou ilícita. Ora, a Suprema Corte, como vimos, mais de uma vez já decidiu ser lícita a terceirização por “pejotização”, não havendo irregularidade na contratação de pessoa jurídica, inclusive naquelas formadas por profissionais liberais para prestar serviços na atividade-fim da empresa contratante.

O cerne central do que realmente importa ser discutido, e, sobretudo, comprovado nas demandas judiciosas perante a Justiça Especializada, é se houve ou não fraude ao contrato de trabalho, seja na contratação, seja no transcurso da relação havida entre as partes, afinal, a Excelsa Corte decidiu que a terceirização, por si só, não importa em precarização do trabalho. Por outro lado, igualmente já restou decidido e consignado nos procedentes que é o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações, devendo-se, pois, compatibilizar as normas constitucionais de tutela do trabalhador, com os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização.

Portanto, o abuso na contratação, em desrespeito e violação das normas constitucionais de tutela do trabalhador, devidamente comprovados, pode importar no reconhecimento de vínculo direto com a empresa tomadora, a par da suposta existência de uma relação de terceirização, não se podendo admitir uma cortina de fumaça para mascarar verdadeira fraude ao contrato de trabalho.

Desta forma, muito cuidado com as distorções, com os desvios de foco, pois, ao se alegar fraude e ilicitude, em casos em que se queira questionar o vínculo empregatício do trabalhador diretamente com a empresa tomadora, não se trata de discutir ou convalidar se a terceirização fora lícita ou ilícita, mas sim de demonstrar cabalmente se houve fraude ao contrato de trabalho, com abuso e violação dos artigos 2º, 3º e 9º, da CLT, ante o princípio da primazia da verdade real.

Nesta senda, consequentemente, a depender do caso concreto e do preenchimento dos requisitos necessários para tanto, poder-se-ia arguir, frise-se, ao menos em tese, ser hipótese diversa do entendimento exarado no julgamento e na repercussão da ADPF 324 e do RE 958252, outrossim, da Lei 13.429/17


[1] Fonte: Kantar BrandZ Most Valuable Global Brands 2022;

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm;

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm;

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm;

Fonte: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4952236&numeroProcesso=958252&classeProcesso=RE&numeroTema=725;

Fonte: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4620584;

Fonte: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6198801;

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