A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), oficialmente Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, completa 22 anos nesta quarta-feira (4). Quais seriam os motivos para celebrações nesses tempos atuais?
No seu primeiro artigo, a Lei de Responsabilidade Fiscal destaca o planejamento e a transparência como essenciais para a responsabilidade fiscal, materializada na prevenção de riscos e correção de desvios nas contas públicas. “A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”. Tal condição permite aferir a aderência e examinar a efetividade da adoção de uma cultura de maior sustentabilidade das políticas públicas e dos fluxos de utilidades prometidas à população.
As informações sobre a capacidade operacional e a sustentabilidade de resultados podem ser deduzidas do conjunto de bens e direitos e obrigações de qualquer entidade, pública ou privada, ou seja, seus balanços patrimoniais. Tais posições patrimoniais do conjunto de entidades e órgãos governamentais podem ser acompanhadas, anualmente, desde 2000, pelas divulgações de demonstrações contábeis consolidadas do setor governamental brasileiro realizadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
De um lado, os bens e direitos controlados pelas entidades incluídos nos ativos representam a sua capacidade operacional. Isto é, o potencial de executar serviços e a capacidade de gerar benefícios econômicos para toda a sociedade. Por outro, as obrigações junto a terceiros constam dos passivos, que evidenciam o grau de alavancagem (endividamento) da entidade, ou seja, o uso do capital de terceiros para ampliar a capacidade operacional própria.
Dessa maneira, a diferença entre ativos e passivos – os bens e direitos menos as obrigações – expressa a situação do setor público nacional na forma de patrimônio líquido. Assim, mais bens e direitos do que obrigações geram patrimônios líquidos positivos – “gordura” para tempos difíceis, que beneficia gestões e gerações futuras –, enquanto passivos maiores do que ativos produzem patrimônios líquidos negativos. Ou seja, passivos a descoberto, em que uma administração assume compromissos a serem quitados por governos e gerações futuras.
O balanço
Conforme a Tabela Única a seguir, entre 2000 e 2020 (dados mais recentes disponíveis), a capacidade operacional do setor governamental aumentou em R$ 752,6 bilhões (10%), enquanto o endividamento cresceu R$ 9.268,6 bilhões (227%) em valores deflacionados de 2020. Os prejuízos acumularam R$ 6.226,7 bilhões no período (599%), ou seja, taxa média composta de 10,1% ao ano de perdas.
TABELA ÚNICA – Balanços consolidados do setor governamental (União, DF, estados e municípios) – em R$ milhões
Item | (A) 2000 |
(B) 2000 *valores de 2020 |
(C) 2020 |
(D) diferença 2020-2000 *valores de 2020 |
(E) variação |
ativo | R$ 2.207.350 | R$ 7.290.995 | R$ 8.043.631 | R$ 752.636 | 10% |
passivo | R$ 1.238.372 | R$ 4.090.409 | R$ 13.358.985 | R$ 9.268.576 | 227% |
patrimônio líquido | R$ 275.913 | R$ 911.355 | -R$ 5.315.354 | -R$ 6.226.709 | -683% |
Fonte: STN
O que isso significa?
Dito de outro modo, não há evidências de sustentabilidade para padrões de escolhas públicas que comprometem gestões governamentais e gerações futuras na ordem de 10,1% ao ano.
Ao que tudo indica, o foco do controle orçamentário em disponibilidades de caixa e obrigações junto ao sistema financeiro não tem dado conta de nos conduzir ao almejado equilíbrio sustentável das contas públicas e da continuidade ou ampliação de entregas incrementais de utilidades públicas.
Passados 22 anos de Lei de Responsabilidade Fiscal, parece que a tentativa de adotar uma nova cultura na Administração Pública brasileira baseada no planejamento, na transparência, na “accountability” e no equilíbrio das contas públicas ainda precisa urgentemente de ajustes: o desequilíbrio fiscal constatado impede a concretização dos objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3º da Constituição Federal, que preconiza uma sociedade justa e solidária, com desenvolvimento nacional, redução das desigualdades e bem estar de todos os brasileiros.