Direito Tributário

ICMS na importação de bens por não contribuinte

A jurisprudência do STF na Súmula 660 e nas decisões proferidas nos Temas 171 e 1094

alienações realizadas na recuperação judicial
Crédito: Pixabay

O ICMS é um imposto que incide sobre a operação de circulação de mercadorias, de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação, quando realizada por contribuinte do imposto, assim considerado aquele que pratica o fato gerador do imposto, de modo habitual ou em volume que caracterize intuito comercial.

Quando uma pessoa física ou jurídica não preenche os requisitos de ser contribuinte, o ICMS não é exigido na operação, pois não há fato gerador do imposto. É por isso que não pode incidir ICMS, por exemplo, na venda de ativo imobilizado, com ressalva à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1012, segundo a qual as locadoras de veículos se tornam contribuintes ao comercializar, com habitualidade, automóveis usados integrados ao seu ativo imobilizado.

Foi nesse contexto que o STF decidiu que o ICMS não poderia ser cobrado de não contribuintes que importavam mercadorias para uso próprio (uso e consumo ou ativo permanente), ainda que a Constituição previsse a incidência do ICMS na entrada de mercadorias importadas do exterior (art. 155, §2º, IX, “a”). Para o STF, esse dispositivo se aplicava apenas a importadores contribuintes. A Suprema Corte também entendia que, em razão de não haver saída subsequente tributada, a exigência do ICMS nessas operações violaria o princípio da não-cumulatividade, uma vez que seria impossível compensar o imposto devido em cada operação posterior com o montante cobrado nas operações anteriores.

Essa jurisprudência foi consolidada no Enunciado Sumular n. 660 do STF, publicado no ano de 2003 (Súmula 660): “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.”.

A solução encontrada pelos estados e pelo Distrito Federal, seja com fins a garantir a arrecadação aos cofres públicos, seja para proteger o mercado brasileiro (afinal de contas, tornava-se menos custoso aos não contribuintes importar mercadorias do exterior a adquiri-las no mercado nacional), foi alterar a Constituição para criar uma nova hipótese de incidência do ICMS.

A Emenda à Constituição nº 33, publicada em 11/12/2001 (EC 33/01), incluiu a alínea “a” ao inciso IX do parágrafo segundo do art. 155 para autorizar a incidência do ICMS “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior (…)”, bem como previu a exigência de lei complementar para “fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço” (art. 155, §2º, XII, “i”).

Após a promulgação da EC 33/01, o Congresso Nacional publicou a Lei Complementar nº 114, de 16/12/2002 (LC 114/02) e cada um dos Estados e o Distrito Federal editou legislação interna para prescrever a exigência do ICMS em operações de importação, ainda que realizadas por não contribuinte do imposto.

A discussão, então, foi novamente levada ao STF na análise do Tema 171 (Recurso Extraordinário nº 439.796/PR, julgado em 06/11/13). Três foram os aspectos definidos pela Suprema Corte: (i) é possível a incidência do ICMS nas importações realizadas por não contribuintes após a edição da EC 33/01; (ii) é necessária a edição de Lei Complementar específica para introduzir no ordenamento jurídico as regras previstas na EC 33/01; e, por fim, (iii) é necessária a edição de lei interna por cada Estado e pelo Distrito Federal para introduzir em seus ordenamentos as previsões da EC 33/01 e da lei complementar.

Interessante notar que nessa decisão restou expressamente consignado que a “ampliação da hipótese de incidência, da base de cálculo e da sujeição passiva da regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior à EC 33/2001 e à LC 114/2002 não serve de fundamento de validade à tributação das operações”. Essa exigência, no entanto, foi recentemente reformada no julgamento do Tema 1094 (Recurso Extraordinário nº 1.221.330/SP, julgado em 16/06/2020).

No Tema 1094, o STF avaliou a constitucionalidade da Lei do estado de São Paulo nº 11.001, de 22/12/01, editada anteriormente à LC 114/02. Ao se debruçar sobre a legislação paulista, a Suprema Corte entendeu constitucional a incidência do ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços após a promulgação da EC 33/01.

Contudo, o STF inovou sua jurisprudência ao entender que as leis estaduais que possuíam o propósito de introduzir o ICMS sobre referida operação editadas após a EC 33/01 e antes da entrada em vigor da LC 114/02 são válidas, com produção de efeitos somente a partir da vigência da LC 114/02, respeitados os princípios da anterioridade anual e nonagesimal.

Em suma, a jurisprudência do STF parece ser coerente quando definiu que o ICMS não pode incidir na importação realizada por não contribuintes antes da edição da EC 33/01, sendo necessária a edição de lei complementar nacional e lei local que prescrevam referida exigência do ICMS. A diferença entre a Súmula 660 e a decisão no Tema 171 se explica pela inovação no sistema constitucional tributário brasileiro mediante Emenda Constitucional.

No entanto, a decisão proferida no Tema 1094 procedeu com um overruling parcial da decisão proferida no Tema 171, ao reconhecer que a lei local poderia ser editada anteriormente à lei complementar, permanecendo válida e vigente, ressalvadas as hipóteses de conflito entre essas legislações.


O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça: