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Direito Antitruste não é obstáculo ao combate da Covid-19

Análise sobre possibilidade de empresas, mesmo concorrentes, formarem parcerias para fazer frente aos desafios atuais

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A crise da Covid-19 traz à sociedade desafios até há pouco inimagináveis. No setor econômico, se por um lado a grande maioria das empresas luta para continuar sobrevivendo apesar da redução brusca da demanda, outras empresas precisam aumentar rapidamente suas capacidades produtivas para fazer frente à explosão da demanda aos produtos para combate ao vírus.

Neste cenário, nas duas pontas, surge a pergunta sobre a possibilidade de empresas, mesmo concorrentes, formarem parcerias para fazer frente a esses desafios, em face às regras do direito da concorrência. A resposta é, em grande parte, afirmativa.

A união, permanente (em fusões) ou temporária (em parcerias) entre duas empresas concorrentes não é – via de regra –  ilegal. De acordo com a Lei 12.529/11, tais uniões somente serão ilegítimas caso possam gerar prejuízos ao bem estar social (normalmente entendido como prejuízo à “concorrência”).

Mas na maior parte dos casos, essas fusões ou parcerias são aprovadas, quando precisam ser submetidas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Ou seja, a restrição ou bloqueio é exceção.

A regra, então, é a análise caso a caso, ou como se chama no jargão concorrencial, a “regra da razão”. Uma forma simples de se entender isso é avaliar se o acordo entre as empresas causa mais benefícios ou mais prejuízos à sociedade. Se o balanço for positivo, elas devem ser aprovadas, mesmo que delas resulte uma redução do nível de competição até então existente.

E no momento em que vivemos, como essas parcerias devem ser avaliadas? A resposta é simples – da mesma forma que sempre foram. A atuação conjunta entre empresas concorrentes, hoje, pode ser tanto pro competitiva (lícita), como anticompetitiva (ilegal). Vejamos.

Se duas empresas concorrentes fabricantes de ventiladores fizerem uma parceria para aumentar a capacidade produtiva conjunta de ventiladores, tão necessários ao tratamento das vítimas, estariam agindo de forma a aumentar o bem-estar social, e, assim, a parceria seria lícita. O resultado da parceria seria melhor para sociedade do que o estado anterior – ou seja, as duas juntas estariam fabricando mais ventiladores para a sociedade do que se estivessem separadas. Da mesma forma, caso duas empresas fabricantes de máscaras cirúrgicas resolvam cooperar para melhorar a logística de transporte e distribuição das máscaras, estarão também agindo de forma a beneficiar a sociedade, caso o resultado da cooperação seja um aumento da disponibilidade do produto nos hospitais. Essa parceria seria também lícita.

É evidente, por outro lado, que nem toda cooperação será legítima. Caso produtores de álcool gel se reúnam e decidam eliminar a competição entre eles por meio de aumento de preço do produto, estarão constituindo um cartel, que será hoje, assim como sempre foi, considerando ilícito – e provavelmente um crime também.

Outra questão que surge em discussões sobre as parcerias lícitas entre empresas é a necessidade de submissão prévia ao Cade para aprovação, pelas regras de notificação dos “contratos associativos”. Assumindo aqui o cenário de parcerias temporárias entre concorrentes para combater o COVID-19, as notícias são boas. O Cade somente exige notificação de parcerias comerciais, e em determinados casos, quando a duração do acordo supera dois anos. Como o planejamento dessas ações é focado nos próximos meses, nenhum desses acordos seria considerado um “contrato associativo” para fins de notificação para aprovação do Cade.

Em resumo, neste momento o Brasil precisa de união de todas as suas forças para combater o vírus. Isso certamente incluirá parcerias legítimas e eficientes entre empresas, grandes e pequenas. O Direito Antitruste aplaudirá.