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‘Plano Marshall’ brasileiro: comecemos pelas jabuticabas tributárias

Orientação geral do Fisco pode ajudar a expansão de empresas brasileiras no exterior

Imagem: Pixabay

Em tempos de COVID-19, além das medidas emergenciais para enfrentamento da pandemia, são fundamentais as propostas econômicas tanto para a recuperação do País no curto prazo quanto para o reposicionamento global do Brasil no longo prazo.

Nesse contexto de crise, é importante estarmos atentos a espaços deixados abertos por outros países e a oportunidades de aumento estratégico da presença do Brasil no plano internacional. Se há algo que a pandemia deixou claro é a interconexão entre as economias mundiais e o dinamismo da globalização.

Carlos Von Doellinger (presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA), em reportagem publicada no Valor Econômico, destaca que já trabalha numa espécie de “Plano Marshall” brasileiro, prevendo alguns eixos que devem nortear a proposta de recuperação da economia. Entre eles, ressalta, será necessário “um trabalho de promoção no exterior e diversificação da pauta de exportações”.

Em outra reportagem do Valor Econômico, Alejandro Werner (diretor para o Hemisfério Ocidental do FMI) afirmou estimar que o Brasil terá recuperação mais lenta em 2021 (previsão de crescimento de 2,9% do PIB) quando comparada à de outros países da América Latina, como Chile e Peru (previsão de crescimento de 5,3% e 5,2% do PIB, respectivamente). O motivo? Teríamos problemas estruturais, como o baixo nível de investimento e a economia ainda muito fechada.

Parte relevante desses desafios estão no campo tributário.

Parece chegada a hora de o Brasil reanalisar medidas tributárias e orientações gerais estabelecidas no passado para que mais uma vez não fique para trás. A política fiscal precisa estimular investimentos e, consequentemente, fomentar o crescimento econômico.

Um dos temas jurídicos mais controversos e que poderia, de pronto, ser resolvido pelo Poder Executivo diz respeito à tributação dos lucros auferidos no exterior por meio de controladas de empresas brasileiras.  A discussão envolve a aplicabilidade dos tratados internacionais para a evitar a dupla tributação versus a legislação brasileira (atualmente a Lei 12.973/14), com a consequente manutenção de uma insegurança jurídica que comemorará duas décadas.

Em sentido oposto ao que estabelecem os tratados internacionais para a evitar a dupla tributação de que o Brasil é signatário, insiste-se na tributação anual dos lucros das controladas estrangeiras, no País, independentemente de qualquer ato abusivo e na contramão das demais nações.

A tributação na forma defendida pelo Fisco reduz a lucratividade das controladas no exterior e onera o custo do capital investido, impactando a competitividade internacional das empresas brasileiras[1]. Quanto maior o custo tributário, menor o retorno aos acionistas e o estímulo a novos investimentos – necessários ao crescimento de qualquer nação[2]. A manutenção de um sistema tributário fechado ao contexto internacional, afeta, em um ciclo contínuo, a concorrência internacional do próprio País[3].

O curioso, entretanto, é que a interpretação fazendária contraria o que já estabelece a legislação pátria[4]. Nesta perspectiva, bastaria ato vinculante da administração pública federal reconhecendo o que está posto: a norma geral não se aplica à tributação dos lucros autolimitada de acordo com os tratados internacionais (norma específica), não obstante as criativas nomenclaturas[5] utilizadas pela legislação brasileira.

A continuidade da insegurança jurídica arraigada no sistema tributário brasileiro, além de não assegurar arrecadação, pelo contrário, restringe o investimento internacional e carrega litígios expressivos quanto a períodos passados e longe de serem concluídos. Onera-se tanto os contribuintes quanto o Estado.

Para alcançar desenvolvimento ao mínimo equiparável aos dos demais países da América Latina, é de grande valor repensar a estratégia tributária, contraditória, que vem sendo adotada pelo País.

A retomada da economia tende a ser tanto mais eficiente quanto coerentes as medidas para o alcance do mercado internacional.

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[1] Cf. FERRARI, Bruna Camargo. BEPS no Brasil: Negócios Híbridos, Normas CFC e Competitividade Internacional. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 177 e seguintes.

[2] Cf. World Economic Forum. The Global Competitiveness Report 2015-2016I, World Economic Forum, Genebra, p.50. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/gcr/2015-2016/Global_Competitiveness_Report_2015-2016.pdf

[3] Quanto ao impacto de normas restritivas de tributação de lucros auferidos no exterior na competitividade internacional das jurisdições e de suas multinacionais: OECD. Designing Effective Controlled Foreign Company Rules, Action 3 -2015 Final Report, OECD/G20 Bae Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2015, pp.15-16.

[4] De acordo com o artigo 98 do CTN: “ os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

[5] A redação atual da legislação (Lei 12.973/14, art.77) determina que é a variação do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior e equivalente aos lucros por ela auferidos que deverá ser tributada no Brasil. A norma tenta sugerir, portanto, que não se tributam os lucros da controlada, mas sim o acréscimo patrimonial na empresa brasileira. Porém, a expressão utilizada é mero jogo de linguagem, não se alterando o objeto da tributação: os lucros.