High Frequency Trading

Quando a velocidade no mercado de ações ultrapassa o limiar seguro

Garantia de segurança do mercado e seus investidores, através de regulação adequada, é imperativa em tempos incertos

Crédito: Pixabay

Em meio à pandemia que assola a humanidade, especialistas econômicos debatem acerca do futuro do mercado global. Recentemente, Gilson Finkelsztain, CEO da B3 (Brasil, Bolsa, Balcão), declarou[1] que a competição global por recursos financeiros pode ser benéfica ao Brasil, na medida em que a redução de juros e medidas institucionais atrairão recursos estrangeiros pressionados pela competição global. O otimismo do executivo pauta-se na resistência à alta volatilidade da bolsa brasileira, e principalmente no aparente aumento da liquidez em escala global.[2]

No mundo dos investimentos, “liquidez” diz respeito a um recurso de mercado no qual um player pode comprar ou vender rapidamente um ativo sem causar uma mudança drástica em seu preço. A importância deste recurso jaz principalmente nesta rapidez de compra ou venda de um ativo, e está geralmente associado a menos risco de investimento, já que há maior segurança de que haverá alguém disposto a assumir a negociação.

Um dos grandes problemas de liquidez, no entanto, ocorre quando a iliquidez do mercado afeta a sua volatilidade – a variação do preço de uma ação em um curto período de tempo. No momento em que a rápida compra e venda de ativos alteram drasticamente o preço de ações, além da possível perda de capital, muitos investidores perdem o incentivo de arriscar, afetando gravemente o pregão. Os recentes circuit breakers em sucessão na B3 demonstram claramente os efeitos de alta volatilidade no mercado, apesar de causados pelo temor do início da pandemia.

Surpreendentemente, há estratégias de investimento que possuem efeitos colaterais capazes de gerar semelhante iliquidez e volatilidade no mercado, e devem ser observados atentamente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador competente. Com a capacidade de gerar alto rendimento, mas com potencial devastador, a estratégia de High Frequency Trading (HFT), ou negociações de alta frequência, crescente no Brasil, pode colocar em xeque o otimismo acerca da liquidez global, e consequentemente um cenário mais positivo para a bolsa de valores brasileira, como anunciado por Finkelsztain.

O HFT, amplamente utilizado em outros países, e estratégia dominante nos EUA – estimado[3] em aproximadamente 60% das operações nas bolsas do país – já possui aderência no Brasil, contabilizado[4] em aproximadamente 35% das operações na B3. Este método de negociação usa algoritmos e programas de computador para realizar um grande número de ordens na bolsa, em frações de segundo. Estes complexos algoritmos tem a capacidade de analisar mercados distintos e executar pedidos com base nas condições de cada mercado, mais rápido que investidores comuns. É nesta ágil execução, nos milissegundos denominados de “flash”, que os High Frequency Traders (HFTs) obtém uma considerável vantagem sobre seus competidores.

Em termos práticos, quando um investidor “menos ágil” registra uma ordem de compra ou venda no sistema interno da bolsa de valores, o algoritmo dos HFTs processa essa posição, e antes que a ordem do investidor chegue à bolsa, no período de “flash”, as máquinas destes traders interferem na posição, negociando blocos das mesmas ações, de forma mais rápida que o outro investidor. A consequência deste método é que a ordem inicial falhará; o software do investidor atualizará os valores das ações para um preço substancialmente diferente (geralmente muito superior ao que ele está disposto a desembolsar ou muito inferior a receber); gerando um possível problema de liquidez e volatilidade, tudo em uma fração de segundos.

Não obstante, esta estratégia, que utiliza o “flash” como vantagem, não seria um problema, se realizada apenas por investidores regulares ou day traders. O problema se inicia quando os Formadores de Mercado (players responsáveis por garantir liquidez no mercado) tornam-se os mesmos que criam esta disparidade, por serem investidores sofisticados e com capital suficiente para implementar esta tecnologia. Além disso, se agravam as desigualdades no mercado quando essa vantagem se torna dominante, diante de outros investidores que não têm meios para usar ou desenvolver essa tecnologia.

