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Contribuição social

FGTS: STF ainda não esgotou discussão sobre inconstitucionalidade de adicional

Corte concluiu que não houve exaurimento da finalidade legal da contribuição, mas cobrança é constitucional?

Crédito: Supremo Tribunal Federal

Terminou nessa segunda feira (17/08) o julgamento do RE nº 878.313 (Tema 846 da repercussão geral) pelo Plenário Virtual do STF. Na ocasião, a Corte decidiu pela constitucionalidade da contribuição social de 10% sobre o FGTS devida pelo empregador em caso de despedida de empregado, sem justa causa.

Essa contribuição foi instituída pelo art. 1º, da LC nº 110/2001 (hoje revogado) com a finalidade de recompor  as contas do FGTS em razão dos expurgos inflacionários das contas vinculadas, no período de 10 de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e no mês de abril de 1990, decorrentes da decisão proferida pelo próprio STF, no ano 2000, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 226.855 e nº 248.188, pelos quais o Plenário da Corte reconheceu a correção monetária a menor dos saldos das contas vinculadas do Fundo, na implementação dos Planos Verão e Collor I.

Prevaleceu no recente julgamento o voto proferido pelo min. Alexandre de Moraes,[1] que, divergindo do voto proferido pelo min. Relator Marco Aurélio, fez valer a tese de que “é constitucional a contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, tendo em vista a persistência do objeto para a qual foi instituída”.

Como se nota do teor da própria tese fixada, a discussão realizada pela Corte girou exclusivamente em torno da alegada inconstitucionalidade da contribuição em razão da perda de sua finalidade legal, reconhecida expressamente pela própria Caixa Econômica Federal, que arrecadava os valores.

Sem querer entrar nos detalhes do voto vencedor, que, a nosso ver, de forma incorreta, concluiu que “a contribuição social prevista no art. 1º não se destina exclusivamente ao fim previsto no art. 4º da referida Lei” e que, por isso, não teria exaurido sua finalidade, este artigo tem o objetivo de demonstrar que o debate acerca da inconstitucionalidade da referida cobrança ainda está longe do fim.

Isso porque um dos principais argumentos sob os quais se discute a inconstitucionalidade da cobrança reside na incompatibilidade da base deste tributo com o que dispõe o art. 149 da Constituição Federal, a partir da redação dada pela Emenda Constitucional nº 33/2001.

É que a EC nº 33/01 foi editada para acrescentar ao art. 149 da Carta Política uma lista taxativa das possíveis bases de incidência para as contribuições sociais gerais, categoria na qual se enquadra a contribuição discutida e dentre as quais não está contemplada a base utilizada no cálculo pela LC nº 110/2001, que se refere aos “depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho”.

Conforme explicitado na alínea “a” do inciso III do § 2º do referido art. 149, essa espécie tributária, a partir da EC nº 33/01, somente pode ostentar como base de cálculo, na hipótese de alíquota ad valorem, o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação, o que definitivamente não ocorre na hipótese da contribuição de 10% para o FGTS, causando, assim, a incompatibilidade superveniente do tributo com o texto maior, independentemente da perda ou não de sua finalidade.

A questão que não foi enfrentada no julgamento do RE nº 878.313 é, atualmente, um dos principais argumentos com base nos quais os contribuintes questionam a constitucionalidade da contribuição e, como atrás se viu, não se encontra abrangida pela tese fixada pelo STF que se restringe a afirmar a legitimidade da exação apenas em face da “persistência do objeto para a qual foi instituída”.

Ocorre que a natureza taxativa do rol inscrito no art. 149, III, “a”, da CF/88 já foi reconhecida, no ano de 2013, pelo próprio Plenário do STF, mais especificamente na ocasião do julgamento do RE nº 559.937[2], no qual foi declarada, sob a sistemática da repercussão geral, a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins – Importação.

O voto proferido pelo min. Ricardo Lewandowski na ocasião foi categórico quanto a isso, confira-se: “Senhor Presidente, da mesma forma, eu acompanho a eminente relatora e, agora, o profundo voto apresentado pelo ministro Dias Toffoli, observando que o rol do artigo 149, inciso III, alínea a, é um rol taxativo, ele estabelece as bases econômicas sobre as quais podem incidir as alíquotas desse imposto. E não é possível, como notou também o ministro Luiz Fux, que a lei ordinária amplie este rol taxativo, consignado na Constituição”.

O mesmo posicionamento foi recentemente ratificado em voto proferido pela min. relatora Rosa Weber nos autos do RE nº 603.624[3], que trata da inconstitucionalidade das contribuições ao Sebrae, APEX e ABDI, justamente porque incidem sobre a folha de salários, grandeza essa não prevista no art. 149, III, “a”, da CF/88.

Na ocasião, a eminente ministra, respeitando, com toda a razão, o entendimento historicamente construído pelo Plenário da Corte no caso julgado em 2013, entendeu que é taxativo, e não exemplificativo, o rol inscrito no referido dispositivo e sugeriu a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “a adoção da folha de salários como base de cálculo das contribuições destinadas ao Sebrae, à APEX e à ABDI não foi recepcionada pela Emenda Constitucional nº 33/2001, que instituiu, no art. 149, III, ‘a’, da CF, rol taxativo de possíveis bases de cálculo da exação”.

