Mediação

Mais processos judiciais: tudo que o Brasil não precisa em meio à pandemia

A mediação privada é uma metodologia eficiente para a construção de acordos e para a sustentabilidade do Judiciário

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Crédito: Flickr/@cnj_oficial

Vivemos uma fase de incertezas em que ainda não é possível antecipar toda a extensão da crise e seus impactos na saúde, economia, direitos e na sociedade. O que já sabemos é que a situação sem precedentes já gera milhões de quebras de contratos e todos os tipos de conflitos relacionados. Diante disso, o convite feito agora aos advogados é para que some ao assessoramento jurídico a estratégia para encontrar a abordagem mais adequada a cada conflito e, assim, contribuir para a sustentabilidade do Poder Judiciário, resolvendo-os, na medida do possível, no âmbito privado, pautado na vontade das partes.

Olhar para a crise gerada pelo coronavírus sob a ótica dos conflitos , pode ajudar as pessoas a perceberem como reagem à situação e buscarem qual a melhor forma de lidar com ela.

A falta de informação e o desconhecimento sobre o vírus ativa o medo. É normal sentir medo diante de algo novo, especialmente se tiver o potencial de acabar com a vida.

Como cada pessoa lida com este medo é muito particular e influenciada por vários fatores, e desencadeia reações diferentes, que podem tanto gerar e escalar conflitos quanto prevenir e diminuí-los.

Normalmente, para resolver um problema, nossa atitude reflete se estamos mais preocupados conosco ou com os outros. A reação aos conflitos oscila entre estas duas vertentes: atender aos interesses próprios ou acolher os interesses alheios, que se concretizam por comportamentos que envolvem conceder, evitar, competir, conciliar e colaborar[1].

Nesse contexto, o advogado terá uma função extremamente importante de acompanhar seu cliente em sua reação ao conflito, aportando uma visão racional, objetiva, concreta, em prol da solução do problema.

Quais abordagens são recomendáveis para lidar com o conflito?

Ury, Brett e Goldberg[2]  inauguram o estudo sobre desenho de sistemas para resolução de conflitos, no âmbito organizacional, propondo três abordagens que compõem um sistema interdependente e integrado, incluindo basicamente três métodos, baseados em:

  1. a) força (no qual quem tem poder, impõe sua vontade, coage alguém a fazer algo que voluntariamente não faria, tal como ocorre numa situação de guerra, assédio moral, greve de fome, piquete, etc.);
  2. b) direito (em que se reconhece que uma norma, regra ou legislação pré-estabelecida é legítima e justa para definir quem tem razão, tal como ocorre no Poder Judiciário, na arbitragem, nos contratos, nos regulamentos internos das empresas);
  3. c) interesses (em que se busca uma solução que atenda aos interesses de todos, a partir da colaboração, tal como ocorre na negociação baseada em princípios e na mediação).

Analisando as notícias veiculadas na mídia sobre o coronavírus, com a sobreposição de várias áreas (saúde, economia, direito), podemos começar a imaginar situações em que essas diferentes abordagens são utilizadas, ora preponderando um método, ora outro.

Para encontrar a abordagem mais adequada a cada conflito, os referidos autores propõem analisar o impacto em relação a:

  1. a) custos decorrentes do conflito (que incluem custos diretos e indiretos, tais como tempo, dinheiro, energia emocional; custos de oportunidade, decorrentes da privação de bens ou direitos disputados, que indica o valor do benefício abandonado ao escolher uma alternativa em vez de outra, oportunidades perdidas; e custos de transação, aqueles envolvidos para obter informações, negociar, monitorar e fazer cumprir o contrato);
  2. b) satisfação com os resultados (atendimento dos interesses, percepção de ganhos mútuos, percepção de justiça sobre o conteúdo e sobre o procedimento, oportunidade de exprimir seu ponto de vista, capacidade de intervenção e de formulação de opções para solução);
  3. c) efeitos produzidos na relação (capacidade de manterem uma colaboração cotidiana futura);
  4. d) recorrência conflitual (capacidade de sustentar os acordos feitos, evitar conflitos e resolverem por si mesmos questões posteriores).

Cabe ao advogado, em conjunto com seu cliente, analisar estas abordagens e critérios, para identificar a metodologia adequada ao caso concreto.

Os métodos consensuais ganham destaque, já que as soluções negociadas diretamente, ou por meio da mediação ou da conciliação, costumam ter melhor custo-benefício sob a perspectiva do custo financeiro e emocional , proporcionam mais satisfação com o resultado diante do controle dos riscos, geram impacto positivo nas relações e facilitam a prevenção e gerenciamento de conflitos futuros, inclusive pela aprendizagem desenvolvida.

É dever do advogado “estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, parágrafo único, inc. VI, Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e da Advocacia).

Nesse sentido, a OABSP editou Nota Técnica onde reconhece que a “advocacia utilizando métodos consensuais também é advocacia” e “resolver os conflitos sem recorrer ao Poder Judiciário utilizando métodos consensuais também é advocacia”. E valoriza o profissional e a função social do advogado recomendando que: “para cooperarmos com a administração da justiça, espera-se do advogado uma postura assertiva, dinâmica, estratégica, propositiva, com habilidades de negociação em favor dos interesses de seus clientes a fim de solucionar os problemas pelos quais estes passarão em decorrência da grave crise econômica e social derivada da Pandemia da COVID-19”.

