Tributário

Os reflexos da Covid-19 na relação entre fisco e contribuintes

Antes, instrumentos voltados ao consenso eram considerados algo distante do Direito Tributário, agora, eles vão se aproximando

pandemia da covid-19
Crédito: Pixabay

Neste momento de pandemia que estamos vivenciando, em que muitas empresas tiveram uma brusca queda em seu faturamento, instrumentos como o Negócio Jurídico Processual (NJP) e a Transação Tributária podem ser um suspiro de alívio, tanto para os contribuintes quanto para o próprio fisco, uma vez que o aumento da litigância tributária será uma consequência inevitável.

Não é de hoje que se ouve falar que as execuções fiscais são as principais responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, decorrência da complexidade tributária e da litigiosidade aguerrida entre fisco e contribuinte. Esse cenário de baixa efetividade não passou despercebido pela Procuradoria da Fazenda Nacional que, já há algum tempo, tem buscado mecanismos alternativos de cobrança dos créditos tributários, complementares à tradicional decisão proveniente do Poder Judiciário.

Nos últimos anos tem-se notado por parte da Procuradoria da Fazenda Nacional um forte estímulo a utilização de mecanismos voltados ao consenso, sobretudo os negócios jurídicos processuais e as transações tributárias, institutos já previstos no ordenamento jurídico, mas que necessitavam de regulamentação.

Neste sentido, as Portarias nº 360 e 742 da PGFN passaram a regulamentar os negócios jurídicos no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, prevendo a realização de modalidades específicas entre os sujeitos da relação jurídico-tributária, especialmente aquelas relacionadas à calendarização da execução fiscal, ao plano de amortização do débito fiscal, à aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias, bem como ao modo de constrição ou alienação de bens.

Mais recentemente foi a vez da transação tributária (art. 171, CTN) ser regulamentada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, permitindo aos sujeitos ativo e passivo da obrigação celebrarem acordos mediante concessões mútuas que importe em determinação de litígio e consequente extinção do crédito tributário.

Após a conversão da Medida Provisória 899/2019 (a chamada “MP do contribuinte legal”)  na Lei 13.988/2020, foram editadas uma série de portarias da PGFN disciplinando a possibilidade de transação dos débitos inscritos em dívida ativa e estipulando as suas condições e seus limites. A novidade veio a calhar no cenário de pandemia instaurada pela Covid-19 e se tornou mais uma opção à disposição do contribuinte.

Dentre as modalidades de transação disponíveis, encontra-se a chamada transação individual, a transação extraordinária, a transação excepcional e a transação por adesão.

A transação extraordinária (Portaria 9924/20) é aquela em que não há possibilidade de descontos, mas somente oferecimento de prazos e formas de pagamentos especiais, incluídos o diferimento e a moratória. Assim, há condições pré-estabelecidas para adesão por parte dos contribuintes para que possam transacionar débitos federais sob administração da PGFN.

Após os avanços da pandemia provocada pelo coronavírus, a Procuradoria da Fazenda Nacional editou a Portaria 14.402/2020 instituindo a chamada transação excepcional, cuja concessão depende da comprovação do impacto econômico suportado pela pessoa física ou jurídica em razão da pandemia. Diferentemente da transação extraordinária, esta modalidade, que se restringe aos débitos classificados como “irrecuperáveis ou de difícil recuperação”, permite descontos nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados.

Há ainda a possibilidade de realizar as chamadas transações por adesão, disponíveis a determinados contribuintes que deverão ser notificados mediante editais, oportunamente publicados, em que conterão  os requisitos, condições e prazos para adesão. No momento, aliás, está aberto o Edital PGFN 001/2019 que, dentre outros requisitos, limita os débitos de valor consolidado a até 15 milhões de reais.

Por fim, há a transação individual que poderá ocorrer por proposta do contribuinte ou da própria PGFN, no caso de contribuintes com dívida total superior a quinze milhões; devedor falido, em processo de liquidação ou recuperação, independentemente do valor da dívida; entes públicos, independente do valor da dívida; e, dívidas suspensas por decisão judicial de valor superior a um milhão e devidamente garantidas.

Importante ressaltar que todas as modalidades de transação disponíveis no momento não incluem as multas criminais e os débitos inscritos junto ao FGTS e ao Simples Nacional (estes dois últimos por ainda depender de normatização).

Tanto o negócio jurídico processual quanto as transações tributárias têm como objetivo prestigiar a isonomia material em detrimento da isonomia formal. Ao contrário dos antigos Refis, concedidos indiscriminadamente, esses mecanismos buscam um olhar mais diferenciado, levando-se em consideração as particularidades de cada contribuinte.

A possibilidade da celebração de negócios jurídicos processuais e de transação por parte da Fazenda Pública inclina para uma mudança da cultura jurídica brasileira, em que se passa a permitir um maior diálogo entre fisco e contribuinte. Considerando esses tempos de Covid-19 e os reflexos econômicos e financeiros que ainda estão por vir, iniciativas como estas serão imprescindíveis na manutenção das empresas e da arrecadação dos cofres públicos.

Se houve um tempo em que instrumentos voltados ao consenso eram considerados algo distante do Direito Tributário agora, mais do que nunca, eles vão se aproximando das relações jurídico-tributárias que buscam, além de uma maior previsibilidade, transparência e segurança jurídica, a contenção do número de litígios tributários.