Lei 11.101

Meios alternativos de solução de conflito e a recuperação judicial

Para evitar o colapso do judiciário, a mediação e a conciliação têm sido incentivadas

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Crédito: Pexels

O processo de recuperação judicial, regido pela Lei 11.101/2005, instaura um concurso de credores que consiste, nada menos, que na organização destes para maximizar as chances de recebimento de cada um deles, levando em consideração a natureza do crédito e a garantia prestada sobre ele.

Nesse formato processual, não há como desviar de um pressuposto básico, qual seja, a presença de diversos atores com distintas funções e interesses, dentre os quais os inúmeros credores, a administração judicial, o ministério público e a recuperanda. Como consequência natural dessas características decorre, em geral, certa demora na tomada de decisões, realização de atos processuais obrigatórios e outras complicações que vão de encontro aos prazos estipulados na Lei 11.101/2005, bem como à necessidade de resposta do judiciário em compasso com a dinâmica da vida empresarial.

É enorme a discrepância entre a realidade da empresa, os prazos definidos na Lei 11.101/2005 e a capacidade do Judiciário de responder às demandas respeitando o direito de manifestação de todos os envolvidos no processo.

Com vistas a isso, meios alternativos à solução de conflitos e técnicas complementares ao procedimento da Lei 11.101/2005 vêm sendo incentivados na prática, por meio de provimentos dos tribunais e de resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A exemplo, destaca-se a audiência de gestão democrática, implementada pelo Juiz Daniel Carnio Costa, titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, atualmente atuando no CNJ. Este procedimento visa a simplificar o processo decisório do magistrado, reunindo todos os envolvidos de uma só vez para discutir determinado tema, substituindo a manifestação escrita e sucessiva das partes, que tende a atrasar a tomada de decisões.

Tal prática vem sendo implantada na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo desde 2011[1].

Destaque-se ainda, que em outubro 2019, a recomendação nº 58 do CNJ foi editada com o intuito de incentivar a utilização da mediação em processos de recuperação judicial e falência sempre que possível e em qualquer grau de jurisdição. A compatibilidade da mediação com tais processos já havia sido destacada em 2016, no Enunciado nº 45, aprovado na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios[2].

O ato normativo em questão expõe hipóteses em que a mediação poderá ser implementada. A título exemplificativo, cite-se os incidentes de verificação de crédito, para que as partes acordem quanto ao valor deste; a negociação do Plano de Recuperação Judicial; disputas que envolvam credores não sujeitos à recuperação; dentre outras hipóteses. Por outro lado, a Recomendação expressamente veda a mediação acerca da classificação do crédito.

Atualmente, com as dificuldades econômicas enfrentadas por empresas em decorrência da pandemia de COVID-19, o número de pedidos de recuperação judicial tende a aumentar exponencialmente e um possível colapso do judiciário já está sendo vislumbrado[3].

Na tentativa de evitar essa situação, medidas alternativas de solução de conflitos estão sendo incentivadas de forma ainda mais intensa.

Nesse sentido, pode-se destacar o projeto de lei que cria regras transitórias para empresas em recuperação judicial durante a pandemia. Um dos maiores destaques do projeto, aprovado no plenário da Câmara dos Deputados na quinta-feira dia 21 de maio de 2020, foi a importância dada às negociações extrajudiciais entre o credor e o devedor diretamente.

Os Tribunais Estaduais também têm caminhado nessa direção. Nos Estados do Paraná (CEJUSC), São Paulo (Provimento TJSP CG 11/20), Rio Grande do Sul (Ato 025/2020) e mais recentemente no Rio de Janeiro (ato normativo que implementou o RER), centros conciliatórios e de mediação vêm sendo implantados.

