Leonardo Barros Soares
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do programa de pós-graduação em ciência política da UFPA. Mestre e doutor em ciência política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas
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A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma forte federalização do debate em torno do desenho e implementação das políticas públicas relativas ao meio ambiente. Por óbvio, pela sua extensão, estonteante biodiversidade e papel central na regulação climática nacional e internacional, o bioma amazônico é, não raro, objeto de atenção dos e das presidenciáveis, tornando-se uma pauta incontornável dos candidatos a chefiar a República.
A essa altura do campeonato já está muito claro o que Jair Bolsonaro (PL) pensa sobre a região amazônica, assim como suas consequências catastróficas. Menos óbvio, no entanto, é saber qual será o lugar dessa discussão em um provável novo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também cumpre perguntar como o candidato Ciro Gomes (PDT) enxerga esse tema e como o articula no interior de sua compreensão da política neodesenvolvimentista que advoga em seu programa de governo.
Essas agendas serão objeto de análise da editoria de meio ambiente do Observatório das Eleições em um momento oportuno. No presente texto, no entanto, tomaremos um caminho menos usual e nos dedicaremos a fazer um debate inicial sobre o papel dos governos estaduais na proteção ambiental, com especial foco para o processo de desmatamento em curso nos estados que fazem parte da chamada Amazônia Legal: Maranhão, Pará, Amapá, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso. A pergunta que fazemos é a seguinte: o que podemos esperar, em termos de repercussões para o desmatamento amazônico, diante do atual cenário eleitoral para os governos estaduais?
O fio condutor de nossa breve análise é um artigo da cientista política estadunidense Alice Xu, da Escola de Governo da Universidade Harvard, intitulado, em tradução livre, “As origens políticas do desmatamento na Amazônia brasileira entre 2000 e 2012” (disponível, em inglês, aqui). Nesse trabalho premiado, Xu demonstra que há uma correlação entre eleições competitivas a nível municipal e o aumento do desmatamento nessas localidades. Seu argumento é o de que eleições competitivas fornecem incentivos para que os candidatos se aproximem de financiadores de campanha envolvidos com atividades florestais predatórias. A autora sugere que após um ano da eleição é possível perceber um processo de intensa nomeação de agentes de confiança do prefeito que agem para afrouxar as regulações ambientais locais e, assim, favorecer o desmatamento.
Suponhamos que os achados de Xu para o nível municipal na região amazônica sejam similares para o contexto da competição estadual, tendo em mente as mediações metodológicas necessárias. O que poderíamos imaginar a partir do cenário que as pesquisas de intenções de voto começam a delinear?
Segundo as primeiras sondagens, o panorama é o seguinte: dos nove governantes da região, as eleições parecem estar próximas de serem decididas no primeiro turno só em dois casos: no Pará, com Helder Barbalho (MDB) apresentando sólidos 63% frente aos 10% de Zequinha Marinho (PL); e em Mato Grosso, onde Mauro Mendes (União Brasil) apresenta 43% das intenções de voto, com enorme folga para o segundo colocado, Procurador Mauro (PSOL), que aparece com apenas 9%. Barbalho e Mendes são bem avaliados em seus governos e, a menos que alguma reviravolta aconteça, devem ser reeleitos com tranquilidade.
O panorama é bem distinto nos demais sete estados amazônicos. Em todos eles a eleição aparece de forma bastante competitiva, sem definição clara dos favoritos. No estado do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima (União Brasil) apresenta igual intenção de voto à de Amazonino Mendes (Cidadania), 28%. Igualmente, no Tocantins, o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) apresenta empate técnico com Ronaldo Lima (PL), com 24% das intenções de voto.
Cenário ainda indefinido também no Acre, que tem a dianteira do atual ocupante do cargo, Gladson Camelli (PP), com 38%, mas sem vantagem confortável em relação aos concorrentes. Em Rondônia, o governador Marcos Rocha (União Brasil) apresenta cerca de 32% das intenções de voto, seguido de perto por seus concorrentes.
No Maranhão, o incumbente Carlos Brandão (PSB) está tecnicamente empatado com Weverton Rocha (PDT), com 22%, e no Amapá, o vice-governador Jaime Nunes (PSD) amealha 37,7% das intenções de voto frente aos 29,7% de Clécio Luís (Solidariedade). Por fim, em Roraima, o incumbente, Antonio Denarium (PP), está atrás da desafiante Teresa Surita (MDB), por 47 a 36%.
Ou seja, no Pará — segundo colocado no ranking de desmatamento monitorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe) até maio de 2022 — a aparente tranquila reeleição de Barbalho sancionará o intenso desmatamento em áreas de conservação do estado. Por sua vez, em Mato Grosso — que tem o menor percentual de território designado como de proteção ambiental dentre todos os estados da Amazônia Legal — a popularidade de Mauro Mendes poderá conduzir o estado a mais quatro anos de incentivos à expansão da fronteira do agronegócio. Vale lembrar que Mato Grosso já perdeu, entre 1985 e 2020, impressionantes 29,4% de suas florestas.
Além disso, o cenário não é mais animador nos demais estados. Rondônia, por exemplo, não apenas é o estado da região que mais perdeu cobertura florestal nativa, como também é aquele que mais desmatamento sofreu em unidades de conservação estaduais, seguido de perto por Maranhão e Tocantins.
Roraima e Amazonas não devem alterar seu histórico de governos com fortes articulações com setores ruralistas interessados na expansão de terras agricultáveis, pecuária extensiva, exportação de madeira e, consequentemente, promotores de desmatamento ilegal.
É fato que os estados amazônicos se movimentaram para não perderem o acesso ao bilionário Fundo Amazônia já nos primeiros meses do governo Bolsonaro, mas com repercussões pouco significativas. Os últimos quatro anos foram de baixo investimento em proteção ambiental não somente a nível federal, mas também estadual, com as consequências conhecidas traduzidas em recordes anuais de desmatamento e queimadas na região. No horizonte das eleições estaduais, pelo menos até o momento, não é possível discernir nenhuma agenda política forte no sentido contrário à tendência que se estabeleceu nos últimos anos no país.
Em suma, se o argumento de Alice Xu se mantiver verdadeiro, pelo menos em suas linhas gerais, para o cenário eleitoral estadual, não podemos esperar que uma grande reversão do intenso processo de desmatamento em curso na Amazônia Legal venha a acontecer a partir de 2023. Não apenas os atuais governos já apresentam fortes propensões ao desmantelamento das proteções normativas e das políticas públicas para o meio ambiente, como a competição pode acirrar ainda mais esse quadro. Ou seja, o que já está ruim, pode piorar ainda mais.
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Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br