Dircêo Torrecillas Ramos
Prof. Dr. Livre Docente pela USP. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro do Conselho Superior de Direito da Fecomercio. Membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
A lei da Ficha Limpa não alcançará a ex-Presidente Dilma, mas poderá atingir o Deputado Eduardo Cunha. Ao contrário do que se comenta, os critérios, apesar de errôneos, que não condenaram a ex-Presidente à inabilitação por oito anos não favorecem o ex-Presidente da Câmara Federal. Entretanto, não haverá necessidade de “fatiar” as decisões contra os políticos porque a Constituição “cidadã” e a Lei da “Ficha Limpa”, alterada no parlamento, já o fizeram. É óbvio que o legislador constituinte, que continuou como legislador ordinário não iria atuar contra eles próprios sem deixar uma abertura.
Segundo um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, esta não contempla a chefia do executivo federal porque já o fizera a Constituição Federal, no artigo 52, parágrafo único, junto com a perda do cargo a inabilitação por oito anos para o exercício de função pública. Não se aplica aos parlamentares. A estes caberá a Lei Complementar no 135 de 4 de junho de 2010 – a chamada Lei da Ficha Limpa – a qual altera a Lei Complementar no64 de 18 de maio de 1990, incluindo novas hipóteses de inelegibilidade.
É mais branda do que a Constituição para o/a chefe do Executivo e cabe alguns comentários: primeiro porque a Lei Maior pune o “impeachment” com a inabilitação para todos os cargos públicos, enquanto a “Ficha Limpa” torna os demais políticos apenas inelegíveis. Portanto poderão exercer cargos “premiados” com foro privilegiado (escaparem do Juiz Sérgio Moro). No caso do Deputado Eduardo Cunha ele não estará sujeito a dois quesitos: se cometeu o crime e deve perder e se deve ficar inabilitado porque a Lei é taxativa quanto à inelegibilidade por oito anos. Entretanto, recebida a denúncia contra Deputado ou Senador, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à casa respectiva, havendo a possibilidade de sustar o andamento da ação, de acordo com o art. 53, § 3o, da Lei Máxima. Beneficia Cunha, Renan e qualquer outro parlamentar. Ainda mais: mesmo por incompatibilidade com o decoro e/ou por condenação criminal em sentença transmitida em julgado, a perda do mandato é decidida pela casa respectiva, em consonância com o art. 55, incisos II, IV, do Texto Maior. Quer dizer: pode ser condenado há 30 anos e não perder o mandato – como conciliar?
Afora estes escapes a Lei poderá contemplar aqueles que recorrerem e aí aguardarão em liberdade até o trânsito em julgado, ou seja, quando todos os recursos foram esgotados. Não haverá, nestes casos, punição pela condenação de um colegiado presumindo-se de um tribunal de segunda instância. Digo presumindo porque na Justiça Militar, a Lei trará outros problemas, devido a condenação em primeira instância poder ser colegiada. Outra possibilidade foi permitida por decisão do Supremo Tribunal Federal, relativa às contas de Prefeitos e Governadores. Embora rejeitadas pelos Tribunais de Contas respectivos poderão ser aprovadas pelo legislativo. Os Tribunais são colegiados, mas auxiliares do Poder de representação popular que tem a última palavra isentando da punição.
O argumento de que o Executivo Federal não integra a “Ficha Limpa” devido sua inclusão na Constituição e na Lei do “impeachment”, suscita dúvidas porque os governadores integram as Leis do “Impeachment” 1.079/50, art. 74 e 201/67, respectivamente, estando inclusos, também na “Ficha Limpa”.
Além de prejudicar inocentes com a punição por um colegiado, sem o trânsito em julgado que poderão ser absolvidos após punições, a Lei da “Ficha Limpa” poderá ser esvaziada por recursos suspensivos, por parlamentos a protegerem seus membros com a sustação da ação ou decidirem pela manutenção ou de mandatos com aprovação de contas rejeitadas pelo Tribunal. Esta situação levou o Ministro Gilmar Mendes a dizer que parece ser feita por bêbados e aos artigos que escrevi em 2010, sobre a possibilidade de levar do nada a coisa alguma e ficar tudo como estava.