Opinião

Em defesa do STF e dos tribunais II

Convém abaixarmos a bola. Convém cumprir a Lei, sejam amigos ou inimigos do Rei

STF
Fachada do Supremo Tribunal Federal / Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Certamente o eminente Ministro Celso de Mello não precisa de defesa, como, tampouco, qualquer outro membro do Poder Judiciário. Nem de responder à carta mal educada de alguns militares da reserva, cujo teor parece longe da objetividade ali alardeada. Nosso decano chegou ao Supremo Tribunal Federal pela mesma via que dá acesso aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e os oficiais-generais, todos eles por força de ato do Senhor Presidente da República, nos termos do art. XIII e XIV, da Constituição da República. Talvez uma distinção se possa fazer: no caso de Ministros do STF há ainda a necessidade de aprovação do Senado da República.

Não temos dúvida nenhuma de que os Chefes das Forças Armadas e os seus oficiais-generais não chegam ali pelo apadrinhamento, embora a escolha derive unicamente de juízo do Presidente da República. Sequer conhecemos os estilos linguísticos e as preferências semânticas dos escolhidos pelo Presidente da República, mas obviamente não são tais características que militariam em favor da preferência do escolhido.

Celso de Mello foi aprovado em 1º lugar no concurso do Ministério Público de São Paulo, no início da década de 70, lá permanecendo por quase duas décadas, antes de chegar ao STF. Também galgou o último grau da carreira do MP por força de suas virtudes, gozando da admiração de seus pares. Tivesse ele subordinados, eles também o admirariam. Assim o fazem todos os servidores de seu Gabinete. Quanto a dar à vida por seu país, ou em defesa da pátria, seus últimos atos indicam que assim ele o faria, sem pestanejar. Quem defende a democracia e o Estado de Direito com o desassombro por ele demonstrado, em tempos tais de cólera, de ataques verbais e de fogos de artifício, coloca seu corpo como anteparo ao arbítrio e aos artifícios – agora em outro sentido – utilizados para banalizar o significado da liberdade.

Grassa a discórdia quando o certo ou o errado dependem apenas e unicamente da coincidência, ou não, com o juízo de quem avalia.

Em recente entrevista me foi perguntado sobre constituírem crimes as Fake News. O interlocutor manifestava dúvida sincera sobre a extensão dos efeitos da coisa.

Ora, nem toda informação falsa constitui crime, a depender sempre do conteúdo veiculado. O crime é a notícia mentirosa que causa danos à honra ou a outro bem protegido pelo Direito. Toda fake, porém, seja ela portadora ou não de um crime, jamais poderá ser classificada como liberdade de expressão. A Lei e o Direito não são uma questão de opinião. Não há direito nenhum que reconhece a legitimidade da mentira. Podemos discordar de todas as decisões do Poder Judiciário, mas nem por isso podemos dizer que os juízes são todos comprados ou vagabundos. Isso não é liberdade de expressão! É crime contra a honra!

A liberdade, como manifestação livre da individualidade ou da coletividade, configura exercício do direito. Temos efetivo direito de dizer que todos os nossos parlamentares são péssimos e nem deveriam estar lá. Mas não podemos defender o fechamento do Congresso Nacional, porque isso caracteriza ataque às instituições do Poder Público, vedado na Constituição da República e em leis nacionais. Não vemos como entender isso parece ser tão difícil!

A importância do respeito recíproco entre as instituições ultrapassa o debate sobre a liberdade de opinião. As Forças Armadas e as Polícias Militares, incluindo aquelas pertencentes à polícia judiciária, constituem patrimônio nacional e existem em benefício dos cidadãos. Todas elas devem ser respeitadas e devem também respeito à Constituição e ao Direito, do mesmo modo que assim devem fazê-lo todos os demais Poderes.

Como também o deve o Poder Judiciário, obviamente.

Mas, queiram ou não, cabe ao STF dar a última palavra sobre a interpretação constitucional, ainda que errada, como muitas vezes já nos pareceu. E essa foi uma escolha do poder constituinte! Se os cidadãos, o Congresso Nacional, o Presidente e os Oficiais da Reserva passarem a se achar em condições de aceitar somente aquilo que julgarem ser decisão certa, e, em consequência, de rejeitar aquelas reputadas erradas, e, sobretudo, outras, tidas assim por decisões absurdas, não há como negar que todos eles estarão rasgando a Constituição. No âmbito das instituições e de suas relações, não deveria existir eles ou nós, e, tampouco, nosso lado e o outro lado. Todas as instituições devem estar do mesmo lado, o da Constituição da República.

Convém abaixarmos a bola.

Convém cumprir a Lei, sejam amigos ou inimigos do Rei.

Convém deixar o trombone para quem sopra música e não barulho de arruaça. Fogos de artifício em Copacabana é liberdade de espírito e manifestação de paz; no STF é violência estúpida e terrorista. Confiamos que as Forças Armadas e nossas Polícias saberão a diferença radical entre as duas coisas. Do mesmo modo que veriam se o destino (dos fogos) fossem os quartéis e as delegacias.