
Chegamos ao último artigo da série “O que pode vir do Banco Central em 2017?”, cujo objetivo foi percorrer brevemente alguns temas da pauta “Agenda BC+” do Banco Central (BC).
A partir deste quarto texto, será possível perceber o quão importante é, para o BC, melhorar as relações entre as instituições e os seus clientes. Além disso, algumas alterações pretendem estimular a competitividade por meio de novas formas de prestar serviços em um novo cenário disruptivo.
Série “O que pode vir do Banco Central em 2017?”
1 – Cidadania Financeira
2 – Crédito mais barato
3 – Legislação mais moderna
Tecnologia em favor do SFN e SPB: modernização
O BC criou grupo de trabalho com o intuito de acompanhar as inovações tecnológicas digitais, que guardem relação com as atividades exercidas pelo Sistema Financeiro Nacional (SFN) e pelo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
O BC busca, por meio de uma modernização e atualização das suas ferramentas de trabalho, principalmente: (i) avaliar potenciais impactos sobre as atribuições do BC e sobre as instituições, entidades e usuários do sistema financeiro; (ii) aprimorar seus processos de trabalho no que se refere às oportunidades e aos riscos oferecidos pelas novas tecnologias; e (iii) incentivar que o mercado acolha soluções mais adequadas às demandas atuais de seus clientes e de novos modelos de negócios.
Um exemplo recente dessa postura do BC foi a Resolução nº 4.480/2016, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a qual permite que as instituições financeiras abram e encerrem contas de depósitos para pessoas físicas pela internet.
Em 2017, há expectativa de se discutir o uso de blockchain em contratos inteligentes e liquidação de pagamentos em operações de cartões; de debater as possibilidades para disciplinar o funcionamento de fintechs como instituições financeiras soft, ou seja sem todas as prerrogativas e, consequentemente, ônus regulatórios inerentes às instituições tradicionais; e a regulamentação do uso de criptomoedas como meio de pagamento, como forma de transferência de recursos, e até mesmo para realização de trading.
Nesse contexto, deve haver preocupação com a estabilidade do sistema financeiro, com a necessidade de garantir novos e melhores serviços aos consumidores, além de estimular a inclusão financeira por meio da escalabilidade que as novas tecnologias propiciam, tudo isso sem descuidar da necessária prevenção à lavagem de dinheiro.
Conduta das instituições financeiras: aprimoramento
O BC editou a Resolução nº 4.539, de 24 de novembro de 2016, que instituiu a obrigatoriedade de as instituições financeiras elaborarem uma política de relacionamento com clientes.
Essa medida visa a fomentar o aprimoramento do processo de relacionamento das IFs com seus clientes e usuários, exigindo maior responsabilidade, ética, transparência e diligência das instituições em relação aos seus clientes.
O BC promete continuar aperfeiçoando em 2017 seus mecanismos de supervisão de conduta com o foco em ampliar a qualidade e o volume dos serviços prestados à população. O quadro abaixo sintetiza a evolução do acesso à serviços bancários de 2007 a 2015, conforme dados do BC:
Regulação sobre os arranjos de pagamentos: competitividade
Este é um importante seguimento da economia, pois é responsável por mais de 20% do crédito disponibilizado para pessoas físicas, conforme informações do Banco Central:
Muitas mudanças já foram implementadas no início de 2017: alteração nas regras de cobrança do rotativo, alteração no prazo para repasse de recursos para os lojistas, diferenciação de preços, etc. Outras novidades são aguardadas.
A expectativa é que o BC elabore, em 2017, normas que aumentem a agilidade dos processos de autorização dos arranjos de pagamento, tornando esse processo mais célere.
O objetivo é elevar a racionalidade e a eficiência nas compensações e liquidações das transações de pagamento, com a possibilidade de uso do blockchain. Acredita-se que, para atingir essa celeridade, será preciso: (i) fomentar maior competitividade no mercado de prestação de serviços de pagamentos no Brasil, com oferta de melhores serviços a preços compatíveis com um cenário de maior concorrência; e (ii) propiciar o compartilhamento de infraestruturas.
