PLP 149/20

PLP 149: efeitos tributários do pacote de socorro aos estados e municípios

Redação aprovada cria contexto jurídico favorável aos contribuintes inadimplentes de ICMS e ISS

MP 1185
Crédito: Pixabay

Em virtude da grave crise econômica que se avizinha, fruto da implementação das medidas necessárias ao combate à proliferação da Covid-19, têm sido amplamente divulgadas as alterações legislativas pelas quais o Poder Público busca atenuar os impactos desse quadro, que nos levou ao estado de calamidade pública.

Até o momento, são inúmeras as medidas adotadas para esse fim, grande parte oriunda do Poder Executivo. Mas o que muito se discute é a iminente implementação do socorro financeiro aos estados, municípios e Distrito Federal, que ainda segue tramitação no Congresso Nacional.

Não há a menor dúvida a respeito da complexidade que envolve a edição de ato normativo que possa, adequada e proporcionalmente, socorrer a todos os Entes Federativos de um país continental como o nosso, cada qual com suas particularidades socioeconômicas.

De fato, são inúmeros os dilemas enfrentados para oferecer normativo apropriado, que, de um lado, atenda às necessidades de estados e municípios, e, do outro, não desestabilize a austeridade e a capacidade financeira da União Federal. Não faria sentido criar desequilíbrio nessa balança. E o grau de dificuldade ainda se acentua ao considerarmos que os trabalhos legislativos devem ser concluídos sob regime de urgência.

Muito se discute, por exemplo, sobre a necessidade de tal socorro financeiro ser oferecido mediante contraprestações dos entes socorridos (em linha com os preceitos do Plano Mansueto). Embora se trate de questão relevantíssima ao debate – principalmente diante das cifras envolvidas – não é o que se pretende abordar neste texto.

Ponto de enfoque que ora nos interessa é a metodologia que consiga apurar precisamente o quantum a que cada um dos entes envolvidos faz jus para manutenção de suas atividades e, principalmente, enfrentamento do quadro de crise.

Tendo esse aspecto como parâmetro, passemos a tratar do Projeto de Lei Complementar nº 62/2020, instaurado perante a Câmara do Deputados. Trata-se de projeto de relatoria do Deputado Federal Eduardo Bismarck, proposto inicialmente para suspensão das dívidas dos estados e municípios com a União Federal, viabilizando o reequilíbrio das contas públicas de tais entes.

Após inúmeras propostas de emendas, a redação final (intitulada PLP 149-B[1]) foi enviada ao Senado Federal, dispondo que (art. 2º) “a União entregará nos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2020, observados os montantes, os critérios, os prazos e as condições previstos neste artigo, auxílio financeiro a título de compensação da queda da arrecadação do” ICMS e ISS. (grifos)

Em sequência (§1º), tem-se a proposta de que “o auxílio financeiro (…) corresponderá à diferença nominal, se negativa, entre a arrecadação do ICMS e do ISS de cada estado, do Distrito Federal ou do município nos meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2020 e a arrecadação nos mesmos meses do exercício de 2019”.

A partir de tal proposta legislativa, que se encontra sob o crivo do Senado, caberá à União financiar, a título de compensação, a “diferença nominal negativa de arrecadação” que venha atingir estados, Distrito Federal e municípios nos meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2020, tomando-se por parâmetro o mesmo período do ano de 2019.

Ainda de acordo com o projeto, para atingir a “diferença nominal negativa de arrecadação”, estipulou-se (§5º) como método aferir “a arrecadação dos tributos referidos (…) de cada ente federado, comparada com a do mesmo mês de 2019, (…) comprovada em anexo ou demonstrativo de apuração da receita corrente líquida integrante do Relatório Resumido da Execução Orçamentária de que trata a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000” (grifos).

