Observatório do TIT

Observatório do TIT: Concomitância entre as demandas administrativa e judicial

Apesar da Lei Estadual n° 13.457/09 a discussão sobre a concomitância de ações continua em pauta no tribunal

multicritério
Caso não sejam cumpridos os prazos, a concessão da “malha II” pode ser extinta por caducidade

Introdução

Este capítulo diz respeito à “concomitância entre as demandas administrativa e judicial”, ou simplesmente “concomitância”, terminologia utilizada para definir os efeitos da coexistência de demandas nas esferas administrativa e judicial envolvendo um mesmo crédito tributário (partes e objeto coincidentes).

A discussão do tema na esfera estadual, objeto do presente artigo, é colocada à luz do que dispõe a Lei Estadual de São Paulo n° 13.457/09[1], a qual prevê que a propositura pelo autuado de ação judicial com o mesmo objeto não impede a lavratura do auto de infração, ainda que haja depósito ou garantia.

Referida lei prevê, ainda, que a propositura de ação judicial pelo autuado implica renúncia ao direito de litigar no processo administrativo tributário e desistência do litígio, exceto quando houver discussão de matéria distinta daquela constante do processo judicial, caso em que haverá prosseguimento em relação à matéria diferenciada. Nos casos em que o crédito tributário estiver com a exigibilidade suspensa, a lavratura do auto de infração servirá para prevenir os efeitos da decadência.

Interessante notar que, até o advento da publicação da Lei Estadual de São Paulo n° 13.457/09, as alegações quanto à possibilidade de se manter a discussão tanto na esfera administrativa quanto judicial eram muito mais presentes, sob o argumento de que a discussão do crédito tributário em concreto (aspectos quantitativos, especial e pessoal do tributo em discussão) em nada prejudicaria a discussão do direito em tese.

Com o advento da lei, esse argumento perdeu força, uma vez que restou claro o prejuízo da discussão na esfera administrativa em detrimento à discussão na esfera judicial.

Atualmente, a controvérsia está mais concentrada no prosseguimento do processo administrativo quanto a objetos distintos daqueles do processo judicial (ex.: aspectos formais do lançamento, juros e multa punitiva) do que propriamente na possibilidade de se manter a discussão em ambas as esferas.

Não obstante seus diferentes contornos, verificamos que a discussão continua presente nos julgamentos do TIT.

Metodologia

Na busca do entendimento conferido pelo TIT à questão da concomitância, foram analisados os julgados compreendidos no período de 01º de agosto de 2009 a 31 de outubro de 2017 (data de publicação)[2] e selecionados de acordo com os seguintes “trechos ou palavras” constantes na ementa da decisão: “concomitância”, “supremacia da esfera judicial” e “artigo 30 Lei 13.457”.

A partir desses critérios, foram localizados 654 acórdãos. Destes, analisamos 176 acórdãos, em razão de haver substancial repetição dos fundamentos utilizados nas decisões que aplicam a concomitância. Dentre estes, 34 foram desconsiderados em virtude de (i) a acusação ter sido cancelada pelo não conhecimento da concomitância; (ii) a decisão ter sido anulada; (iii) ter havido conversão do julgamento em diligência; e (iv) ocorrência de parcial conhecimento do recurso com remessa para a 1ª instância, sem análise da concomitância.

Os 142 acórdãos restantes foram organizados em quatro subtemas, quais sejam: (i) propositura de ação judicial anteriormente à lavratura do auto de infração (23 acórdãos); (ii) prosseguimento do processo administrativo quanto a objetos distintos do processo judicial (ex.: aspectos formais do lançamento, juros e multa punitiva…) (56 acórdãos); (iii) aplicação pura e simples da concomitância, sem qualquer discussão adicional (15 acórdãos); e (iv) não conhecimento do recurso, em virtude da concomitância (48 acórdãos).

Análise da jurisprudência

Em que pese as particularidades de cada um dos subtemas aludidos, é possível indicar, sumariamente, os argumentos apresentados em defesa do Estado e do contribuinte.

[Propositura de ação judicial anteriormente à lavratura do auto de infração] – Tal como acima já delineado, o tema envolve a manutenção da lide na esfera administrativa mesmo nos casos de ajuizamento anterior de ação judicial.

Para o Estado, ainda que a ação judicial tenha sido proposta anteriormente à lavratura do auto de infração, há renúncia do contribuinte à esfera administrativa. Do contrário, se estaria diante da absurda hipótese de possível modificação de decisão judicial transitada em julgado, portanto, definitiva, pela autoridade administrativa.

Os contribuintes, em sua maioria, alegam que a manutenção da discussão na esfera administrativa em nada prejudica a discussão do direito em tese por meio de uma ação judicial. É que a renúncia à esfera administrativa ocorre apenas com propositura de ação judicial após a lavratura do auto de infração, hipótese em que é feita a opção por defender-se na esfera judicial, do lançamento que considera indevido, como nos casos de ação anulatória de lançamento (auto de infração) e mandado de segurança contra ato coator da autoridade que realizou a autuação.

Assim, nos casos em que o contribuinte propõe a ação judicial muito antes de ser compelido a se defender da lavratura de auto de infração, não haveria qualquer tipo de renúncia.

Não obstante os argumentos acima, na presente pesquisa verificamos que a totalidade das decisões do TIT dá conta de que a propositura de ação judicial pelos contribuintes nos pontos em que haja idêntico questionamento, torna ineficaz o processo administrativo, seja antes ou depois da lavratura do auto de infração.

