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Reforma tributária: entenda as propostas no Congresso e o que muda na sua vida

PEC 110, no Senado, e PEC 45, na Câmara, querem unir impostos aplicados ao consumo em um só, o IBS

reforma Tributária
Crédito: Pixabay

Há anos que se fala em uma reforma tributária no Brasil. Entre os projetos atualmente debatidos no Congresso Nacional, duas Propostas de Emenda à Constituição propõem alterações mais profundas: a PEC 110/2019, originada no Senado, e a PEC 45/2019, de iniciativa da Câmara.

Ambas têm essencialmente um ponto em comum: substituir diversos tributos aplicados ao consumo por um só, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

O que é a reforma tributária?

Hoje, quatro propostas que alteram tributos chamam atenção no Congresso:

  • a reforma do Imposto de Renda (PL 2.337/2021);
  • a proposta de unificação do PIS/Cofins em uma só contribuição social chamada CBS (PL 3.887/2020);
  • a PEC 110/2019, de iniciativa do Senado, que é o tema principal deste artigo;
  • e a PEC 45/2019, de iniciativa da Câmara dos Deputados e que espelha a PEC 110.

A PEC 110 e a PEC 45 propõem alterações mais profundas no sistema tributário previsto hoje na Constituição. Vale lembrar que, apesar do objetivo de simplificar o sistema tributário brasileiro, essas propostas não necessariamente implicam na diminuição dos tributos a serem pagos.

Qual o objetivo de uma reforma tributária?

O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos e burocráticos do mundo, em razão das competências tributárias conferidas pela Constituição de 1988 para que União, estados e municípios instituam os seus próprios impostos. Isso provoca uma superposição de tributos sobre uma mesma situação.

Por exemplo, a compra de um carro está sujeita, ao mesmo tempo, às contribuições para o PIS e a Cofins, que incidem sobre receitas, e ao IPI (Imposto sobre produtos Industrializados), estes de competência da União; e ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de competência dos estados.

A alta carga tributária, a complexidade e a burocracia que naturalmente resultam dessa pluralidade de tributos sobre a compra de um mesmo bem dificultam o empreendedorismo e o crescimento econômico no Brasil. Além disso, um imposto como o IPI tem alíquotas diferenciadas por produto, o que na prática cria litígios em razão de contribuintes e fisco discordarem da classificação fiscal de produtos, enquanto um imposto como o ICMS, de competência estadual, pode ter suas alíquotas e regras diferenciadas por estado e por produto.

Pesquisas apontam que uma empresa brasileira leva, em média, 1.501 horas por ano para cumprir todas as regras necessárias para pagamento dos mais diversos tributos que incidem sobre as suas atividades.

Um levantamento feito pela consultoria PwC indica que os contribuintes de países que fazem parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – entidade na qual o Brasil tenta ingressar – gastam somente 158,8 horas por ano, em média, para cumprir todas as regras necessárias para pagamentos de tributos.

No Brasil são cerca de 400 mil normas federais, estaduais e municipais publicadas nos últimos 30 anos. A atual forma de organização do nosso sistema tributário enfraquece o potencial de desenvolvimento de empresas, que não conseguem arcar com os custos deste sistema de tributação.

Além disso, essa multiplicidade de normas e de autoridades fiscais que podem cobrar tributos – União, 26 estados, Distrito Federal e mais de 5.600 municípios, muitas vezes com entendimentos e orientações contraditórias aos contribuintes – causa grande insegurança jurídica às empresas.

A consequência é fácil de notar para quem atua na área tributária diariamente. Cada vez é mais comum apontar exemplos de multinacionais que decidem encerrar as suas operações no Brasil.

Sendo assim, não existe dúvida de que uma reforma tributária que simplifique o sistema tributário brasileiro poderia facilitar a atração de novos investimentos, o desenvolvimento das empresas já instaladas no Brasil e traria grandes benefícios à economia do país.

Quais são as propostas de reforma tributária mais profunda?

Duas PECs em tramitação no Congresso têm como objetivo introduzir alterações mais drásticas ao sistema tributário: a PEC 45/2019, em trâmite na Câmara, e a PEC 110/2019, em trâmite no Senado.

Elas sugerem substituir vários tributos que atualmente se sobrepõem em nosso sistema por um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos moldes de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Para compreender tais propostas, é preciso entender o conceito de IVA, espécie de imposto muito comum na Europa e em outros países desenvolvidos, que também é usado no Brasil, no entanto, com diversas adaptações que são consideradas distorções em relação ao padrão internacional.

O IVA é um imposto que incide nas diversas etapas da cadeia econômica. Imagine uma fábrica que vende seu produto por R$ 100 a um supermercado, e o supermercado revende esse mesmo produto para o consumidor final por R$ 150.

