Na obra “O castelo”, publicada em 1922 [1] e cujas quase 400 páginas foram escritas em pouco mais de seis meses, Franz Kafka nos remete à aflição psicológica do “inalcançável”.
E assim o é, pois o renomado autor nos apresenta a estória do agrimensor K, contratado por um certo conde para ir a um castelo prestar serviços. Entretanto, por mais que tente, seja pela falta de informações e/ou interpretações equivocadas sobre um mesmo fato, o agrimensor não consegue ingressar no castelo.
Em tempos de hoje, e para fazer chegar ao eficaz e eficiente conhecimento do Poder Judiciário a complexidade da matéria referente aos danos identificados no modal rodoviário brasileiro, a mesma percepção do “inalcançável” se apresenta às entidades que realizam o transporte de cargas de mercadorias, em especial pelo fato de que a esses o Ministério Público Federal aponta culpa exclusiva pelos tais danos causados às rodovias nacionais.
A afirmação acima, aliás, é ratificada por recente decisão monocrática proferida em autos “de Recurso Especial interposto pelo Ministério Público Federal e afetado ao rito dos recursos repetitivos”, RESP 1913392 – MG, que, indeferindo o ingresso como amicus curiae de diversas entidades representativas que realizam e necessitam escoar sua produção pelas rodovias, adotou como um dos fundamentos para essa não admissão o seguinte entendimento:
“Ademais, tampouco foi demonstrada a expertise das peticionárias para acrescer elementos extrajurídicos ao debate da quaestio juris a ser apreciada por esta Corte. Isso porque constituem entidades representativas de categorias de empresas de diversos ramos (alimentício, gás, cimento, cargas etc.) que têm em comum o fato de serem usuárias das rodovias federais, circunstância que demonstra a ausência de conhecimento técnico em relação aos danos eventualmente causados no asfalto, bem como a respectiva relação de causa e efeito, em razão do tráfego com carga excessiva, a atrair responsabilidade civil na espécie, esta a questão essencialmente em debate”.
Com o máximo respeito, entendemos que tal posicionamento está em total desalinho para com a entrega de prestação jurisdicional que se reclama do Poder Judiciário, assim como demonstra o desconhecimento e/ou o desinteresse na compreensão da complexidade para a imputação de equivocada identificação dos usuários do modal rodoviário, o que, sim, pode, poderia e poderá ser muito bem explicitado à Corte pelas entidades representativas que atuam em distintos setores de negócios do país.
Os setores de logística das empresas que integram essas entidades representativas são formados por experts que detêm conhecimentos multifacetados que podem agregar valor à futura decisão que será encaminhada para o tema.
A colaboração dessas entidades também se transmuta na possiblidade que essas têm de levar para o Poder Judiciário estudos técnicos construídos com o propósito de demonstrar que essa responsabilidade não é exclusiva dos usuários das rodovias e/ou do transporte de cargas, e, mais, comprovar que o Ministério Público Federal parte de premissa econômica equivocada para concluir pela responsabilidade exclusiva de determinados agentes que utilizam as rodovias.
Aliás, artigos foram e estão sendo publicados sobre a importância e complexidade do tema, mesmo de modo sintético, jogando luzes e corroborando a afirmação feita acima, como a “Falta de investimentos em infraestrutura logística trava agronegócio brasileiro”; “A urgência de se aprofundar no debate do transporte de cargas e excesso de peso”; “Multas por excesso de peso de eixos no transporte de carga são injustas”; “Brasil carece de investimentos em infraestrutura em rodovias”; e, como mensagem direta ao Judiciário, destacamos: “A responsabilidade do STJ quando da solução para o transporte de cargas nacional”.
Ora, uma vez não admitidas como amicus curiae o ingresso de entidades representativas em autos de recurso em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, espera-se que seja oportunizado o franco debate com o deferimento e posterior realização de audiência pública, isto, em apoio a solução jurídica que venha a ser dada para a matéria em questão.
Assim se conclui para que, ao contrário do que ocorre na obra que dá introdução a este expediente, as entidades representativas não se percam na burocracia e absurdos do sistema, dado aos equívocos que permeiam a responsabilização indevida que lhes é imputada, que se cristaliza na impossibilidade de contribuir de modo republicano, colaborando com a apresentação de estudos técnicos sobre a matéria submetida ao crivo do Poder Judiciário e seu relevante papel decisor.
[1] KAFKA, Franz. “O castelo” – ISBN 978-8535911749