Avaliando as premissas normativas acima, numa primeira leitura, imagina-se que o socorro financeiro a ser promovido pela União Federal tem como alvo, precisamente, o “vácuo” criado pela redução drástica do volume de operações comerciais (gerada pelas medidas de isolamento social), que, consequentemente, impactam negativamente a arrecadação tributária.

Ocorre que há hipóteses que levam à diminuição de arrecadação tributária (aferida pelo projeto legislativo a partir da redução da receita líquida de estados e municípios), mas que não se devem simplesmente à redução do volume de operações comerciais.

Exemplo disso, tem-se a operação comercial que efetivamente ocorreu, com a devida emissão de nota fiscal (e seu destaque de ICMS ou ISS), mas em relação à qual o contribuinte, em função da previsível dificuldade financeira, opta por não recolher o imposto devido, visando destinar seu “caixa” às obrigações mais “imediatas”, tais como aluguel, empregados, fornecedores, etc.

Certamente a hipótese acima já compõe o cenário de queda de arrecadação (de receita líquida) assistida por estados e municípios, e tem potencial de se tornar parcela ainda mais relevante, a depender do grau da recessão econômica que está por vir.

Pois bem. Diante da amplitude da norma proposta pela Câmara dos Deputados, caso a redução de arrecadação venha a ocorrer não somente por conta da redução do volume de operações comerciais, mas pela inadimplência tributária, nada muda quanto ao ônus da União Federal saldar esse desfalque.

E qual o propósito de se abordar essa distinção?

Em resposta, surge a seguinte indagação: na medida em que o impacto negativo na arrecadação tributária gerado por inadimplência deverá ser financiado pela União Federal a título de compensação, poderá o estado/município promover, em segundo momento, a persecução tributária em relação a essa dívida inadimplida?

Ora, se há norma prevendo expressamente que, em caso de estados e municípios perceberem redução de arrecadação em períodos determinados, estarão aptos a receber “auxílio financeiro” da União Federal a título de compensação, tem-se a extinção da obrigação tributária inadimplida, de acordo com o art. 156, II, do Código Tributário Nacional[2].

Levando-se a efeito, caso estados ou municípios sejam “contemplados” com auxílio financeiro de que trata o projeto legislativo em questão, a cobrança de valores por ventura inadimplidos pelo contribuinte, indiretamente “custeados” pela União Federal, representaria bis in idem (conceito jurídico não muito adequado para essa hipótese) ou, ao menos, enriquecimento ilícito do Erário.

Essa premissa também se aplica às inadimplências ocorridas em relação ao pagamento de parcela de programas de parcelamentos ordinários e especiais que envolvem ICMS e ISS.

Mais interessante, a partir do racional acima, tem-se em relação às medidas judiciais propostas por contribuintes, que visam autorização para diferimento das obrigações tributárias quanto ao ICMS e ISS.

Entende-se que passam a estar esvaziadas, já que, diante do regular autolançamento, a ausência de pagamento (ainda que sob o manto do diferimento) tende a impactar negativamente a arrecadação, desfalque que, automaticamente será purgado por ato de compensação financeira da União Federal.

Logo, conclui-se que, futuramente, não haverá necessidade de se cumprir a obrigação diferida, porquanto o pagamento restará suplantado automaticamente pela dita compensação.

Pautado nessas disposições da proposta legislativa que se tem em mãos, caso venha a ser sancionada sem alteração de redação, há fundamentos para se defender que o socorro aos estados e municípios se estende, indiretamente, aos contribuintes inadimplentes.

Resta acompanharmos o deslinde do PLP 149/20 perante o Senado Federal, a confirmar se será mantido o conceito proposto pela Câmara dos Deputados, ainda que haja alteração de redação. Perante o Senado, já existem diferentes propostas de emendas nesse particular.

 


[1] Durante sua tramitação, houve o apensamento ao PLP 149/2019, já que tratava do mesmo tema e estava em estágio legislativo mais avançado (em fase de análise da Comissão Especial).

[2] “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (…) II – a compensação;”.