Lucas Carneiro
Líder do Contencioso Estratégico Cível e Criminal da StoneCo
O meio digital tornou-se um campo essencial para a divulgação de marcas, produtos e serviços. Cada vez mais, campanhas publicitárias são realizadas em redes sociais, em plataformas de compartilhamento de conteúdo e, em especial, nas denominadas plataformas de anúncios vinculadas a buscadores de conteúdo, cujos maiores exemplos são o Google Ads e o Bing Ads.
De forma simplificada, essas plataformas vinculadas a buscadores funcionam da seguinte maneira: o usuário, ao pesquisar determinada palavra ou expressão, também obtém como resultado alguns “anúncios patrocinados” contendo endereços eletrônicos de empresas que, por meio de leilões, adquiriram termos relacionados aos pesquisados. Por exemplo, ao buscar o termo “celular”, o usuário possivelmente terá como resultado um anúncio de alguma fabricante de celular e/ou de algum marketplace que realize a venda desse produto.
Porém, o que era para servir como um válido mecanismo de publicidade acabou se tornando uma ferramenta para a prática de condutas questionáveis. Isso porque empresas passaram a adquirir palavras-chave vinculadas a marcas nominativas e nomes comerciais de suas concorrentes, fazendo com que seus sites apareçam como primeiros resultados das buscas direcionadas a essas concorrentes. Essa prática objetiva aproveitar o renome de marcas consolidadas para impulsionar outras, bem como desviar clientela.
Assim, é possível entender que a aquisição de palavras-chave vinculadas a marcas nominativas e nomes comerciais de concorrentes é uma violação à Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Isso porque a compra de marcas nominativas de concorrentes parece configurar uma violação do direito de marca, nos termos dos artigos 129 e 189 da Lei de Propriedade Industrial. A aquisição também viola o artigo 195, III e V, da lei, que classifica como crimes de concorrência desleal o emprego de meio fraudulento para desviar clientela e a utilização indevida de nome comercial. Além disso, a prática acaba resultando no encarecimento dos leilões dos termos, fazendo com que o seu efetivo titular precise despender um valor maior para adquiri-los, o que prejudica sobremaneira estratégias comerciais.
Apesar de ainda se tratar de tema relativamente recente e que envolve muitas dúvidas sobre os procedimentos adotados pelas ferramentas de busca (em especial pelas incertezas sobre questões algorítmicas), a jurisprudência parece consolidar-se no sentido de entender que a prática é uma espécie de concorrência desleal, não podendo ser classificada como mera “publicidade comparativa”. Sobre isso, vale conferir as seguintes ementas de julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP):
“Ação cominatória (abstenção de uso da marca 'Polomasther'), cumulada com pedidos de índole indenizatória. Decisão que determinou às corrés que cessassem a utilização da marca da autora no mecanismo 'Google Ads', fornecendo os dados de usuários que tenham pagado para utilizar tal expressão como palavra-chave. Agravo de instrumento da corré Google. Conduta, em abstrato, caracterizadora de concorrência desleal, conforme precedentes das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial. Configuração de aproveitamento parasitário, na medida em que a corré obtém lucro mediante comercialização não autorizada da propriedade intelectual alheia como palavra-chave de sua ferramenta 'Google Ads', permitindo que seus clientes, concorrentes da autora, atraiam clientela, aproveitando-se de fama no mercado que não é sua. Ausência de identidade entre esta prática e chamada 'publicidade comparativa', que se autoriza autorizada, desde que pautada em critérios objetivos (STJ, REsp 1.668.550, NANCY ANDRIGHI). Não há, 'in casu', objetividade na comparação viabilizada pela Google a seus clientes, que podem se utilizar a marca da autora em anúncios a seu livre arbítrio. Manutenção da decisão agravada. Agravo de instrumento desprovido”. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2228254-33.2021.8.26.0000, 1ª Câmara Reserva de Direito Empresarial, Rel. Desemb. Cesar Ciampolini, j. 01.12.2021)
“Propriedade industrial — Utilização da expressão 'MAXSORRISO' como palavra-chave para remissão a link patrocinado pela corré no serviço Google Ads – Improcedência – Inconformismo – Acolhimento - Prática nociva e que não se confunde com a propaganda comparativa – Precedentes — Responsabilidade solidária do provedor de aplicação de internet, que se extrai da contratação e da previsibilidade do resultado — Revisão do pronunciamento anunciado no voto originariamente proferido na sessão de 13 de abril de 2021 — Aplicação do artigo 941, §1º, do Código de Processo Civil — Danos morais in re ipsa — Responsabilidade da concorrente verificada — Desnecessidade de prova além da prática da contrafação — Indenização que, considerando as circunstâncias do caso, deve ser arbitrada em R$10 mil, valor equilibrado e que observa o binômio reparação/sanção — Recurso provido, vencidos o Relator Sorteado e o 5º juiz, que o proviam em parte”. (TJSP, Apelação nº 1030870-10.2020.8.26.0196, 1ª Câmara Reserva de Direito Empresarial, Rel. Desemb. Grava Brasil, j. 07.12.2021).
Ainda sobre a jurisprudência, também é importante destacar que a tendência parece ser a de se entender que os provedores de busca também praticam ilícito, na modalidade de “aproveitamento parasitário”, ao obter lucro com a comercialização não autorizada de propriedade intelectual alheia. Sobre isso, vale mencionar que a venda de anúncios patrocinados representa, na maioria dos casos, a principal receita dos buscadores.
Diante desse cenário de risco, é importante que as empresas revisem procedimentos internos para assegurar que as suas respectivas equipes de marketing estão adotando as melhores práticas de mercado, não adquirindo palavras-chave vinculadas a marcas nominativas e nomes comerciais de concorrentes. É importante que seja feita uma revisão constante desses procedimentos, bem como que os jurídicos internos forneçam as instruções adequadas às equipes de marketing sobre as práticas lícitas e recomendáveis.
Ademais, cabe ressaltar que, em razão de mecanismos das plataformas de anúncios digitais (como a correspondência ampla e a de frase), é possível que anúncios patrocinados continuem a aparecer mesmo que as respectivas empresas não estejam adquirindo palavras-chave de concorrentes. Isso pode ocorrer caso o usuário pesquise, em conjunto com a marca nominativa ou nome comercial, um termo genérico (marca nominativa + celular, por exemplo).
Uma forma de solucionar esse “problema” é a utilização de mecanismos de “negativação” (a ampla, em especial) de palavras-chave relativas às marcas nominativas e nomes comerciais de concorrentes, afastando dúvidas sobre a efetiva ausência de intenção de praticar concorrência desleal. Entretanto, cabe esclarecer que, em geral, esses mecanismos de negativação são mais restritos que os de correspondência. Assim, eles não costumam impedir que os anúncios continuem a aparecer nos resultados de pesquisas com variantes aproximadas (marca nominativa com erro de grafia, por exemplo).
Apesar de todos esses problemas, a solução de controvérsias relativas à aquisição de palavras-chave parece encontrar um bom caminho no estabelecimento, entre concorrentes, de compromissos recíprocos de não aquisição e de utilização de mecanismos de negativação. Essa forma de resolução extrajudicial tem se mostrado um caminho bastante eficaz e célere, não afastando, por óbvio, a possibilidade de acionar o Judiciário em situações de não cooperação entre os players.