Aline Cruvinel
Advogada em São Paulo. Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Pesquisadora associada do Instituto de Colaboração em Blockchain IcoLab.
Foi publicada no diário oficial da cidade São Paulo a Lei nº 17.901 de 11 de janeiro de 2023[1] que consolida a Política Municipal de Dados Abertos e Transparência Ativa da cidade de São Paulo.
A lei tem por objetivo, dentre outros, i) fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias; ii) promover a publicação de dados em formato aberto; iii) promover o compartilhamento de recursos de tecnologia da informação e evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos na disseminação de dados em formato aberto, prestigiando a interoperabilidade; IV) fortalecer o engajamento cívico da população em prol dos seus direitos e deveres democráticos; V) garantir o respeito à privacidade, a obrigação de anonimização dos dados pessoais e dos dados sensíveis, nos termos das leis de acesso a informações e LGPD.
Sabe-se que, na prática, as informações/dados que hoje são disponibilizadas nos portais de transparência não são claras, unificadas ou de busca intuitiva, tornando a transparência opaca no caso concreto e a jornada do usuário um verdadeiro labirinto prolixo. Sabe-se, ainda, que os bancos de dados não são unificados e não observam protocolos que possibilitem a interoperabilidade do sistema como um todo, tornando falho o caminho de análise e atualização dos dados públicos de forma holística.
Apesar de não entrar em aspectos práticos de implementação, a lei sinaliza que a LGPD deve ser observada no processo e inova com definições importantes para o setor, como a definição da tecnologia Blockchain no art. 3º, inciso XVIII: tecnologia equivalente a um livro-razão compartilhado e imutável que facilita o processo de registro de transações e o rastreamento de ativos em uma rede de computadores.
O uso da tecnologia Blockchain para guarda de dados pelo poder público coloca a cidade de São Paulo em uma posição mundial de vanguarda, possibilitando que as informações públicas sejam imutáveis, de validação descentralizada e auditáveis por qualquer interessado. Entretanto, a lei não é clara quanto as regras e protocolos de utilização para todos os órgãos, autarquias, câmara municipal e demais envolvidos.
É fato e salutar que exista inúmeros Smart Contracts com diferentes regras de negócio para cada contexto do governo municipal dentro de um único Blockchain para o município. Contudo, a criação de Blockchains diferentes pode prejudicar o objetivo da Política em questão.
É imprescindível que o governo municipal alinhe suas ações com os demais atores evitando que secretarias e/ou autarquias criem Blockchains diferentes. Isto levaria ao mesmo problema dos bancos de dados separados off chain. A desejada interoperabilidade entre órgãos e a facilidade de pesquisa e controle ficariam comprometidas.
Outros problemas que poderiam surgir ao não unificar a utilização de uma Blockchain seria: i) o uso de uma tecnologia Blockchain proprietária, não descentralizada, ou seja, manipulável pelos seus desenvolvedores ii) o uso de uma Blockchain inefetiva com ecossistema de frágil alcance que não entregaria a velocidade e eficiência almejada iii) o uso de uma Blockchain que não seja open source apesar de se apresentar no mercado como tal.
Dessa forma, é sugerido que a Política Municipal de Dados Abertos e Transparência Ativa da cidade de São Paulo siga como referência Blockchains como o da Receita Federal e como vem sendo desenhado pelo Banco Central[2], que está migrando seu atual Sistema de Pagamentos Brasileiros para uma infraestrutura que possibilite a total compatibilidade do Real Digital com outras integrações existentes no mercado.
Espera-se que a PRODAM (empresa de serviço de processamento de dados do Município de São Paulo) e o TCM ajudem a organizar a implementação do Blockchain da cidade de São Paulo com vista a alcançarmos uma rede de fato interoperável, eficiente, segura e aberta a qualquer interessado, melhorando o engajamento cívico como almejado na concepção da lei que instituiu a Política Municipal de Dados Abertos e Transparência Ativa da cidade de São Paulo.
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[1] http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17901-de-11-de-janeiro-de-2023
[2] https://cointelegraph.com.br/news/taking-ethereum-as-inspiration-central-bank-of-brazil-announces-creation-of-blockchain-for-the-national-payments-system