Se a tributação se dá por meio do IVA, com uma alíquota de 10%, a fábrica vai vender para o supermercado por R$ 100, e vai pagar R$ 10 de IVA. O supermercado vai vender o produto para o consumidor final por R$ 150, mas terá o direito de se creditar do valor pago na operação anterior (crédito de R$ 10), que poderá abater do valor do imposto por ele devido na revenda de forma que ao final só pague o IVA de 10% sobre o valor agregado, ou seja, sobre os R$ 50 adicionais que ele acresceu ao preço na revenda, ou seja, ele irá recolher um IVA de R$ 5.

No fim, o produto de R$ 150 foi tributado em R$ 15 (10%), mas a fábrica pagou uma parte do imposto (R$ 10) e o supermercado pagou a outra, calculada sobre o valor que agregou (R$ 5). Isso é o IVA.

Hoje uma lógica semelhante ao IVA é usada pelo ICMS, pelo PIS/Cofins e pelo IPI. Mas são tributos com regras complicadas, que geram muitos litígios entre autoridades fiscais e contribuintes.

As PECs 110 e 45 propõem a extinção de ICMS (hoje cobrado pelos estados), PIS/Cofins (cobrado pela União) e ISS (o Imposto Sobre Serviços cobrado pelos municípios). Esses tributos seriam substituídos por um ou dois Impostos sobre Bens e Serviços (IBS), que seriam um tipo de IVA.

O IBS deve incidir sobre todos os bens e serviços, compreendendo tanto os bens tangíveis (coisas, como um computador, por exemplo), como intangíveis (por exemplo, o software do computador). De acordo com a proposta do relator da PEC 110 no Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), seriam instituídos dois IBS, um de competência federal e outro de competência conjunta de estados e municípios.

A criação do IBS, no entanto, acabaria com as discussões sobre a natureza, em especial de negócios da economia digital, pois abole a necessidade de distinção entre serviço e bem para fins de determinação de qual o imposto com competência para tributar (ICMS dos estados ou ISS dos municípios) determinada operação.

Recentemente, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ISS incide sobre o licenciamento de software (ADI 1945), afastando a cobrança do ICMS sobre bens digitais, mas essa decisão veio depois de mais de uma década de indefinição. Tanto a PEC 45 como a PEC 110 resolveriam esse impasse, definindo que todas as operações com bens (tangíveis ou intangíveis) e serviços estariam sujeitas a um tributo só, o IBS.

Ambas as PECs instituem ainda um imposto seletivo para tributação de determinados bens e serviços cujo consumo o legislador quer desincentivar, o famoso “imposto do pecado”: por exemplo, existe sugestão de tributação extra de cigarros pelo imposto seletivo, cuja incidência seria alternativa à do IPI.

Entenda a PEC 110/2019 (Senado)

O IBS, na proposta original de reforma tributária, funcionaria como um imposto estadual, com o objetivo de unificar e substituir cerca de 9 tributos: ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação. Já na emenda proposta pelo relator, senador Roberto Rocha, em lugar de um teríamos dois IBS.

O IBS de competência da União resultaria da unificação IPI, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis (deixando de fora o IOF e o Salário-Educação), enquanto que o de competência conjunta de estados e municípios resultaria da unificação do ICMS e do ISS.

Em qualquer um dos casos, as regras para a instituição do IBS seriam as mesmas em todo o país, o que eliminaria um dos maiores inconvenientes do sistema atual, em que cada estado e município têm competência para criar as suas próprias regras sobre apuração e arrecadação do ICMS e do ISS, respectivamente.

A PEC prevê também que o IBS será cobrado de forma direta: sobre o valor da operação aplica-se a alíquota. Ou seja, não haverá a inclusão do tributo na própria base de cálculo, como ocorre hoje com o ICMS. Além disso, a cobrança do tributo será realizada no local de destino da operação e não da origem, e o imposto será não cumulativo. Isso significa que havendo a incidência do imposto em uma operação o valor pago será utilizado como crédito a ser abatido do valor devido na próxima etapa. Como o sistema de créditos do IBS será mais amplo do que o atual do ICMS, o IBS será um verdadeiro tributo sobre o valor agregado.

A proposta original da PEC 110 permite a fixação de alíquotas diferenciadas em relação a determinados bens e serviços, a depender do setor. Contudo, na emenda do senador Roberto Rocha, estados e municípios poderão fixar suas próprias alíquotas, que serão somadas para se determinar a alíquota final do IBS. Essas alíquotas, porém, se aplicarão a todos os bens e serviços, exceto nos casos de regimes diferenciados estabelecidos em Lei Complementar. O texto original prevê a possibilidade de instituição de um adicional do IBS para a Previdência Social.

Como regra, é vedada a concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários e financeiros do IBS, exceto para certos setores previstos na proposta original, como medicamentos e alimentos. Na emenda do senador Roberto Rocha, porém, caberá à Lei Complementar definir que setores poderiam gozar de regimes diferenciados, especiais ou favorecidos de tributação.

