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Crise econômica e medidas estatais proativas: o papel do fomento financeiro

É preciso implementar soluções criativas que atenuem os efeitos da calamidade financeira internacional

Foto: Minsa/Fotos Públcias

O limite e alcance da atuação estatal na economia é, há tempos, objeto de debate entre teorias econômicas e políticas. De Keynes a Hayek, das teorias de planificação econômica ao liberalismo, a discussão também alcança o mundo do direito. Afinal, também a participação estatal na economia deve obediência à Constituição.

O tema é objeto de análise do chamado direito econômico, cuja relevância na atual conjuntura internacional intensificou a pergunta sobre qual papel deve ser reservado ao Estado na economia. Mais: como se compatibilizar tal ordem de ações públicas com o que se espera de um Estado de Direito.

Não há dúvida de que a Constituição federal de 1988 integra o Estado à economia. Primeiro, ao estabelecer a titularidade pública de bens e serviços no art. 21 (e aqui o foco não é a polêmica sobre esse conceito). Segundo, ao prever, no arts. 173, a possibilidade de exploração direta de atividades econômicas pelo Estado (destaque para as empresas estatais). Por fim, no art. 174, ao indicar as funções de fiscalização, planejamento e, no que mais interessa para este artigo, de incentivo estatal na economia.

Especificamente a função de incentivo, ou de fomento público, consiste no conjunto de instrumentos à disposição do Estado para orientar e desenvolver a economia, sempre conforme objetivos públicos. Em contextos de crise, como o atual, envolvem medidas anticíclicas fomentadoras, sem as quais o efeito natural do mercado seria de acentuada recessão, represando-se investimentos ou até mesmo levando à insolvência inúmeros agentes e empresas. O Estado, portanto, pode fazer uso de instrumentos financeiros, como desonerações tributárias ou benefícios creditícios, para preservar o funcionamento da economia.

Se é fato que tal função é prevista na Constituição, e seus instrumentos definidos em lei, seu sentido e alcance não são pré-determinados – e nem poderiam ser. A função de fomento público financeiro é, por essência, desempenhada através de escolhas de cunho político, econômico e social dos administradores públicos (muitas vezes em conjunto com o legislativo), a partir do seu contexto. Logo, precisa ser dinâmica. Dinamicidade que fica evidente na atual conjuntura internacional.

Ratificando o que já havia ocorrido em cenários de crises anteriores (como a do subprime, em 2008), os efeitos econômicos negativos decorrentes da pandemia revelam que o Estado é, sem dúvida, um grande agente econômico. Ele integra a economia – inclusive porque a Constituição assim o estabelece. Se é verdade que a intensidade e a extensão da sua atuação variam conforme o contexto, sua necessidade é inquestionável.

As medidas anticíclicas anunciadas nos últimos dias pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos (apenas para ilustrar) para mitigar os efeitos econômicos da crise, confirmam o exposto.

No Brasil, utilizando-se dos típicos instrumentos de fomento público financeiro, foram diferidos tributos (adiado o pagamento da parte referente à parcela da União no Simples Nacional – Resolução CGSN 152) e concedidas desonerações tributárias (a Resolução CAMEX 17 zerou as alíquotas de importação de 50 produtos de uso médico-hospitalar).

Já através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável – BNDES, típica instituição que desempenha função de fomento, foram concedidas linhas de crédito subsidiadas (com prazos maiores de carência, a juros menores) e criados programas de refinanciamento de dívidas, estimados em R$25 bilhões. Até o momento, o Ministério da Economia calcula um custo de mais de R$300 bilhões em medidas estatais anticíclicas para reduzir os efeitos negativos da COVID-19.

Nos Estados Unidos, o Internal Revenue Service (IRS) adotou medidas similares em âmbito federal, como o diferimento do pagamento de tributos e a possibilidade de dedução de custos com a COVID-19 dos tributos. O Federal Reserve já anunciou programas de financiamento para pessoas físicas e jurídicas que totalizam U$300 bilhões, para garantia de fluxo de caixa. Medidas similares estão incluídas no chamado “pacote de estímulos” recentemente aprovado pelo Senado no valor histórico de U$2 trilhões, que só em empréstimos a pequenas empresas totaliza U$350 bilhões. Isso sem falar do acionamento, pelo governo federal, do Defense Production Act, legislação da década de 1950 através da qual a autoridade pode direcionar a produção de insumos pelo mercado, concedendo, por exemplo, empréstimos em condições vantajosas e, até mesmo, garantido a aquisição da produção inclusive em caso de eventual não uso.

Estes dois exemplos – brasileiro e estadunidense – ratificam não apenas o papel fundamental do Estado como agente econômico, mas a especial relevância da função de fomento público, inclusive por meio de medidas anticíclicas, para manutenção do mercado em tempos de crise. Tais instrumentos jurídicos estão à disposição dos gestores públicos, a fim de implementar soluções criativas que atenuem os efeitos da calamidade financeira internacional.

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