Convergência internacional IFRS9: instrumentos de contabilidade financeira
O intuito dessa agenda é aperfeiçoar a regulamentação brasileira sobre contabilidade de instrumentos financeiros, ajustando-a à recente reforma efetuada nos padrões contábeis internacionais. O Banco Central buscará reduzir as assimetrias entre as regras contábeis do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF) e o padrão internacional emitido pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB – sigla em inglês).
O principal objetivo é reduzir os custos de observância para as entidades reguladas e aumentar a qualidade, a transparência e a comparabilidade das demonstrações financeiras das instituições reguladas pelo BC.
Só em 2013, as instituições financeiras gastaram cerca de R$ 2 bilhões para cumprir normas dos diferentes reguladores e fornecer informações requeridas pelas autoridades de municípios, de estados e da União. Portanto, a redução de custos de observância de um modo geral deve ser priorizada pelo BC, com vistas a ampliar a eficiência das instituições.
Ademais, a convergência das normas contábeis nacionais para o padrão internacional de demonstrações financeiras possibilita aos investidores estrangeiros, sobretudo os investidores institucionais, avaliar corretamente e comparar os balanços das empresas de qualquer parte do mundo.
Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE): maior racionalidade
Essa medida visa a modernizar e reformular os procedimentos da DCBE, com o escopo de torna-la mais compatível com os padrões internacionais de metodologia de produção de estatísticas econômicas previstas no Manual de Balanço de Pagamentos e Posição Internacional de Investimento (BPM6) do Fundo Monetário Nacional (FMI).
A principal reforma informada será no tamanho e no conteúdo da declaração, eliminando informações com pouca utilidade e o excesso de detalhamento.
Regulação do mercado de câmbio: atualização
Segundo o BC, o objetivo é atualizar a regulação do mercado de câmbio. Essa atualização passará por inovações tecnológicas, como a assinatura eletrônica de contratos; redução dos custos das operações para o público; simplificar, com segurança, a abertura e movimentação de contas em reais de residentes no exterior, a negociação de moeda estrangeira e as operações envolvendo capitais internacionais; e ampliar a oferta adequada e diversificada de serviços financeiros.
Sobre esse tema já funciona um grupo de trabalho no BC que discute medidas para aperfeiçoar e modernizar o mercado de câmbio.
Rápidas reflexões
Aqui se encerra a série “O que esperar do Banco Central em 2017?”. Percebemos que a Agenda BC+ pode dar grandes contribuições à economia do país. A redução do spread, a diminuição da inadimplência, o oferecimento de educação financeira, o aperfeiçoamento do cadastro positivo, os ajustes na regulação e na fiscalização das instituições financeiras, entre outros pontos, são medidas que podem ajudar o Brasil a retomar o crescimento da economia.
Outras questões também precisam ser enfrentadas para complementar essa agenda positiva proposta pelo Banco Central: a complexidade do sistema tributário precisa ser debatida e solucionada, pois esta é uma variável que afeta significativamente o custo do crédito no Brasil; a necessidade de modernização da legislação trabalhista é cada vez maior; e a ampliação da segurança jurídica para a atuação das instituições.
Empresas de um modo geral, inclusive as instituições financeiras, necessitam de previsibilidade e estabilidade institucional, legislativa e jurisdicional. É fundamental que as autoridades tomem decisões sempre lastreadas no rigor da lei, sem deixar de observar os efeitos econômicos das decisões que afetam o funcionamento do mercado, os direitos dos consumidores e a sociedade como um todo.
A eficiência do mercado é positiva para consumidores, empresas e Estado. Um ambiente saudável para o crescimento do crédito favorece o consumo, a produção e o crescimento econômico.