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No Natal do Pix, qual é o risco fiscal envolvido?

Serviço de pagamentos instantâneos lançado em 2020 já superou meios mais tradicionais, como DOC, TED e boleto

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Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O Pix – o serviço brasileiro de pagamentos instantâneos – superou o volume de transações de outros meios de pagamentos mais tradicionais, como DOC, TED e boleto bancário[1]. Dentre as inovações previstas por este meio de pagamento lançado em 2020, o Banco Central sustenta que sua criação é um incentivo à redução da circulação de moeda como meio ordinário de pagamento de operações marginalizadas do sistema bancário, incrementando a inclusão de atividades informais ao sistema de controle pelas autoridades financeiras nacionais.

Embora seja um meio de pagamento eletrônico instantâneo e, em regra, gratuito, há quem ainda resista à sua utilização pela suposição de compartilhamento automático dos dados financeiros movimentados por esse novo meio de pagamento em favor da Receita Federal.

O BC esclareceu que o Pix é apenas mais uma forma de movimentação financeira, mas revolucionando o sistema pela sua forma instantânea, o que até trouxe problemas recentes à segurança dos usuários (como sequestros relâmpagos e extorsões). Assim como DOC, TED e boletos, a Receita Federal não possui acesso direito aos dados de pagamento dos contribuintes, em vista ao respeito ao sigilo bancário (Art. 5º, inc. X e XIII, da Constituição e art. 5º e ss da LC 105/01).

No entanto, é importante esclarecer que as instituições financeiras compartilham com a Receita Federal informações financeiras pela obrigação acessória conhecida como e-Financeira, incluindo os montantes globais de movimentações financeiras de correntistas e equiparados, assim como “pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques, emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados ou resgates à vista e a prazo, discriminando o total do rendimento mensal bruto pago ou creditado à conta, acumulados anualmente, mês a mês” (Art. 5º da IN-RFB no 1.571/15).

Tais obrigações acessórias enviadas pelas instituições financeiras alcançam o saldo bancário de qualquer conta de depósito, inclusive de poupança, acima de R$ 2.000 no caso de pessoas físicas e superior a R$ 6.000 no caso de pessoas jurídicas[2].

Em tese, se uma instituição financeira informou pela e-Financeira à Receita que um determinado contribuinte tem um saldo em sua conta corrente, mas, na declaração do Imposto de Renda, é apontado um saldo diferente, a informação poderá viabilizar o início de uma fiscalização. Nesse giro, outro ponto que pode ser indiciário de omissão de renda é o montante de movimentações financeiras ser incompatível com a renda e patrimônio declarados. O objetivo da Receita, com referida obrigação acessória, é cruzar os dados com a renda e o patrimônio dos contribuintes, buscando eventuais omissões que possam acarretar o lançamento complementar de tributos.

Por outro lado, os dados reportados pela e-Financeira e demais deveres instrumentais do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), assim como outras fontes de demonstração de expressão de capacidade contributiva dos contribuintes (pessoas físicas, jurídicas, entes despersonalizados etc.), constituem um grande banco de dados capaz de combinar informações para tomada de decisões mais assertivas para fiscalizações de eventuais rendas omitidas em declarações reportadas à Receita Federal.

No entanto, a criação da e-Financeira não viabilizou a lavratura de autos de infração de forma automática e divorciada de uma análise profunda da situação fática relacionada à eventual omissão de rendimentos, identificada pelo simples cruzamento de informações fiscais do Sped e demais obrigações acessórias, como a declaração de Imposto de Renda de pessoa física.

O valor total dos recursos em depósito no final do exercício é um dado que não serve como base para uma autuação fiscal na jurisdição doméstica, nos termos do Artigo 42, parágrafo 3º, da Lei 9.430/96, sob o risco de se tributar patrimônio ao invés de renda. O dispositivo legal em referência impõe que o auditor analise os depósitos individualmente, impossibilitando a utilização da informação global das movimentações bancárias para lavratura de autos de infração sobre omissão de rendimento.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em diversos julgamentos, anulou lançamentos fiscais baseados apenas em montantes globais de saldos, considerando a possibilidade do exercício da ampla defesa e contraditório para permitir que o autuado apresente defesa individualizada de cada valor identificado em conta financeira.[3]

No entanto, mesmo que o montante global não se preste à lavratura automática de auto de infração, o valor informado pela e-Financeira, em especial a indicação mensal das movimentações, pode ser fundamento para início de fiscalização federal de potencial omissão de receitas tributáveis, como já reconheceu o próprio Carf[4].

A demonstração detalhada das movimentações financeiras dos contribuintes, essas verdadeiramente capazes de fundamentar a omissão de rendimentos, deve ser solicitada em regular processo de fiscalização ou perante requisição de um juiz em um processo judicial em curso, a fim de se respeitar o sigilo bancário dos contribuintes.

Uma vez iniciado o procedimento de fiscalização, o contribuinte será intimado para apresentar, entre outros, extratos bancários de contas mantidas junto a instituições financeiras, em determinado período de apuração. Caso o contribuinte se recuse a fornecer cópias dos extratos bancários, poderá a fiscalização, mediante Requisição de Movimentação Financeira (RMF), solicitar diretamente tais extratos às instituições financeiras.

