Inegável o crescimento nos últimos anos do consumo de conteúdo, seja áudio ou vídeo, por meio de plataformas de streaming. Para que os usuários assistam filmes e séries e ouçam música, as empresas Over The Top, as chamadas OTTs, fazem uso da internet, mais precisamente de uma camada superior das redes IP. O resultado é a prestação de serviços que apresentam as mesmas utilidades daqueles pertinentes às telecomunicações: voz, mensagens, acesso a conteúdo de vídeo, entre outros.
Esse novo modelo pressupõe a existência de infraestruturas de telecomunicações de alta tecnologia que as suportem e corre sobre as redes dos prestadores de serviços de telecom contratados pelos usuários para prover acesso à web. No entanto, embora desenvolvam atividades similares, os serviços prestados plataformas não estão submetidos ao mesmo tratamento ao que o setor de telecomunicações está sujeito.
Com isso, as empresas não possuem metas de qualidade mínima, obrigações consumeristas, prazos a serem cumpridos ou deveres de continuidade e manutenção de serviços. As OTTs também não se submetem às obrigações legais associadas às operadoras ou às alíquotas tributárias que tanto dificultam a expansão da conectividade e a oferta de serviços tradicionais. Importante frisar que o entendimento sobre a necessidade de mudanças é compartilhado pela Anatel, que vem atuando de forma muito positiva para o endereçamento dessa questão. O presidente da agência, Carlos Baigorri, com muito equilíbrio, declarou recentemente que as assimetrias nesses casos, sobretudo as tributárias, preocupam muito.
O cenário atual mostra que o desequilíbrio acaba por enviesar o mercado. E não se trata de endurecer as regras ou promover embates. Pelo contrário. A solução passa por um ambiente cada vez mais flexível e principiológico que valha para todos. O setor de telecom globalmente investe por ano US$ 180 bilhões em redes e, por conta do 5G, estima-se que será investido até US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos.
Os serviços que as OTTs prestam só são possíveis graças a este investimento significativo de um setor que não é remunerado de acordo com seus esforços. Segundo dados do Ministério da Economia, o 5G tem potencial de movimentar R$ 590 bilhões por ano. Contudo, isso só será possível se houver de fato reequilíbrio na cadeia de valor. Será necessário que o modelo evolua para a correta captura dos benefícios da nova tecnologia.
Como referência, as grandes operadoras europeias argumentam que o modelo atual – que permite aos cidadãos da União Europeia desfrutar dos benefícios da transformação digital – só pode ser sustentável se tais plataformas de grandes tecnologias também contribuírem de forma justa para os custos de rede. As operadoras reforçam que as novas estratégias industriais devem assegurar aos players europeus – incluindo as prestadoras dos serviços de telecom– meios para competir em condições iguais, inclusive com relação aos custos.
Portanto, é fundamental estimular novos modelos de investimento em infraestrutura que possam acompanhar o crescimento do tráfego destinado às plataformas, que inclusive geram elevado percentual desse aumento, bem como o compartilhamento de custos de infraestrutura. Pode-se pensar até mesmo em uma eventual remuneração a ser paga pelas OTTs às prestadoras pelo tráfego gerado na rede.
Nesse sentido, é preciso haver diálogo e paridade. O setor de telecom precisa ter capacidade de manter os níveis de investimento e a melhoria constante na qualidade dos serviços. O melhor caminho é o da conciliação e simplificação para haver uma justa concorrência.