Gestão de riscos

O olhar holístico do Direito sob o estudo dos desastres

E qual a relação deles com a resiliência fiscal de países

drenagem
Enchente no Rio Grande do Sul. Crédito: Marcelo Pinto/A Plateia

Os desastres, como terremotos e tsunamis, representam um desafio para as finanças públicas e sustentabilidade fiscal de um país devido a sua escala elevada de danos, somado com os custos destinados para ações de reconstrução, afetando a vida das pessoas de forma direta e indireta.

Mark Pelling, Alpaslan Özerdem e Sultan Barakat, professores da King’s College London, Universidade de York e Universidade de Coventry, respectivamente, elencam três tipos de danos advindos de desastres, cada qual com diferentes impactos na economia: a) danos diretos: aqueles que afetam os bens patrimoniais sob uma consequência direta do fenômeno natural que desencadeia o desastre (incluindo-se gastos com alívio e resposta à emergência); b) danos indiretos e perdas de fluxo: produtos que deixarão de ser manufaturados e serviços que não vão ser oferecidos após um desastre, bem como o aumento do custo de bens patrimoniais em razão da destruição da infraestrutura física; c) efeitos secundários: impactos na economia de uma forma geral, notadamente nas finanças públicas, culminando no declínio da receita tributária ou um aumento das despesas públicas[1].

À título de exemplo, cabe recordar o sismo e tsunami de Tohoku de 2011, mais conhecido como Grande Terremoto do Leste do Japão.

O Banco Mundial e a OCDE, utilizando-se de dados do governo do Japão, avaliam que o terremoto seguido pelo tsunami tenha causado danos estimados de US$ 210 bilhões de dólares. Os gastos do governo com este desastre chegaram a atingir 20,7% do orçamento do ano fiscal de 2012[2].

Dado este contexto, o Direito japonês possui diversas disposições que tratam da responsabilidade dos governos nacional e locais quanto à gastos públicos de recuperação e reconstrução, de maneira que muitas diretrizes estão presentes na Lei Básica de Contramedidas para Desastres (災害対策基本法).

Logo, merece destaque a Lei de Apoio à Reconstrução da Subsistência das Vítimas (被災者生活再建支援法) de 1998 a qual já culminou em diversos debates no país asiático, tendo a lei o objetivo de apoiar a subsistência das pessoas afetadas por desastres através de fundos públicos de financiamento.

Tamiyo Kondo, professora da Universidade de Kobe, no Japão, recorda que por muitos anos o governo nacional manteve posição contrária ao uso do financiamento público para melhorias da propriedade privada. No entanto, na medida em que ocorriam terremotos pelo país, governos locais vislumbraram que a participação do governo nacional era demasiada limitada. As pressões locais fizeram com que o governo nacional revisasse referida lei em 2007, permitindo o uso de dinheiro público para a reconstrução de casas[3].

Não obstante seja comum remetermos ao Direito Ambiental a leitura sobre os desastres, o exemplo do Japão corrobora a necessidade de examinar este fato mediante um olhar holístico, abarcando outras áreas do Direito.

A própria Lei nº 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres, estabelece em seu artigo 3º, parágrafo único, que a PNPDEC deverá ser aplicada em congruência com políticas de desenvolvimento urbano, meio ambiente, mudanças climáticas, infraestrutura e outras.

Este dispositivo torna inequívoca a necessidade de se estudar os desastres a partir de uma visão holística.

A ocorrência de um desastre enseja o surgimento de diversas perguntas, as quais só podem ser respondidas sob uma análise interdisciplinar, podendo-se ressaltar algumas destas indagações: qual a letalidade e o potencial de dano material no meio ambiente e infraestrutura? Os governos devem conceder isenção de impostos sob o risco de diminuir a receita, porém auxiliando a renda das pessoas? Ou devem aumentar a arrecadação a fim de salvaguardar investimentos públicos para posteriores projetos de reconstrução? Como assegurar a capilaridade dos serviços públicos para aliviar quadros de vulnerabilidade social? O dinheiro de fundos públicos pode ser utilizado para a reconstrução de imóveis privados?

No âmbito da Sociologia (que embasa os estudos jurídicos sobre desastres, especialmente em razão das teorias da Sociologia do Desastre e da Sociologia do Risco), os desastres vêm sendo estudados desde a primeira metade do século XX.

O precursor foi o sociólogo canadense Samuel Henry Prince sob a sua tese de doutorado intitulada Catastrophe and Social Change: based upon a sociological study the Halifax disaster, resultado dos seus estudos na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Prince teceu na sua tese diversas análises sobre a famosa explosão na cidade de Halifax em 1917, escrevendo sobre o comportamento das pessoas após o desastre (usufruindo de contribuições da psicologia social), os efeitos sob o meio ambiente, a reação na economia, impactos sob diversos serviços (telefonia e correios, por exemplo) e outras observações[4].

Os choques que os desastres trazem aos orçamentos públicos de países são apenas um dentre vários efeitos que impactam a vida das pessoas. Destarte, as enchentes e deslizamentos que ocorrem com frequência em metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro são um alerta de que a abordagem aos desastres é necessária e prescinde de um diálogo entre diversas áreas do Direito.

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[1] PELLING, Mark; ÖZERDEM, Alpaslan; BARAKAT, Sultan. The Macro-economic Impact of Disasters. Progress in Development Studies, v. 2, n. 4, p. 283-305, 2002. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/235737565_The_Macro-Economic_Impact_of_Disasters>. Acesso em 29 abr. 2020.

[2] OCDE/Banco Mundial (2019), Fiscal Resilience to Natural Disasters: Lessons from Country Experiences, OECD Publishing, Paris, https: //doi.org/10.1787/27a419a-en, p. 144. Acesso em 28 abr. de 2020.

[3] KONDO, Tamiyo. Compensation or Assistance? Law and policy for post-disaster housing recovery in the U.S. and Japan. In: KANEKO, Yuka; MATSUOKA, Katsumi; TOYODA, Toshihisa. Asian Law in Disasters: toward a human-centered recovery. 1. ed. Nova York: Routledge, 2016, cap. 8, p. 184. Disponível em: <https://www.taylorfrancis.com/books/e/9781315680323/chapters/10.4324/9781315680323-19>. Acesso em 29 abr de 2020.

[4] PRINCE, Samuel H. Catastrophe and Social Change: based upon a sociological study of the Halifax Disaster. 1920. 172 f. Tese (Doutorado) – Universidade de Columbia, Nova York, 1920.

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