Embora o volume de discussões já seja menor em virtude do advento da Lei Estadual 13.457/09, fato é que foram detectados 23 autos de infração envolvendo o tema.

[Prosseguimento do processo administrativo quanto a objetos distintos do processo judicial, em especial juros e multa de mora] – No tocante ao posicionamento estatal referente ao prosseguimento do processo administrativo quanto a objetos distintos do processo judicial, principalmente com relação à multa punitiva e aos juros de mora, se observa das decisões ora analisadas que os defensores desta posição entendem que a existência de uma decisão favorável ao contribuinte não autoriza a exclusão da exigibilidade da multa e dos juros de mora.

Ademais, se verifica que os principais fundamentos adotados para sustentar a aplicação das penalidades são (i) a ausência de depósito judicial do montante integral do crédito tributário constituído pelo autor da infração; e (ii) a correta aplicação da multa e dos juros de mora, por terem base na legislação vigente.

Já com relação ao posicionamento adotado em defesa dos contribuintes, de que seria descabida a exigência da multa e dos juros na constituição do crédito tributário destinado a prevenir a decadência, o principal argumento que sustenta essa posição é que não houve descumprimento da obrigação tributária por parte do contribuinte, que não é devedor do tributo e nem cometeu ilícito tributário, sendo que, apesar de não ter efetuado o depósito do montante integral, obteve medida liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário. Assim, não pode ser penalizado com a aplicação de juros e multa por haver mora ou ilícito.

Em que pese a posição sustentada pelos contribuintes, os resultados apurados nesta pesquisa mostram que a maior parte das decisões do TIT adota posicionamento favorável ao Estado, no sentido de que seja mantida a exigência da multa e dos juros de mora aplicados.

Por fim, como se verá na tabela abaixo, também em sua maior parte as decisões proferidas pelo TIT deixam de conhecer o recurso interposto pelo autuado com base na concomitância ou negam provimento ao recurso com base no artigo 30 da Lei Estadual de São Paulo n° 13.457/09, ou seja, também em razão da concomitância.

Conclusão

Em que pese a relevante alteração legislativa trazida pela Lei Estadual de São Paulo n° 13.457/09, que prevê que a propositura pelo autuado de ação judicial com o mesmo objeto não impede a lavratura do auto de infração, as discussões envolvendo a concomitância de ações nas esferas administrativa e judicial continuam em pauta no TIT, até porque a alta litigiosidade e a complexidade do direito tributário acabam por ocasionar contornos múltiplos em relação a um mesmo assunto, permitindo o desdobramento do tema em diversos aspectos.

 

[1] “Art. 30. Não impede a lavratura do auto de infração a propositura pelo autuado de ação judicial por qualquer modalidade processual, com o mesmo objeto, ainda que haja ocorrência de depósito ou garantia.

  • 1º A propositura de ação judicial importa renúncia ao direito de litigar no processo administrativo tributário e desistência do litígio pelo autuado, devendo os autos ser encaminhados diretamente à Procuradoria Geral do Estado, na fase processual em que se encontrarem.
  • 2º O curso do processo administrativo tributário, quando houver matéria distinta da constante do processo judicial, terá prosseguimento em relação à matéria diferenciada, conforme dispuser o regulamento.
  • 3º Estando o crédito tributário com a exigibilidade suspensa, nos termos do Art. 151, inciso II, da Lei federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, a autuação será lavrada para prevenir os efeitos da decadência, porém sem a incidência de penalidades.”

 

[2] Constatou-se que, em alguns casos, a data de publicação constante do sistema informatizado de busca é diferente da real. Por razões metodológicas, adotou-se neste trabalho a data informada no sistema.

 

 

Jerry Levers de Abreu

Coordenador do Grupo de Pesquisa “A Concomitância entre as Demandas Administrativa e Judicial” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP. Especialista em Direito Tributário (PUC-SP). Bacharel em Direito (USF). Advogado

Camila Abrunhosa Tapias

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “A Concomitância entre as Demandas Administrativa e Judicial” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP. Mestranda em Direito Tributário (FGV-SP). Especialista em Direito Tributário (PUC/SP). Bacharel em Direito (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo). Advogada

Carlos Afonso Della Monica

Pesquisador do Grupo de Pesquisa “A Concomitância entre as Demandas Administrativa e Judicial” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP. Especialista em Direito Público (Escola Paulista de Direito). Especialista em Direito Tributário (IBET).  Bacharel em Direito (Mackenzie). Advogado. Juiz e Presidente da 8ª Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

Eurico Marcos Diniz de Santi

Coordenador Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Doutor e Mestre em Direito Tributário (PUC/SP), Professor de Direito Tributário (FGV/SP), Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/SP, Diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Consultor e Parecerista.

Eduardo Perez Salusse

Coordenador Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Doutorando em Direito Tributário (PUC/SP), Mestre em Direito Tributário (FGV/SP), Bacharel em Direito (PUC/SP), ex Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, Advogado.

Lina Santin

Coordenadora Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Mestranda em Direito Tributário (FGV/SP), LL.M em Direito Tributário (INSPER), Bacharel em Direito (Mackenzie), Advogada.

Dolina Sol Pedroso de Toledo

Coordenadora Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie), Bacharel em Direito (Mackenzie), Advogada.