As alterações da Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei 11.101/2005) completaram um ano em dezembro de 2021 e, como esperado, vários dos antigos questionamentos dos militantes no âmbito da insolvência empresarial não foram abordados, enquanto outros novos surgiram, fruto das incertezas sobre a melhor forma de interpretação das alterações advindas com a Lei 14.112/2020.
Um dos alvos de questionamentos é a possibilidade ou não do direito de voto dos credores já admitidos por decisões nas respectivas habilitações retardatárias antes da realização da assembleia geral de credores (AGC). A indagação é: a proibição do direito de voto do credor por habilitação retardatária, prevista no art. 10, §1º da Lei de Falências e Recuperação (LFR), é uma penalidade perpétua?
O desembargador paulista Paulo Toledo, expoente no Direito Recuperacional, assim que publicada a Lei 11.101, em fevereiro de 2005, já assinalava a sua posição diante do possível conflito interpretativo:
Fica sem resposta expressa uma questão: terão os credores retardatários direito de voto se, na data da realização da assembleia, seus créditos tiverem sido admitidos por decisão judicial? Parece razoável entender que, nesse caso, por força do disposto no art. 39 da LRE, terão eles direito de voto[1].
Em julho de 2020, o desembargador carioca Eduardo Gusmão de Brito Neto, da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), decidiu pelo direito de voto dos credores admitidos por habilitações retardatárias já julgadas antes da AGC, destacando em seu voto:
Segundo o artigo 10, § 1º, da Lei 11.101, os credores habilitados após o prazo do artigo 7º, § 1º, não terão direito a voto nas deliberações da assembleia geral.
Fato, porém, é que o rigor do artigo 10 foi temperado pelo artigo 39, caput, pelo qual se assegura direito de voto aos titulares de créditos admitidos por decisão judicial, desde que, por óbvio, esta admissão ocorra antes da data da AGC (…)[2].
Diante da ausência de câmaras especializadas na matéria falimentar e recuperacional na grande maioria dos tribunais, é um alento poder contar com um precedente tão recente e preciso. Realmente a questão beira a simplicidade, pois, como decidiu o desembargador Eduardo Gusmão, é de bom senso admitir o direito de voto dos credores por habilitações retardatárias quando estes já tiverem sido reconhecidos por decisão judicial antes da AGC.
Defender o contrário aumenta a possibilidade de se premiar o devedor que omitir o maior número de credores não alinhados com a sua proposta recuperacional da lista que deve acompanhar a petição inicial, uma vez que a prática tem mostrado que muitos perdem o prazo de 15 dias para a apresentação tempestiva das suas habilitações de crédito perante o administrador judicial.
Nem sempre os titulares de crédito retardatário estarão privados do direito de voto, pois, se ao tempo da assembleia de credores seus créditos já constarem no quadro geral de credores ou, ainda, se já tiverem sido admitidos pelo próprio juízo da recuperação judicial, por força do art. 39 da LFR, eles se legitimam a votar.
Não é razoável e sequer lógico negar o direito de voto para aqueles que já foram reconhecidos, por decisão judicial, como credores sujeitos ao processo. Nessa senda, a lógica e a razoabilidade costumam ser os maiores e melhores argumentos, razão pela qual entendemos que deve ser reconhecido o direito de voto das pessoas que já tiveram suas habilitações e impugnações julgadas pelo juízo recuperacional antes da futura assembleia geral de credores.
Importante assinalar que o tratamento diferenciado para habilitações trabalhistas retardatárias guarda perfeita lógica com o sistema. Esses trabalhadores terão o direito de voz e voto em futura AGC que deliberará sobre o plano de recuperação judicial (PRJ), ou seu aditivo, mesmo que suas habilitações retardatárias não tenham sido julgadas a tempo, na medida em que pouco importa o valor dos seus créditos, pois eles exercem o denominado “voto por cabeça”.
Aliás, esse tratamento especial deveria ter sido estendido aos credores micro e pequenos empresários, que também votam “por cabeça”, mas houve certo açodamento legislativo na aprovação da Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, responsável pelo acréscimo da classe IV (art. 41, inciso IV, c/c 45, §2º, da LFR).
Mais uma vez, a razoabilidade deve se fazer presente a fim de que a justiça seja alcançada. Sem entrar no mérito religioso, diante de tantas mudanças proporcionadas pela Lei 14.112/2020, utilizamos de uma mensagem do papa Francisco destinada a todos os magistrados de que “uma sentença justa é uma poesia que repara, redime e nutre a alma dos jurisdicionados, não renunciem a esta oportunidade”.
Por fim, é salutar que os operadores do direito, de modo geral, utilizem da visão sistêmica para encontrar a melhor alternativa para cada caso.
[1] TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 30.
[2] Trecho do voto do Des(a). EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO, no julgamento do AI 0078513-16.2019.8.19.0000, em 09/07/2020, pela DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL DO TJRJ.