Nesse contexto, cabe diferenciar a conciliação da mediação. Enquanto na segunda há a figura do mediador – terceiro imparcial que auxilia e estimula as partes a identificarem ou desenvolverem soluções consensuais (art. 1º da Lei 13.140/2015) –, na primeira há o conciliador, que interfere de maneira mais direta na discussão, podendo, inclusive, sugerir soluções.

Tendo isso em vista, passar-se-á a expor, de maneira breve, parte das iniciativas mencionadas.

O CEJUSC Recuperação Judicial do TJPR é uma unidade judiciária criada para aplicar mecanismos alternativos de solução de conflito, tais como a conciliação e a mediação. O centro é destinado à realização de audiências nas quais os empresários e as sociedades empresárias – que, em tese, cumpram os requisitos para pedir recuperação judicial – poderão negociar diretamente com seus credores.

Além da utilização na fase pré-processual, os centros também podem ser usufruídos por empresas que já estão em recuperação judicial e os custos para sua utilização são atrativos: atualmente fixados em R$187,05 (cento e oitenta e sete reais e cinco centavos[4]).

Já no TJSP, a iniciativa deu-se mediante o Provimento TJSP CG 11/20 e, mais recentemente, com a disponibilização do Provimento TJSP 19/20, que dispõe acerca da criação de projeto-piloto de mediação pré-processual segundo o qual o interessado deverá formular requerimento por e-mail ao endereço lá indicado, contendo o pedido e a causa de pedir, “relacionada às consequências da pandemia da Covid-19”. Em até sete dias do protocolo, será designada audiência preparatória e o magistrado nomeará mediador ou câmara de mediação.

As audiências e sessões de mediação serão realizadas através de plataforma online disponibilizada pelo próprio Tribunal. Havendo acordo, este será homologado pelo juiz e constituirá título executivo judicial.

Não obstante a recente criação desses instrumentos específicos, fato é que a mediação e a conciliação podem se fazer presentes de diversas formas nos processos de recuperação judicial e serem instauradas em qualquer grau de jurisdição.

Recentemente, em decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do Grupo ENPAVI[5], de ofício, foi nomeada mediadora para que realizasse sessões de pré-mediação e mediação. A decisão discorreu sobre a importância de serem tentadas negociações privadas e, até mesmo, a recuperação extrajudicial, antes de a sociedade empresária recorrer ao instituto da recuperação judicial.

Diversos são os benefícios em se optar por um método alternativo – seja ele utilizado durante processo de recuperação judicial já existente, seja ele utilizado a fim de prevenir a judicialização.

Em vista disso, observa-se uma tendência crescente de utilização de meios alternativos à solução de conflitos, que já vinha despontando há alguns anos, mais especificamente desde a promulgação da Lei de Mediação e do novo Código de Processo Civil.

Em conclusão, os meios alternativos à solução de conflitos ganharam força extra –especialmente no que diz respeito ao direito da empresa em crise – em decorrência pontual desse período de emergência de saúde pública, que já está resultando em aumento do número de demandas judiciais, e impõe a alteração de estratégia para a resolução de disputas, exigindo uma mudança de mentalidade da sociedade e comunidade jurídica.

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[1]https://premioinnovare.com.br/proposta/audiencias-de-gestao-democratica-de-processos-de-insolvencia-falencias-e-recuperacoes-judiciais-de-empresas-20150316113436349169/print. Acesso em 17/06/2020 às 14h10.

[2] file:///C:/Users/Usuario/Downloads/Enunciados%20Aprovados%20I%20JPS-revisado.pdf

[3]https://www.conjur.com.br/2020-abr-22/tribunais-podem-nao-dar-conta-demandas-recuperacao-judicial. Acesso em 26/06/2020 às 15h07.

[4] https://www.conjur.com.br/2020-abr-26/empresas-pr-negociar-credores-modo-pre-judicial.

[5] Decisão proferida pelo Juiz de Direito Dr. Paulo Furtado de Oliveira Filho, no processo nº 1050778-50.2020.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e recuperação Judiciais de São Paulo.