Comumente, quando a pessoa consulta o advogado para compreender seus direitos e deveres e receber orientação, já passou por uma fase de negociação direta sem sucesso.

Aí começa a fase da negociação assistida pelo advogado, que pode se pautar na mediação e na conciliação.

A conciliação é recomendável para situações de menor impacto emocional e financeiro, em que as tratativas direcionadas ao acordo contarão com um espaço menor de negociação, pois ficam limitadas às posições, ou seja, ao que a pessoa exige que o outro lado faça ou deixe de fazer. Por isso, o procedimento necessita de menos informação, é mais superficial, rápido, direcionado ao acordo, e faz sentido que o conciliador, como terceiro imparcial, faça sugestões. É adequado para conflitos pontuais, de baixa complexidade, em que o relacionamento não é relevante para as partes.[3]

A mediação é recomendável para situações de significativo impacto emocional e financeiro, já que as tratativas envolvem a desconstrução das posições (aquilo que a pessoa exige do outro) para a compreensão dos interesses (aquilo que realmente importa e motiva), cujo procedimento contará com um espaço amplo de negociação, incluindo aspectos subjetivos e objetivos. O mediador atua como terceiro multiparcial, que trabalha para todas as partes ao mesmo tempo, competente na condução do procedimento em todas as suas fases,  com técnicas e habilidade para lidar com as diferenças que levaram ao conflito e auxiliá-las a encontrar saídas criativas, a partir do levantamento das informações necessárias e da geração de opções,  para acordos de benefício mútuo, com o máximo atendimento dos interesses de cada um. Por isso, o procedimento necessita de mais informação, mais tempo, é mais aprofundado, direcionado ao resultado, e faz sentido que as partes construam a solução. É adequada para conflitos de média e alta complexidade. [4]

Está na hora de o advogado despertar o olhar para a mediação privada como processo para a tomada de decisão.

Além de outros benefícios, estrategicamente, é de muita utilidade a compreensão de que a mediação, como processo para trocar as informações necessárias para a tomada de decisão, leva a dois resultados: a) acordo construído em conjunto pelas partes (decisão conjunta); b) percepção de que há uma solução mais adequada fora da negociação, que pode ser implementada sem o outro lado (decisão individual).

As pessoas sempre tomam uma decisão ao final da mediação, pode vir a ser um acordo ou meramente uma decisão que identifica a existência de uma possibilidade melhor do que se tem disponível na negociação e que também é legítima.

A mediação privada (extrajudicial) poderá ser realizada por meio independente, utilizando-se um mediador ad hoc (contratado para o caso) ou por meio institucional, utilizando-se de uma câmara ou plataforma de mediação, de forma presencial ou online.

Inclusive, empresas de tecnologia como a MOL — Mediação Online já tornam possível resolver conflitos de forma 100% online, o que resulta em economia financeira e de tempo, além de menos desgaste das partes. Inclusive, é ideal principalmente nestes tempos de isolamento social.

Critérios para escolher entre o mediador independente ou à mediação em câmara ou plataforma online estão relacionados ao tipo de conflito, valor envolvido, comodidade de secretaria, necessidade de discrição, existência de cláusula escalonada para a arbitragem; espaço para as reuniões; localização; reputação e imagem; segurança; acessibilidade; dentre outros.

Os acordos promovidos em mediação privada podem constituir títulos executivos extrajudiciais, nos termos do art. 784, do CPC e do art. 20 da Lei 13.140/2015.

Incumbe aos advogados estimular a homologação judicial apenas dos acordos em que realmente for imprescindível esta medida.

A mediação, por sua essência e natureza, desenvolve-se no âmbito privado, pautada na voluntariedade.

A voluntariedade consiste na liberdade de: a) optar pela mediação como método; b) escolher o mediador; c) de continuar em todas as etapas ou abandoná-la a qualquer tempo; d) decidir sobre o conteúdo do acordo.

Naturalmente a mediação segue o caminho privado.

É até inusitado pensar que é necessária uma lei ou um juiz para determinar que as partes conversem entre si para resolver suas questões.

O advogado sempre cumpriu e continuará a cumprir a importante e insubstituível função de aproximação das partes para negociação por meio da assessoria jurídica. O advogado é o único personagem neste cenário capaz e autorizado a possibilitar que seus clientes possam tomar uma decisão devidamente informada e consciente. E já há tempos pode contar com a mediação privada para, além de facilitar este caminho, atuar com a contemporaneidade que está sendo chamada. Basta agora conhecer profundamente e confiar no processo de mediação, como seu melhor aliado.

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[1] Disponível em <http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/mediacao-conciliacao/noticias>, acesso em 10.05.2020.

[2] URY, William, BRETT, Jeanne, GOLDBERG, Stephen. Resolução de Conflitos. Lisboa: Actual, 1993, p. 35-53.

[3] “O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem” (art. 165, parágrafo 2º, CPC).

[4] “O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos” (art. 165, parágrafo 3º, CPC). A Lei de Mediação, regula somente a mediação, definindo-a como “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (artigo 1º, parágrafo único).

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