Para fundamentar sua conclusão, a magistrada, que tem se revelado uma respeitável voz em matéria de tributação, reconheceu corretamente e a tempo que as normas de direito tributário, especialmente as de natureza constitucional, somente podem ser interpretadas na forma da legalidade estrita, sem espaço para construções expansivas pelo Estado-Juiz, pois historicamente buscam a “proteção da esfera jurídica dos cidadãos em face do Estado”, conforme se observava desde a promulgação da Carta Magna de 1215[4] e também do Bill of Rights – ambos mencionados expressamente no voto.

Dessa forma, o termo “poderão” previsto no dispositivo constitucional em comento (art. 149) não poderia ser lido, como quer a Fazenda Pública, como instituidor de um rol meramente exemplificativo, possibilitando a escolha pelo legislador de qualquer base de cálculo, sob pena de causar prejuízo à segurança jurídica do contribuinte.

A ministra Rosa Weber também enfrenta em seu voto o argumento o argumento de que a alteração promovida pela EC nº 33/01 apenas teria efeito para contribuições criadas depois de sua promulgação, concluindo corretamente que tal interpretação validaria “a convivência de espécies tributárias idênticas (contribuições de intervenção no domínio econômico) sob regimes tributários diversos, embora todas sob a égide de um só comando constitucional”, ferindo a lógica de que as alterações constitucionais invalidam as normas infraconstitucionais anteriores e com elas incompatíveis.

O mesmo posicionamento adotado pela min. Rosa Weber no caso Sebrae também foi recentemente chancelado pelo min. Edson Fachin na discussão sobre a contribuição para o INCRA (RE nº 630.898[5]), que também tem como base de cálculo a folha de salário e, por isso, de igual modo deixou de adotar as bases autorizadas no art. 149, III, ‘a’, da CF.

Em seu voto, o ministro Facchin, que também tem se destacado no julgamento de causas tributárias com votos de importância doutrinária, além de reconhecer a taxatividade do dispositivo citado, de acordo com a decisão do STF de 2013, na mesma linha da minista Rosa conclui que não cabe uma interpretação flexível do rol de bases imponíveis, nem limitar as alterações da EC nº 33/01 apenas para o futuro.

O min. Facchin em seu voto cita o voto então proferido pela min. Ellen Gracie no já mencionado RE nº 559.937, no qual ficou expressamente consignado que “a utilização do termo ‘poderão’, no referido artigo constitucional, não enuncia simples alternativa de tributação em rol meramente exemplificativo”, o que seria comprovado pela comparação com o fato de que “o próprio art. 145 da CF, ao falar em competência dos diversos entes políticos para instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, também se utiliza do mesmo termo”, não significando, entretanto, que “se trate de rol exemplificativo, ou seja, que os entes políticos possam instituir, além daqueles, quaisquer outros tributos que lhes pareçam úteis”.

E a conclusão destes ministros nem poderia ser diferente, pois se a Constituição Federal quisesse atribuir ampla liberdade ao legislador para a instituição da base imponível das contribuições, nenhuma razão existiria para que a EC nº 33/01 tivesse expressamente incluído um rol de bases de cálculo no inciso III do § 2º do art. 149. A interpretação fazendária torna não só inútil, como sem sentido o inciso III do § 2º do art. 149 da CF/88.

Apesar do posicionamento favorável dos dois relatores, os julgamentos dos casos Sebrae e INCRA não foram ainda concluídos, pois, após os votos divergentes pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, foi apresentado destaque pelo min. Gilmar Mendes e, com isso, os dois casos deverão voltar em breve para a conclusão do julgamento pelo Plenário, na modalidade videoconferência.

Assim, a depender a solução firmada no julgamento desses dois leading cases, será possível afirmar definitivamente se a hoje extinta contribuição social de 10% sobre o FGTS devida pelo empregador em caso de despedida de empregado, sem justa causa, era ou não compatível a Constituição Federal, uma vez que a tese firmada em relação às contribuições para o Sebrae e INCRA deverá ser aplicada também à contribuição para o FGTS, pela sua identidade de argumentos.

Em outras palavras, o STF concluiu que não houve exaurimento da finalidade legal da referida contribuição, contudo, resta ainda saber se a cobrança é constitucional, uma vez que a sua base de incidência que não estava contemplada no rol previsto no art. 149, III, “a”, da CF/88.

A conclusão dos julgamentos do casos Sebrae e INCRA parece já pavimentada a favor dos contribuintes, já que é histórica a posição do STF sobre o tema desde o ano de 2013, quando julgou o RE nº 559.937 e que se espera seja reconfirmada pela Suprema Corte neste momento em respeito à sua função garantidora da segurança jurídica.

 


[1] Acompanharam a divergência os Ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos, além do relator, os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Roberto Barroso.

[2] Julgamento ocorrido em 20/03/2013.

[3] Julgamento iniciado em 07/08/2020.

[4] A Carta Magna editada na Inglaterra deu origem aos direitos humanos, como conhecemos atualmente.

[5] Julgamento iniciado em 07/08/2020.logo-jota