Uma universidade pública, gratuita e de qualidade é direito assegurado pela Constituição. O desejo positivo do constituinte, mesmo que o reconheçamos como legítimo, não encontra respaldo na triste realidade do país, que mantém um modelo de ensino superior que ainda privilegia o ingresso da elite financeiramente abastada nas universidades públicas e gratuitas, principalmente as de qualidade, diminuindo assim as chances dos menos favorecidos.
Mudar tal realidade é trabalhar por um país com mais igualdade de oportunidades. E, nesse sentido, a PEC 206/2019, que propõe a cobrança de mensalidade pelas universidades federais e estaduais, atualmente na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, é um instrumento importante para ajudar o Brasil a melhorar de patamar.
A ideia é que as instituições usem os recursos captados das mensalidades pagas pelos estudantes de renda familiar mais alta para se custear e que, claro, a gratuidade seja mantida para alunos sem condições socioeconômicas de arcar com os custos dos seus estudos. O esquema proposto reverteria, na prática, o problema crônico de geração de subsídios aos mais favorecidos, estabelecido pelo atual sistema de gratuidade universal das universidades federais e estaduais –diminuindo os efeitos do programa de transferência de renda em benefício da elite resultante do modelo atual.
O esquema fica mais claro ao analisarmos o caso de um estado específico. Em São Paulo, reconhecido por oferecer o melhor ensino superior público do país, há enorme discrepância entre o gasto público por aluno no ensino básico (fundamental e médio), de apenas R$ 363, e nas universidades estaduais, que chega a R$ 5.500 por mês. Enquanto se resiste a políticas que imporiam custo financeiro a uma pequena parcela da elite nacional, o ensino básico, por onde passam todos os brasileiros, segue longe de ser prioridade.
O alto investimento na educação superior serve para custear o ensino de muitos entre os mais abastados, vindos de escolas privadas e com formação básica mais sólida. Vejamos, por exemplo, o caso da Universidade de São Paulo (USP), que hoje – mesmo com o regime de cotas raciais e socioeconômicas – ainda possui um quadro estudantil formado por 85% de alunos entre os 20% mais ricos do país, segundo aponta o próprio questionário socioeconômico da universidade.
A instituição de mensalidades para os estudantes mais abastados poderia não apenas diminuir o subsídio estatal a essas camadas mais ricas da sociedade, mas também serviria como uma possível fonte de receita para as universidades, que hoje passam por uma difícil crise financeira. Com esses estudantes pagando para frequentar as instituições de ensino superior públicas, estas poderão ter acesso a recursos que contribuam com a permanência de estudantes de renda menor, razão ainda significativa para a evasão de alunos pobres nas universidades.
Hoje o filho de um trabalhador que ganha salário mínimo paga pela universidade pública sem ter grandes chances de estudar lá. Sendo assim, a cobrança de mensalidade, e o consequente emprego desses recursos, é fundamental para que o acesso da população às instituições de ensino superior seja mais democrático. Mas para alcançarmos de fato a igualdade de oportunidades será necessário avançar ainda mais na discussão sobre nosso atual modelo de ensino superior, levando o tema para além da questão de se manter ou não a gratuidade do sistema público.
No Brasil, cultivamos a mentalidade de priorizar o currículo baseado em pesquisas, algo que serve apenas a um pequeno grupo de pessoas. E, com isso, nos esquecemos do outro papel fundamental do ensino superior, que é preparar a massa para o mercado de trabalho, ensinar capacidades técnicas e formar professores para o ensino básico.
Portanto, é preciso investir nas duas pontas, como faz, entre outras localidades, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Eles dividiram seu sistema de educação em três: a Universidade da Califórnia recebe aqueles alunos que almejam ser referência em pesquisa, sendo a única, dentro do sistema, a oferecer doutorado; para formar profissionais para o mercado de trabalho existe a Universidade Estadual da Califórnia, escolhida, por exemplo, por aqueles que querem cursar tecnologia da informação ou engenharia; já o California Community College é a opção de ensino de excelência para os estudantes de baixa renda.
Como se vê, no campo da educação superior temos muito a amadurecer. E se queremos uma sociedade mais igual, é justo que uns poucos privilegiados ponham a mão no bolso para que a maioria da população tenha chance de um dia poder conquistar um lugar ao sol.