Desta forma, para se alcançar o desenvolvimento seguro do mercado brasileiro, bem como garantir a concretização e durabilidade das previsões da B3, a experiência de outros países com o HFT pode ser de grande auxílio. Mesmo sendo objeto de regulação direta da Securities and Exchange Commission, CVM norte-americana, como a Regulation NMS de 2005 e suas emendas, o HFT continua a gerar instabilidade e imprevisibilidade no mercado dos EUA. A dificuldade em resolver estas questões se dá principalmente pela (i) complexificação legislativa e (ii) rápido desenvolvimento da tecnologia.

Primeiro, a Regulation NMS e suas emendas foram consideradas como uma “microgestão” das bolsas de valores dos EUA, e transformou estes mercados em ambientes mais complexos e sofisticados, abrindo caminho para investidores mais robustos assumirem o controle. Assim, curiosamente, esta regulação em vez de reduzir as disparidades nas bolsas, ao proporcionar mais eficiência ao sistema, fortaleceu o desenvolvimento dos instrumentos utilizados por High Frequency Traders e suas operações.

O Brasil, país que não compartilha do sistema de common law – sistema norteado por decisões judiciais, em detrimento da redação legislativa – como os EUA, poderá enfrentar ainda maior dificuldade quanto a este ponto. A extensa e complexa produção legislativa brasileira já é objeto de debate, podendo, se complexificada em demasia, tornar mais difícil a aplicação da regulação devida, em determinados casos.

Segundo, o ritmo em que a tecnologia se desenvolve é muito mais rápido que o ritmo em que os reguladores emitem uma resposta adequada e eficaz para determinado problema. À medida em que as tecnologias voltadas ao mercado emergem com maior frequência e em ritmo mais acelerado, como o desenvolvimento dos algoritmos utilizados por HFTs, o trabalho regulatório se torna mais árduo, e a urgência em endereçá-las, nem sempre possibilita a edição de uma medida eficaz em sua totalidade.

As instituições regulatórias do Brasil têm se demonstrado abertas às novas tecnologias, e respondido de forma consideravelmente eficaz, como ocorreu com a regulação das criptomoedas e mais recentemente a adesão ao sistema de open banking, por exemplo. Desta forma, os reguladores brasileiros que atuam no mercado de ações e no Sistema Financeiro Nacional parecem estar preparados para analisar e se dirigir às questões que possam surgir a partir do desenvolvimento do HFT e seus instrumentos tecnológicos, no Brasil. No entanto, o preço a se pagar pela mora ou ineficácia na regulação do HFT no país, pode custar caro, tendo em vista que uma abrupta redefinição dos parâmetros do mercado nacional podem causar consequências extremamente nocivas, como ocorreu nos EUA.

Esta estratégia de investimento, que vem sendo abordada até por aclamados autores, como o best-seller Michael Lewis em sua obra “Flash Boys”, redesenhou o mercado de ações no mundo, e atraiu grande atenção devido ao seu impacto na economia global. Nos EUA e em certos países da Europa, sua imprudente utilização pode representar perigo à liquidez de mercado, afetando as previsões de Finkelsztain, ainda que remotamente.

Ademais, apesar de o Brasil não possuir uma bolsa tão robusta como países dominados por HFTs, ou número suficiente de players sofisticados para afetar o pregão com este método, o crescimento do HFT deve ser observado atentamente por órgãos reguladores nacionais. A garantia de segurança do mercado e seus investidores, através de regulação adequada, é imperativa em tempos incertos como o vivenciado, e poderá ainda respaldar as previsões otimistas da liderança da B3, mesmo em face de uma suposta mudança no cenário econômico global.

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[1] https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN2253PV-OBRBS

[2] Idem.

[3] https://www.bloomberg.com/news/articles/2013-06-06/how-the-robots-lost-high-frequency-tradings-rise-and-fall

[4] https://arte.estadao.com.br/focas/estadaoqr/materia/os-robos-do-mercado-financeiro-entre-oportunidades-e-riscos

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