Ademais, o Imposto Seletivo (ou “imposto do pecado”) tem uma função extrafiscal na PEC 110/2019, sendo que no texto original já estariam determinadas as operações e produtos que representem externalidades negativas que sofrerão a tributação desse imposto, enquanto que na emenda proposta caberia à lei determiná-las.

Interessante notar que a proposta prevê que o valor arrecadado com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) será repassado aos municípios, retirando esse imposto do âmbito estadual. E o IPVA englobaria também embarcações e aeronaves.

Pela proposta, os municípios também aproveitariam a arrecadação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), por mais que a cobrança passe do âmbito estadual para o federal.

A PEC 110 prevê ainda o fim da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que seria incorporada ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica para simplificar a tributação.

O período de transição para o novo sistema tributário será, para a cobrança dos tributos, de cinco anos na proposta original ou sete anos na emenda proposta pelo relator, e de 15 anos para a partilha de recursos entre a União, os estados e os municípios.

Entenda a PEC 45/2019 (Câmara)

Essa PEC de reforma tributária propõe a unificação de cinco tributos (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) em um único imposto: o IBS, com uma alíquota igual e semelhante para todos os setores da economia.

Nos termos da proposta, o IBS será um tributo federal, ou seja, cobrado pela União, e deverá ser instituído por meio de Lei Complementar, que necessita de um quórum de maioria absoluta para aprovação.

Aqui, por mais que a proposta tenha a previsão de uma alíquota única, cada ente federativo (União, estados e municípios) deverá determinar uma parcela da alíquota. Assim, serão várias “sub-alíquotas” que formarão uma única alíquota a ser aplicada para a cobrança fiscal.

Imagine o seguinte exemplo: a União cobra uma alíquota de 10% (que será uniforme no território nacional), o estado de São Paulo cobra uma alíquota de 15% (que será uniforme no estado), o município de São Paulo estabelece uma alíquota de 3% e o município de Bauru estabelece uma alíquota de 1%.

Se eu compro uma geladeira em São Paulo, será tributada com alíquota de 28% (10% + 15% + 3%). Se a mesma geladeira for comprada em Bauru, será tributada com alíquota de 26% (10% + 15% + 1%).

O IBS da PEC 45 incidirá sobre o valor da operação de venda ou da prestação de serviço, não havendo diferença de alíquotas pela característica do produto ou do serviço. Importante notar que o imposto também incidirá sobre bens intangíveis, como marcas e patentes.

Essa proposta acaba com a concessão de benefícios tributários.

Na PEC 45, o imposto seletivo (ou “imposto do pecado”) será criado pela União e não terá finalidade arrecadatória. O objetivo seria apenas regular ou até desestimular o consumo de certos produtos ou serviços – mesmo conceito do “imposto do pecado” previsto na PEC 110 detalhado acima). O valor será repassado à seguridade social.

A transição para o novo sistema tributário segundo essa proposta seria de 10 anos para a cobrança dos tributos e de 50 anos para a partilha dos valores arrecadados entre os entes da federação.

Principais diferenças entre as PECs

O que chama mais atenção ao comparar as duas propostas de reforma tributária é a diferença na competência tributária.

Enquanto na PEC 110 o IBS funcionará como um imposto de competência conjunta de estados e municípios e deverá ser instituído pelo Congresso, na PEC 45 o IBS será um imposto nacional, instituído por Lei Complementar. Em ambos os casos o resultado da arrecadação será partilhado entre os entes competentes.

A PEC 110 prevê uma maior redução do número de tributos: ao invés de cinco, como previsto na PEC 45, poderão ser até nove tributos unificados em um só.

Na proposta de emenda do relator da PEC 110, o modo de determinação da alíquota do IBS de competência de estados e municípios segue o modelo da PEC 45, em que os entes federativos definem as “sub-alíquotas”, mas na proposta de emenda da PEC 110 podem ser fixadas alíquotas distintas para determinados bens e serviços para os setores que gozem de regime diferenciado, enquanto na PEC 45 haverá uma alíquota única para tudo.

Outro ponto de diferença importante entre as duas propostas de reforma tributária são os benefícios fiscais. A diferença é drástica. A PEC 110 autoriza a concessão de benefício fiscal por Lei Complementar. Já a PEC 45 não permite a concessão de benefício fiscal algum.

A transição para o novo sistema tributário também é bastante diferente. De um modo geral, podemos dizer que o período de transição previsto na PEC 45 tem quase o dobro de tempo daquele previsto na PEC 110. Até o período de teste é maior na PEC 45: na PEC 110 existe previsão de uma contribuição-teste de 1% sobre a base de cálculo de incidência do IBS por um ano. Na PEC 45, esse prazo de teste é de dois anos.

A maior diferença do período de transição está na partilha de recursos. Enquanto na PEC 110 a transição permanecerá por até 15 anos, essa janela na PEC 45 chega a 50 anos.

Além disso, a PEC 45 não aborda a extinção da CSLL e não prevê o repasse da receita do ITCMD e do IPVA aos municípios, como está previsto na PEC 110.

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