O RMF impõe que a autoridade fiscal fundamente o pedido de quebra do sigilo bancário, sendo possível, dentre outros motivos, a demonstração da omissão ou indício de crime para justificar o requerimento[5].

O contribuinte será intimado a esclarecer de forma fundamentada as movimentações financeiras suspeitas indicadas em seus extratos bancários por meio de intimação fiscal encaminhada no processo administrativo de fiscalização tributária. É importante ressaltar que a legislação federal prevê a possibilidade de aplicação de uma presunção legal de inversão do ônus da prova em face de contribuintes, a quem a administração pública notificou a prestar esclarecimentos sobre informações bancárias, que não comprovaram, mediante documentação idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações (artigo 42 da Lei 9.430/96).

Com a inversão do ônus da prova, caso o contribuinte não consiga refutar a omissão em referência, o valor indicado será presumido como receita omitida e será aplicado o valor correspondente aos tributos incidentes sobre a renda e demais cominações legais, em especial, as multas de ofício e moratória.

A prova hábil para contrapor a existência de omissão de receitas decorrente de informações sobre saldos de ativos financeiros é muito debatida nas cortes administrativas e judiciais. Dentre as hipóteses aceitas pelos tribunais como passíveis de quebrar a presunção em referência, pode-se citar a possibilidade de o contribuinte provar que a diferença de depósitos era relativa à transferência entre contas de mesma titularidade.

Outra hipótese comumente enfrentada pelos contribuintes em tribunais é a comprovação da origem dos depósitos mediante documentos bancários da fonte pagadora, mostrando que os valores não eram tributáveis, ou mesmo se trata de mera movimentação entre contas de mesma titularidade, empréstimos bancários (devidamente declarado pelas partes) ou herança recebida no exterior, sendo essa última hipótese como fato intributável pelo Imposto de Renda Pessoa Física, mas passível de questionamento sobre a tributação pelo imposto estadual sobre heranças.

Por outro lado, uma hipótese excludente da aplicação das regras de presunção de omissão de rendimentos do Artigo 42 da Lei 9.430/96 é a demonstração de que os valores disponíveis em conta pertencem a terceiros. Nesse particular, valores pertencentes a terceiros em interposição deverão ser objeto de investigação fiscal contra os verdadeiros titulares que são os beneficiários dos valores, nos termos do § 5º do Artigo 46 da Lei 9.430/96.

Os contribuintes que forem autuados em relação aos ativos financeiros localizados no exterior poderão suportar multas de 75% pelo lançamento de ofício sobre a renda omitida. A presunção legal de omissão de receita ou de rendimentos, por si só, não autoriza a qualificação da multa de ofício em caso de lançamento de ofício, sendo necessária a comprovação de fraude, simulação ou dolo (Arts. 71, 72 e 73 da Lei 4.502/64, conforme Portaria MF 383/2010).

Portanto, o Pix não é um novo fator de exposição de contribuintes tangentes às normas fiscais relacionadas à tributação de rendimentos em trânsito nas suas movimentações financeiras. Como se observa, a fiscalização tributária não pode direcionar a tributação diretamente sobre o patrimônio do contribuinte (ativo financeiro) com base apenas no montante global informado pela e-Financeira, impondo-se a demonstração regular sobre quais depósitos são suspeitos de ocultação ilegítima face às declarações de renda enviadas à Receita Federal.

Por outro lado, o montante global da posição financeira sequer permite o exercício de contraditório ou ampla defesa do contribuinte ou responsável tributário sobre os montantes de valores transitados em conta reportada objeto de fiscalização ou mesmo quais não representam ganho financeiro ou mesmo foram objeto de prévio oferecimento à tributação.

Assim, uma vez intimado para esclarecer eventual inconformidade entre os montantes de ativos financeiros declarados ou, ainda, incompatibilidade patrimonial pelas movimentações financeiras em desacordo com as declarações de renda apresentados, a prova da regularidade das informações será oportunizada ao contribuinte em regular processo fiscalizatório, sendo possível, dentre outras, a contraprova da presunção de omissão de rendimentos pela intributabilidade das operações que deram causa às movimentações financeiras.


[1] Cf. BANCO CENTRAL. Pix: O novo meio de pagamento brasileiro. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/Documents/reb/boxesreb2018/boxe_19_pix.PDF. Acesso: 22.dez.2021.

[2] Cf. Art. 7º da Instrução Normativa RFB nº 1571/2015.

[3] V. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF: Processo 10580.012791/2003-41, Acórdão 9101-004.395, Contribuinte: Graffite Comercial e Industrial Ltda., DOU: 11/09/2019, Relatora Edeli Pereira Bessa. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF: Processo nº 18471.001400/200736, Acórdão nº 1302001.642, 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, DOU: 05/02/2015.

[4] V. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Processo 18471.001227/2007-76, Contribuinte BRL Distribuidora de Vacinas LTDA., DOU: 04/10/2011, Relator Marcos Takata, Acórdão 1103-000.533.

[5] Para os demais itens permissivos para obtenção de extratos bancários, necessário se faz ao fisco federal identificar os fundamentos para a indispensabilidade da prova, como a ocultação de ativos ou fraudes apuradas no procedimento fiscalizatório.